Do Valor
Diogo Martins
As favelas do Rio de Janeiro movimentam R$ 13 bilhões por ano, valor
que supera o Produto Interno Bruto (PIB) de 13 capitais brasileiras,
entre elas Florianópolis, Natal e Cuiabá, segundo a mais recente
pesquisa sobre o PIB dos municípios, do Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE).
Levantamento feito pelo instituto Data Popular, que entrevistou 500
pessoas no mês de agosto, em cinco favelas - Complexo do Alemão,
Rocinha, Chatuba de Mesquita, Salgueiro e Cidade de Deus - indica ainda
que, se todas as cerca de mil favelas cariocas formassem uma cidade,
esse município fictício seria o nono maior do país, em termos
populacionais.
Os dados da pesquisa são referentes a 2011. Confrontando informações
com as de 2001, quando a população residente em favelas da cidade
totalizava 970 mil pessoas, o estudo aponta que, em dez anos, a
proporção de moradores da classe D - renda familiar até R$ 1.539 - nas
favelas do Rio caiu de 59% para 20%, enquanto a classe C aumentou de 29%
para 66% e ficou acima da taxa média do Brasil, de 56%. No mesmo
período, a classe AB -- renda familiar a partir de R$ 4.345 - passou de
1% para 13% dos habitantes das favelas e também superou a taxa média do
país, de 2%.
"A renda dos moradores de favela tende a crescer, à medida que o Rio
se recupera", afirma o economista Marcelo Neri, presidente do Instituto
de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Em sua avaliação, a "recuperação"
da cidade e o aumento do poder de consumo da população de baixa renda
são sustentados pelo crescimento econômico de todo o país obtido nos
últimos anos, aliado ao programa de segurança pública Unidade de Polícia
Pacificadora (UPP) e pela realização dos Jogos Olímpicos de 2016.
"A UPP não é a solução para os problemas do Rio, nem das favelas, mas
um elemento importante, que gera ganho de renda, de capital, para a
população de áreas carentes, pois abre a economia dessas regiões para as
empresas se instalarem", diz o presidente do Ipea.
Daniel Silva dos Santos, 26 anos, casado e pai de duas crianças,
trabalha como segurança há um ano e mora no Complexo do Alemão, na zona
norte da cidade. Nas horas vagas, "Trenzinho", como é conhecido, usa uma
Kombi para transportar passageiros na favela. Com as duas atividades,
tem rendimento médio mensal de R$ 1.800. Trenzinho é um dos 1,1 milhão
de moradores de favela carioca que estão na classe C, grupo com renda
mínima de R$ 1.540 e que representa 66% do total de 1,7 milhão de
pessoas que habitam favelas no Rio.
"Trenzinho" cursou até a sétima série, diz que também tem vontade de
retomar os estudos para ajudar o pai em suas "funções políticas", como
líder comunitário de uma região do Complexo do Alemão, composto por mais
de dez áreas. "O que falta é tempo. O dinheiro que ganho é para os meus
filhos. Cobro deles estudo", diz ele.
A empregada doméstica Andreia Santos, 36, também faz parte dos
moradores do Complexo do Alemão que passaram da classe D para a classe
C. Trabalha em residências das zonas sul e norte da cidade, todos os
dias da semana, sempre a partir das 7 horas e ganha R$ 1.720 por mês.
"Trabalho tanto para que os meus filhos não tenham de largar os
estudos. Só assim eles vão poder pensar em ter uma vida melhor", diz
ela. Com seis filhos, separada e moradora do Alemão há 19 anos, Andreia
diz que "as coisas vem melhorando" nos últimos quatro anos, período em
que pode comprar eletrodomésticos, TV, DVD e móveis para sua casa.
"Daqui para frente, minha vontade é comprar uma casa maior, mas no
mesmo lugar em que moro, porque lá é tranquilo", afirma Andreia, que
também tem o desejo de voltar a estudar, já que "é mais fácil arrumar
emprego".
Além do aumento da renda e da recente aquisição de bens duráveis,
outro ponto comum entre Daniel e Andreia é a dificuldade em acessar
serviços, como bancos e redes de varejo. Eles se queixam também dos
serviços públicos, como o de limpeza urbana.
O levantamento feito pelo Data Popular foi encomendado pela rádio
Beat 98, com o apoio da Central Única das Favelas (Cufa), organização
que atua em várias regiões do país, na formação de crianças carentes. A
Beat 98, emissora com programação musical popular, encomendou a pesquisa
para conhecer melhor seu público e adequar suas ações de marketing
O secretário-geral da Cufa, Celso Athayde, diz que a experiência com
trabalhos em favelas o leva a crer que o aumento de consumo da população
ocorreu mais fortemente nos últimos dez anos. Com o passar do tempo,
afirma ele, as pessoas passaram a comprar bens até então inacessíveis,
como celulares, móveis, eletrodomésticos, e motos. "Hoje em dia, o que
mais ouvimos como sonho de consumo nas favelas são TVs de LCD e
tablets", diz Athayde.
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