Por Osvaldo Coggiola, historiador e economista
Leonel
Itaussu Almeida Mello nasceu em Icém, interior de São Paulo. Tinha
antepassados libaneses. Jovem, deslocou-se à capital para estudar, e se
incorporou à (...) Aliança Libertadora Nacional.
Foi preso pelo regime militar, torturado no Doi Codi, conheceu a chamada cadeira do dragão.
A tortura na boca com eletricidade lhe fez perder todas as obturações
molares. Manteve sequelas físicas da tortura durante toda sua vida...
Esteve na prisão durante dois anos, aproximadamente. Novamente livre,
foi professor do cursinho da Equipe, a partir de 1974, e concluiu
estudos de advocacia (e) de Ciências Sociais na (...) USP.
Fez mestrado em Sociologia Política, e doutorado em Ciência Política.
Era também pós-Doutor pela Universidade da Califórnia (Berkeley).
Docente do Departamento de Ciência Política (FFLCH) da USP, eu o conheci
nos debates sobre a unidade da FFLCH dos anos 1990, em que se destacou
defendendo a unidade da faculdade, com a força intelectual e a
fogosidade oratória que lhe eram características. Já era professor
titular do Departamento de Ciência Política da USP, cargo obtido em
concurso de concorrência acirrada.
Com Luiz César Amad Costa, seu colega de trabalho, de estudo, e grande
amigo, escreveu textos didáticos de história moderna e contemporânea, de
grande difusão.
Dentre outros livros, publicou: Argentina e Brasil: A Balança de Poder No Cone Sul (São Paulo: Hucitec, 2012, última edição); Quem tem medo de Geopolítica? (São Paulo: Hucitec, 2012, última edição); A Geopolítica do Brasil e a Bacia do Prata (São Paulo: Hucitec, 2012, última edição).
Entre a esposa Dea Conti e Antônio Roberto Espinosa |
Era orador excepcional, dispensava microfones quando enfrentava
auditórios, graças ao volume da sua voz e à sua forte personalidade.
Prendia a atenção o público pela erudição e pela lógica contundente de
suas argumentações, e enfrentava com elegância todos os debates
políticos, nos quais ouvia com atenção e educação os argumentos
contrários ou divergentes. Foi, por isso, presença indispensável nos
congressos e simpósios que organizamos no Departamento de História da
USP...
Sua generosidade pessoal era ímpar. Se preocupava permanentemente pelo
estado de saúde e bem-estar de seus amigos e colegas. Vivia em condições
modestas, se deslocava em um Monza da década de 80, e quando da
demissão de funcionários da USP por “delito” de greve, doou, durante um
ano, parte de seu salário para esses trabalhadores que se encontravam
sem proventos (não deixou que ninguém soubesse, mas agora eu digo). Foi
delegado pela Adusp a vários congressos do Andes- Sindicato Nacional.
Era membro permanente, e permanente participante dos debates, na
Congregação da FFLCH-USP. Em uma de suas últimas aparições públicas, no
ato-debate “Contra a destruição da Palestina” que coordenamos no
Departamento de História (USP) em finais de 2012 por ocasião dos
bombardeios israelenses contra a população civil de Gaza, fez questão,
em que pesem suas precárias condições de saúde, de falar em pé... em
homenagem ao homo erectus.
Apresentou nesse ato um texto-moção sobre o conflito no Oriente Médio,
que foi adotado pelo Foro Social Mundial – Palestina, que nesse mesmo
momento se reunia em Porto Alegre.
Há pouco mais de 15 dias, quando de uma visita judicial ao meu domicílio
devido a um problema banal (...), fez questão de permanecer comigo como
testemunha (e eventual advogado), como meu amigo, e insisto em que sua
saúde já não estava boa.
Assim era Leonel. Generoso ao máximo, e dono de um humor cáustico, ao
mesmo tempo em que de uma capacidade crítica, permanentes. Ninguém se
aborrecia, ou se entediava por um minuto sequer, estando ao seu lado.
Ninguém perdia o tempo escutando suas críticas ou conselhos.
Se interessava por tudo, e seus alunos e orientandos lembram e lembrarão
sempre sua dedicação, atenção e, novamente, generosidade. Lutava por
eles quando lhes faltava um prazo para concluir suas dissertações ou
teses. Como membro de bancas de concurso público, não aceitava pressões e
se guiava por uma objetividade absoluta baseada no mérito.
Esteve política e intelectualmente ativo até poucos dias (talvez até
poucas horas) antes de sua internação final, com problemas respiratórios
em um organismo já muito debilitado devido a doenças diversas e a uma
vida vivida sem medo nem cálculos egoístas.
...Leonel foi um marxista, um revolucionário, no verdadeiro e amplo
sentido da palavra. Membro de uma geração cheia de contradições e de
impasses, mas cujos melhores representantes não vacilaram em apostar a
vida nas suas convicções. E Leonel esteve entre eles.
Esse é o homem que se foi domingo (05/05) pela madrugada, aos 67 anos de
idade. Uma vida encurtada pelas apostas que ele fez na política, no
ensino, no conhecimento, na militância, nos homens, nas mulheres, na
vida.
Todos os que hoje o choram (...) têm sobrados motivos de orgulho por tê-lo conhecido.
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