Do Vermelho
Jerônimo Silva Jr.: Abolição, vitória ou farsa?
Farsa ou redenção? É através dessa visão pendular que os vários
segmentos interessados em analisar a Abolição do trabalho escravo no
Brasil estão encarando há muito tempo essa data.Farsa se durante mais de
300 anos os escravos negros não tivessem lutado, muitas vezes de armas
nas mãos, contra o estatuto que os oprimia. O testemunho maior dessa
posição é a República dos Palmares.
Por Jerônimo Silva Jr., Unegro-BA*
Dizer que o 13 de maio foi apenas
uma manobra de classes seria esquecer todo esse rosário de lutas dos
quilombos espalhados por todo o Brasil. Em outras palavras: seria apagar
a importância de luta de classes durante todo o período colonial,
entrando-se pela independência até o final do processo. Seria esquecer a
insurgência permanente, as grandes insurreições urbanas do século XIX
em Salvador e as inúmeras formas de protesto do escravo negro.Este
legado de luta permanente e radical deve ser resgatado ao se analisar a
conclusão do processo social abolicionista. Até praticamente 1850, os
escravos lutavam sozinhos contra a escravidão no Brasil.
No entanto (é aqui é que está o essencial da questão), após a
abolição do tráfico internacional, os “liberais” do sistema escravista
passaram a manipular os escravos, através de leis protetoras como a do
Ventre Livre e dos sexagenários. Neutralizaram, com isto, de certa
forma, o potencial revolucionário dos escravos e assumiram, liderados
pela burguesia agrária, as rédeas do processo abolicionista.
Transferiram para o Parlamento aquilo que era discutido e decidido nos
quilombos. Com isto, criaram mecanismos odiosos (as leis protetoras se
mostraram praticamente inóquas) que fizeram com que a abolição fosse
feita de acordo com os seus interesses de classes e de raça e não com os
dos escravos, que travaram uma luta mais do que centenária pela sua
libertação. O movimento abolicionista passa a ser um mecanismo
equilibrador dos interesses da burguesia agrária e dos segmentos urbanos
contra o negro escravo. Os grandes fazendeiros, conservando as terras e
o poder foram os principais beneficiados com a abolição.
Os escravos ficaram inteiramente sem propriedades. Os grandes
latifundiários têm preservadas suas propriedades, cria-se a filosofia do
branqueamento, todos os espaços sociais lucrativos ou de prestigio são
interditados aos ex-escravos. Cria-se, por outro lado, uma política
migratória subsidiada para colocar o trabalhador branco no lugar do
ex-escravo, institui-se o crime da vadiagem, prefere-se o negro “livre”
nos empregos de carreira, persegue-se, discrimina-se, prostitui-se,
encarcera-se, reforça-se o mito da “democracia social”, a qual irá
justificar porque o negro se encontra atualmente nos últimos patamares
da sociedade brasileira.
Com isto, os negros que durante todo o regime escravista lutaram
continuamente, não conseguiram no seu final a hegemonia do processo.
O abolicionismo foi institucionalizado para preservar os interesses
dos brancos proprietários de terras e capitais. Se houve redenção,
portanto, na passagem do escravismo para o capitalismo, dependente ela é
dos que “libertaram” o negro de forma como o fizeram, a fim de
conservá-lo até hoje discriminado em todos os níveis da sociedade
brasileira. Com a Abolição foram criados novos níveis de privilégios e
novas formas de opressão: só não vê isto quem não quer e o pior cego é
aquele que não quer ver.
* é coordenador da União de Negros pela Igualdade – Seção Bahia (Unegro-BA)
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