domingo, 12 de maio de 2013

A guerra civil no Iraque já começou 12/05/2013

EsquerdaNet 

 Segundo as Nações Unidas, mais de 700 pessoas foram mortas no mês passado, o valor mais alto num mês desde há cinco anos. Os residentes de Bagdade estão a armazenar arroz, vegetais e outros alimentos. Por Patrick Cockburn

O primeiro-ministro Nouri al-Maliki: a chave para acabar com presente crise é a sua demissão. Foto de U.S. Air Force photo/Staff Sgt. Jessica J. Wilkes
Os líderes do Iraque temem que o país esteja a cair rapidamente numa nova guerra civil “que será pior do que a Síria”. Os residentes de Bagdade estão a armazenar arroz, vegetais e outros alimentos para o caso de serem impedidos de ir às lojas devido aos confrontos ou ao recolher obrigatório. “É errado dizer que nos aproximamos de uma guerra civil,” disse um político iraquiano sénior. “A guerra civil já começou.”
Isto verifica-se pelo aumento acentuado do número de pessoas mortas por violência política em abril, com as Nações Unidas a alegar que mais de 700 pessoas foram mortas no mês passado, o valor mais alto num mês desde há cinco anos.
A situação deteriorou-se de repente a partir das mortes de pelo menos 36 manifestantes árabes sunitas num sit-in em Hawijah no dia 23 de Abril. O observador em Bagdade, o qual não quis ser identificado, disse “desde essa altura, o povo de Hawijah está com receio dos massacres de 2006.” Ela acrescentou que sunitas e xiitas evitam ir para as áreas controladas por cada um. Os sinais de que a segurança está a deteriorar-se estão por todo o lado. A al-Qaeda mostrou o seu alcance na segunda-feira quando cinco carros-bomba explodiram numa zona de maioria xiita no sul do Iraque, fazendo 21 mortos. O grupo sunita fundamentalista, que ressurgiu em 2012, é responsável por matar a maioria dos 1.500 iraquianos que morreram em violência política só neste ano.
Os seus membros conseguem agora deslocar-se livremente na província Anbar onde há um ano eram um movimento clandestino secreto. Na província vizinha de Kirkuk, militantes da al-Qaeda ocuparam a cidade de Sulaiman Bec, mataram o chefe da polícia, invadiram a esquadra e partiram levando as armas; depois acordaram uma trégua com o exército iraquiano.
Residentes em Bagdade dizem que os soldados, os quais eles alegam serem milicianos xiitas em uniforme, concentraram-se à volta dos enclaves sunitas da cidade e estão a montar postos de controlo. Surgem memórias da guerra civil sectária em 2006 e 2007 quando, nos piores meses, cerca de 3.000 pessoas foram assassinadas, o que poderá ser uma sensação exacerbada da ameaça, mas mostra que os velhos medos voltam a despertar. No passado, as bombas foram geralmente dirigidas aos xiitas, mas nas semanas recentes, os alvos têm sido as mesquitas e cafés sunitas. “Antes podíamos escapar para a Síria, mas com a violência de lá para onde podemos ir?” perguntou um iraquiano. “Não há saída.”
O governo do primeiro-ministro Nouri al-Maliki está a atrapalhar-se na resposta. A forma de lidar com o movimento de protesto de quatro meses dos árabes sunitas, um quinto da população do Iraque, os quais afirmam serem tratados como cidadãos de segunda classe, varia entre denunciá-los como terroristas e admitir os seus verdadeiros sofrimentos. O governo fechou a estrada principal entre o Iraque e a Jordânia, algo que os sunitas dizem ser um castigo coletivo sobre a sua comunidade. No geral, o Sr. Maliki cometeu um erro de cálculo ao acreditar que, comprando tempo, os protestos sunitas iriam esmorecer e poderiam assim dividir a liderança sunita com promessas de dinheiro e empregos.
As manifestações sunitas, que frequentemente tomam forma em sit-ins nas praças das cidades, estão agora a ser vigiadas por combatentes bem treinados que erguem os seus próprios postos de controlo. Num fim de semana, num protesto em Ramadi, a capital de Anbar, um deles mandou parar um carro que levava cinco soldados iraquianos vestidos à paisana e que eram suspeitos de serem oficiais de inteligência. Os homens foram todos mortos. O governo iraquiano depende da aliança entre os xiitas e o curdos que, antes da invasão dos EUA em 2003, eram oprimidos pelo regime sunita de Saddam Hussein.
Esta aliança está desgastada e encontra-se muito mais frágil do que no passado. O exército iraquiano e as tropas curdas (peshmerga) entraram em confronto no ano passado numa zona de territórios disputados conhecida por “a linha gatilho.”
Uma delegação curda liderada pelo Primeiro-Ministro do Governo Regional do Curdistão (GRC), Nechervan Barzani, foi a Bagdade para discutir uma série de assuntos delicados, incluindo segurança, os campos de petróleo e a parte do orçamento federal destinada aos curdos. O sr. Maliki prometeu visitar o GRC em 10 dias e os ministros curdos estão a acabar com o boicote ao governo, mas os curdos não esperam progresso nenhum na maioria dos assuntos em disputa.
Por falar na incipiente revolta sunita, Fuad Hussein, o chefe de gabinete do presidente do GRC, Massoud Barzani, disse que “a parte ocidental do país foi colhida pelo levantamento contra o governo. Não queremos ter aqui uma segunda Síria e estamos a ir nessa direção. O incêndio está mau e não temos muitos bombeiros.” Ele acredita que a presente crise é pior do que as anteriores porque não há ninguém para mediar.
