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Segundo as Nações Unidas, mais de 700 pessoas foram mortas no mês passado, o valor mais alto num mês desde há cinco anos. Os residentes de Bagdade estão a armazenar arroz, vegetais e outros alimentos. Por Patrick Cockburn
O
primeiro-ministro Nouri al-Maliki: a chave para acabar com presente
crise é a sua demissão. Foto de U.S. Air Force photo/Staff Sgt. Jessica
J. Wilkes
Isto verifica-se pelo aumento acentuado do número de pessoas mortas por violência política em abril, com as Nações Unidas a alegar que mais de 700 pessoas foram mortas no mês passado, o valor mais alto num mês desde há cinco anos.
A situação deteriorou-se de repente a partir das mortes de pelo menos 36 manifestantes árabes sunitas num sit-in em Hawijah no dia 23 de Abril. O observador em Bagdade, o qual não quis ser identificado, disse “desde essa altura, o povo de Hawijah está com receio dos massacres de 2006.” Ela acrescentou que sunitas e xiitas evitam ir para as áreas controladas por cada um. Os sinais de que a segurança está a deteriorar-se estão por todo o lado. A al-Qaeda mostrou o seu alcance na segunda-feira quando cinco carros-bomba explodiram numa zona de maioria xiita no sul do Iraque, fazendo 21 mortos. O grupo sunita fundamentalista, que ressurgiu em 2012, é responsável por matar a maioria dos 1.500 iraquianos que morreram em violência política só neste ano.
Os seus membros conseguem agora deslocar-se livremente na província Anbar onde há um ano eram um movimento clandestino secreto. Na província vizinha de Kirkuk, militantes da al-Qaeda ocuparam a cidade de Sulaiman Bec, mataram o chefe da polícia, invadiram a esquadra e partiram levando as armas; depois acordaram uma trégua com o exército iraquiano.
Residentes em Bagdade dizem que os soldados, os quais eles alegam serem milicianos xiitas em uniforme, concentraram-se à volta dos enclaves sunitas da cidade e estão a montar postos de controlo. Surgem memórias da guerra civil sectária em 2006 e 2007 quando, nos piores meses, cerca de 3.000 pessoas foram assassinadas, o que poderá ser uma sensação exacerbada da ameaça, mas mostra que os velhos medos voltam a despertar. No passado, as bombas foram geralmente dirigidas aos xiitas, mas nas semanas recentes, os alvos têm sido as mesquitas e cafés sunitas. “Antes podíamos escapar para a Síria, mas com a violência de lá para onde podemos ir?” perguntou um iraquiano. “Não há saída.”
O governo do primeiro-ministro Nouri al-Maliki está a atrapalhar-se na resposta. A forma de lidar com o movimento de protesto de quatro meses dos árabes sunitas, um quinto da população do Iraque, os quais afirmam serem tratados como cidadãos de segunda classe, varia entre denunciá-los como terroristas e admitir os seus verdadeiros sofrimentos. O governo fechou a estrada principal entre o Iraque e a Jordânia, algo que os sunitas dizem ser um castigo coletivo sobre a sua comunidade. No geral, o Sr. Maliki cometeu um erro de cálculo ao acreditar que, comprando tempo, os protestos sunitas iriam esmorecer e poderiam assim dividir a liderança sunita com promessas de dinheiro e empregos.
As manifestações sunitas, que frequentemente tomam forma em sit-ins nas praças das cidades, estão agora a ser vigiadas por combatentes bem treinados que erguem os seus próprios postos de controlo. Num fim de semana, num protesto em Ramadi, a capital de Anbar, um deles mandou parar um carro que levava cinco soldados iraquianos vestidos à paisana e que eram suspeitos de serem oficiais de inteligência. Os homens foram todos mortos. O governo iraquiano depende da aliança entre os xiitas e o curdos que, antes da invasão dos EUA em 2003, eram oprimidos pelo regime sunita de Saddam Hussein.
Esta aliança está desgastada e encontra-se muito mais frágil do que no passado. O exército iraquiano e as tropas curdas (peshmerga) entraram em confronto no ano passado numa zona de territórios disputados conhecida por “a linha gatilho.”
Uma delegação curda liderada pelo Primeiro-Ministro do Governo Regional do Curdistão (GRC), Nechervan Barzani, foi a Bagdade para discutir uma série de assuntos delicados, incluindo segurança, os campos de petróleo e a parte do orçamento federal destinada aos curdos. O sr. Maliki prometeu visitar o GRC em 10 dias e os ministros curdos estão a acabar com o boicote ao governo, mas os curdos não esperam progresso nenhum na maioria dos assuntos em disputa.
Por falar na incipiente revolta sunita, Fuad Hussein, o chefe de gabinete do presidente do GRC, Massoud Barzani, disse que “a parte ocidental do país foi colhida pelo levantamento contra o governo. Não queremos ter aqui uma segunda Síria e estamos a ir nessa direção. O incêndio está mau e não temos muitos bombeiros.” Ele acredita que a presente crise é pior do que as anteriores porque não há ninguém para mediar.
As últimas tropas norte-americanas deixaram o país em 2011, o Presidente Jalal Talabani está doente, no hospital, na Alemanha, e os próprios curdos estão em conflito com Bagdade impedindo-os de desempenhar um papel moderador entre os xiitas e os sunitas. O sr. Hussein receia que se a crise atual se aprofundar não há nada que previna um banho de sangue.
As crises no Iraque e na Síria estão a afetar-se mutuamente. O levantamento com dois anos de idade dos sunitas na Síria encorajaram os seus compatriotas no Iraque, que partilham uma fronteira comum, a começar os seus próprios protestos. Estes iniciaram-se em dezembro último e, até o exército matar e ferir vários manifestantes em Hawijah, eram maioritariamente pacíficos.
Os sunitas iraquianos encontram força no fato de, apesar de serem uma minoria no seu próprio país, serem a maioria na região.
Ambas as revoltas nos dois países correm agora mais do que nunca em paralelo. A al-Qaeda no Iraque anunciou no mês passado a fundação da Frente al-Nusra, a força rebelde militar mais eficaz na Síria, devota metade do seu orçamento a apoiá-la e envia para este país guerrilheiros experientes como reforços.
Quando os soldados do governo sírio fugiram para o Iraque em Março e foram depois repatriados, cerca de 47 sofreram uma emboscada e foram mortos em Akashat, perto da fronteira Síria. Os rebeldes alegam que o governo iraquiano, dominado pelos xiitas, tornou-se num apoiante mais ativo do Presidente Bashar al-Assad. Noticiaram ainda que na semana passada um avião da força aérea iraquiana bombardeou as suas forças em Deir Ez-Zhor, no leste da Síria.
Apesar de o governo em Bagdade não o ter negado de imediato, é mais provável que tenha sido um avião sírio que entrou brevemente no espaço aéreo iraquiano. Embora os seus números não sejam conhecidos, voluntários iraquianos xiitas viajaram para Damasco para defender o sepulcro xiita de Sayyidah Zaynab. Os EUA alegam que os aviões iranianos que transportam armas para as forças de Assad voam regularmente sobre o Iraque.
Os líderes em Bagdade e em Erbil estão convencidos de que toda a região está à beira de ser sacudida por uma guerra sectária entre sunitas e xiitas. Num conflito destes, o Irão e o Iraque estarão em minoria.
Mahoumd Othman, um líder veterano curdo e deputado, acredita que o governo de Bagadade tem exagerado na ideia da sua própria força e subestima o grau de hostilidade do ambiente internacional. Ele afirma: “Relembro-lhes que dos 56 Estados islâmicos no mundo, apenas dois são completamente xiitas.”
Muitos políticos iraquianos culpam o sr. Maliki por exacerbar a crise. Como líder do partido religioso xiita al-Dawa, é primeiro-ministro desde 2006, quando foi escolhido pelo embaixador dos EUA, Zilmay Khalilzad que o considerou o líder xiita mais aceitável para os EUA, e que tinha boas relações com o Irão.
Os EUA e o Irão têm sido cruciais para que ele mantenha o posto, não obstante um diplomata britânico ter dito, refletindo, que a falha em vetar a renomeação do sr. Maliki foi o pior erro do Reino Unido e dos EUA.
Nos primeiros anos no cargo, Maliki assumiu uma estratégia mais inclusiva e conciliatória para com os sunitas e os curdos. Isto aconteceu sob pressão norte-americana. Mas Maliki tem assegurado o seu apoio eleitoral como principal líder xiita ao convencer os eleitores xiitas de que ele e o seu partido preveniram uma contra-revolução do Partido Baas,, o que expulsaria os xiitas do poder.
Jogar a carta sectária também possui a vantagem de tornar a segurança e não a corrupção generalizada do governo e a incapacidade para fornecer serviços, o principal tema para a maioria xiita. A mentalidade de Maliki é a do guarda dentro o partido Dawa, altamente centralizado e autoritário, o qual, de várias formas, é uma versão xiita do Partido Baas de Saddam Hussein.
Ao consolidar o seu apoio entre os xiitas, o primeiro-ministro alienou permanentemente os sunitas que o olhavam com desconfiança. “Ele pode ter conquistado os xiitas, mas perdeu o Iraque,” declara Ghassan al-Attiyah, um cientista político de Bagadade.
Ele acredita que a chave para acabar com presente crise é a demissão de Maliki e a sua substituição por uma figura mais neutral até às eleições parlamentares do próximo ano.
Não é provável que aconteça. Os xiitas do Iraque suspeitam que poderão vir a enfrentar um luta pela sua existência. Estes medos podem ser exagerados e deliberadamente inflacionados pelo governo, mas asseguram a base política de Maliki. Os iranianos já expressaram abertamente as suas dúvidas sobre ele, contudo, não querem retirá-lo enquanto lutam para salvar o seu aliado na Síria.
Acreditam que é tempo de todos os xiitas se unirem. Os levantamentos na Síria e no Iraque estão conjuntamente a provocar resultados explosivos para este país, para a região e para o mundo. Um Iraque apenas recentemente estabilizado está a desestabilizar-se outra vez. Até há dois meses o manifestantes sunitas gritavam “Maliki ou Iraque!”. Agora gritam “Guerra! Guerra!”
06 de Maio de 2013
PATRICK COCKBURN é o autor de “Muqtada: Muqtada Al-Sadr, the Shia Revival, and the Struggle for Iraq.”
Publicado em Counterpunch
Tradução de Sofia Gomes para o Esquerda.net
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