As últimas tropas norte-americanas deixaram o país em 2011, o Presidente Jalal Talabani está doente, no hospital, na Alemanha, e os próprios curdos estão em conflito com Bagdade impedindo-os de desempenhar um papel moderador entre os xiitas e os sunitas. O sr. Hussein receia que se a crise atual se aprofundar não há nada que previna um banho de sangue.
As crises no Iraque e na Síria estão a afetar-se mutuamente. O levantamento com dois anos de idade dos sunitas na Síria encorajaram os seus compatriotas no Iraque, que partilham uma fronteira comum, a começar os seus próprios protestos. Estes iniciaram-se em dezembro último e, até o exército matar e ferir vários manifestantes em Hawijah, eram maioritariamente pacíficos.
Os sunitas iraquianos encontram força no fato de, apesar de serem uma minoria no seu próprio país, serem a maioria na região.
Ambas as revoltas nos dois países correm agora mais do que nunca em paralelo. A al-Qaeda no Iraque anunciou no mês passado a fundação da Frente al-Nusra, a força rebelde militar mais eficaz na Síria, devota metade do seu orçamento a apoiá-la e envia para este país guerrilheiros experientes como reforços.
Quando os soldados do governo sírio fugiram para o Iraque em Março e foram depois repatriados, cerca de 47 sofreram uma emboscada e foram mortos em Akashat, perto da fronteira Síria. Os rebeldes alegam que o governo iraquiano, dominado pelos xiitas, tornou-se num apoiante mais ativo do Presidente Bashar al-Assad. Noticiaram ainda que na semana passada um avião da força aérea iraquiana bombardeou as suas forças em Deir Ez-Zhor, no leste da Síria.
Apesar de o governo em Bagdade não o ter negado de imediato, é mais provável que tenha sido um avião sírio que entrou brevemente no espaço aéreo iraquiano. Embora os seus números não sejam conhecidos, voluntários iraquianos xiitas viajaram para Damasco para defender o sepulcro xiita de Sayyidah Zaynab. Os EUA alegam que os aviões iranianos que transportam armas para as forças de Assad voam regularmente sobre o Iraque.
Os líderes em Bagdade e em Erbil estão convencidos de que toda a região está à beira de ser sacudida por uma guerra sectária entre sunitas e xiitas. Num conflito destes, o Irão e o Iraque estarão em minoria.
Mahoumd Othman, um líder veterano curdo e deputado, acredita que o governo de Bagadade tem exagerado na ideia da sua própria força e subestima o grau de hostilidade do ambiente internacional. Ele afirma: “Relembro-lhes que dos 56 Estados islâmicos no mundo, apenas dois são completamente xiitas.”
Muitos políticos iraquianos culpam o sr. Maliki por exacerbar a crise. Como líder do partido religioso xiita al-Dawa, é primeiro-ministro desde 2006, quando foi escolhido pelo embaixador dos EUA, Zilmay Khalilzad que o considerou o líder xiita mais aceitável para os EUA, e que tinha boas relações com o Irão.
Os EUA e o Irão têm sido cruciais para que ele mantenha o posto, não obstante um diplomata britânico ter dito, refletindo, que a falha em vetar a renomeação do sr. Maliki foi o pior erro do Reino Unido e dos EUA.
Nos primeiros anos no cargo, Maliki assumiu uma estratégia mais inclusiva e conciliatória para com os sunitas e os curdos. Isto aconteceu sob pressão norte-americana. Mas Maliki tem assegurado o seu apoio eleitoral como principal líder xiita ao convencer os eleitores xiitas de que ele e o seu partido preveniram uma contra-revolução do Partido Baas,, o que expulsaria os xiitas do poder.
Jogar a carta sectária também possui a vantagem de tornar a segurança e não a corrupção generalizada do governo e a incapacidade para fornecer serviços, o principal tema para a maioria xiita. A mentalidade de Maliki é a do guarda dentro o partido Dawa, altamente centralizado e autoritário, o qual, de várias formas, é uma versão xiita do Partido Baas de Saddam Hussein.
Ao consolidar o seu apoio entre os xiitas, o primeiro-ministro alienou permanentemente os sunitas que o olhavam com desconfiança. “Ele pode ter conquistado os xiitas, mas perdeu o Iraque,” declara Ghassan al-Attiyah, um cientista político de Bagadade.
Ele acredita que a chave para acabar com presente crise é a demissão de Maliki e a sua substituição por uma figura mais neutral até às eleições parlamentares do próximo ano.
Não é provável que aconteça. Os xiitas do Iraque suspeitam que poderão vir a enfrentar um luta pela sua existência. Estes medos podem ser exagerados e deliberadamente inflacionados pelo governo, mas asseguram a base política de Maliki. Os iranianos já expressaram abertamente as suas dúvidas sobre ele, contudo, não querem retirá-lo enquanto lutam para salvar o seu aliado na Síria.
Acreditam que é tempo de todos os xiitas se unirem. Os levantamentos na Síria e no Iraque estão conjuntamente a provocar resultados explosivos para este país, para a região e para o mundo. Um Iraque apenas recentemente estabilizado está a desestabilizar-se outra vez. Até há dois meses o manifestantes sunitas gritavam “Maliki ou Iraque!”. Agora gritam “Guerra! Guerra!”
06 de Maio de 2013
PATRICK COCKBURN é o autor de “Muqtada: Muqtada Al-Sadr, the Shia Revival, and the Struggle for Iraq.”
Publicado em Counterpunch
Tradução de Sofia Gomes para o Esquerda.net

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