Princípios elementares da propaganda de guerra
- A ler tendo em mente a campanha de calúnias que o imperialismo desenvolve contra o governo sírio
por Michel Collon
Princípios elementares de propaganda de guerra (utilizáveis em
caso de guerra fria, quente ou morna) é um livro de Anne Morelli
publicado em 2001 e reeditado em 2010, para acrescentar à primeira
edição as guerras do Iraque e do Afeganistão, assim como
uma análise do discurso de Obama como "Prémio Nobel da
Paz".
"Eu não tentaria sondar a pureza das intenções de uns ou outros. Não procuro saber aqui quem mente e quem diz a verdade, quem está de boa fé e quem não está. Meu único propósito é ilustrar os princípios de propaganda, utilizados unanimemente, e descrever os mecanismos". [1]
Entretanto, é inegável que desde as últimas guerra que marcaram nossa época (Kosovo, guerras do Golfo, Afeganistão, Iraque) as chamadas democracias ocidentais e os media são postos em causa.
Anne Morelli reactualiza, graças a este pequeno manual do cidadão crítico, formas invariáveis para conteúdos diversos. A propaganda é exercida sempre através das mesmas invariantes qualquer que seja a guerra, daí a grande pertinência da grelha proposta. Parece igualmente essencial nesta introdução citar Lord Ponsonby , a quem Anne Morelli agradece desde as primeiras páginas da sua obra. Com efeito, Ponsonby contribuiu amplamente para a elaboração dos princípios. Lord Ponsonby era um trabalhista inglês que se opôs radicalmente à guerra. Já durante a Primeira Guerra Mundial notabilizou-se por diversos panfletos e acabou por escrever um livro sobre estes mecanismos de propaganda. Livro esse que Anne Morelli retoma, reactualiza e sistematiza em dez princípios elementares.
1) Nós não queremos a guerra
"Arthur Ponsonby já havia notado que os homens de Estado de todos os países, antes de declararem a guerra ou no momento mesmo desta declaração, sempre asseguravam solenemente como preliminar que não queriam a guerra". [2]
A guerra nunca é desejada, apenas raramente é vista como positiva pela população. Como o advento das nossas democracias, o consentimento da população torna-se essencial, não é possível querer a guerra e ter uma alma de pacifista. Ao contrário da Idade Média, onde a opinião da população tinha pouca importância e a questão social não era significativa.
"Assim, o governo francês já mobiliza tudo proclamando que a mobilização não é a guerra mas, ao contrário, o melhor meio de assegurar a paz". [3]
"Se todos os chefes de Estado e de governo são animados de semelhantes vontades de paz, pode-se evidentemente perguntar-se inocentemente porque por vezes (e mesmo frequentemente), estouram guerra mesmo assim? [4] Mas o segundo princípio responde a esta pergunta.
2) O campo adversário é o único responsável pela guerra
Este segundo princípio decorre do facto de que cada campo assegura ter sido constrangido a declarar a guerra para impedir o outro de destruir os nossos valores, por em perigo nossas liberdades, ou mesmo destruir-nos totalmente. Trata-se portanto da aporia de uma guerra para por fim às guerras. [5] Chega-se quase à frase mítica de George Orwell: "War is Peace".
Assim, os Estados Unidos foram "constrangidos" a fazer a guerra contra o Iraque que não lhes deixou outra opção. Portanto não fazemos senão "reagir", defender-nos das provocações do inimigo que é inteiramente responsável pela guerra que vem aí.
"Assim, já Daladier, no seu "apelo à nação" – contornando as responsabilidades francesas na situação criada pelo Tratado de Versalhes – assegura em 3 de Setembro de 1939: a Alemanha já havia recusado a todos os homens sensíveis cuja voz se havia elevado nestes últimos tempos em favor da paz do mundo. [...] Nós fazemos a guerra porque ela nos foi imposta". [6]
Ribbentrop justifica a guerra contra a Polónia nestes termos:
"O Führer não quer a guerra. Ele não se resolverá por ela senão a contragosto. Mas não é dele que depende a decisão em favor da guerra ou da paz. Ela depende da Polónia. Acerca de certas questões de um interesse vital para o Reich, a Polónia deve ceder e actuar correctamente em relação a reivindicações às quais não podemos renunciar. Se ela se recusar, é sobre ela que recairá a responsabilidade de um conflito, e não sobre a Alemanha". [7]
Pode-se igualmente ler, aquando da Guerra do Golfo, em Le Soir de 9 de Janeiro de 1991:
"A paz, que todo o mundo deseja acima de tudo, não pode ser construída sobre simples concessão a um acto de pirataria. (...) Estando o fardo essencialmente, é preciso dizer, no campo do Iraque". [8]
Idem para a guerra no Iraque, mesmo antes de a guerra começar, Le Parisien titulava em 12 de Setembro de 2002: "Como Saddam se prepara para a guerra".
3) O chefe do campo adversário tem a cara do diabo (ou "o odioso de serviço")
"Não se pode odiar um grupo humano no seu conjunto, mesm apresentado como inimigo. Portanto é mais eficaz concentrar este ódio do inimigo sobre o líder adversário. O inimigo terá assim um rosto e este rosto será obviamente odioso". [9]
"O vencedor apresentar-se-á sempre (ver Bush e Blair recentemente) como um pacifista desejoso de conciliação mas levado à guerra pelo campo adversário. Este campo adversário é certamente dirigido por um louco, um monstro (Milosevic, Ben Laden, Saddam Hussein, ...) que nos desafia e de que convém livrar a humanidade". [10]
A primeira operação de uma campanha de demonização consiste pois em reduzir um país a um único homem. Em fazer portanto como se ninguém vivesse no Iraque, que unicamente Saddam Hussein, sua "temível" guarda republicana e suas "terríveis" armas de destruição maciça vivessem ali. [11]
Personalizar o conflito é muito típico de uma certa concepção da história, que seria feita por "heróis", a obra das grandes personagens. [12] Concepção da história que Anne Morelli recusa ao escrever incansavelmente sobre os "abandonados" da história legítima. Esta visão é particularmente idealista e metafísica, uma visão em que a história é o fruto das ideias dos seus "grandes" homens. A esta concepção da história opõe-se uma concepção dialéctica e materialista que define a história em termos de relações e de movimentos sociais.
Assim ao adversário são atribuídos todos os males possíveis. Isso vai desde o seu físico aos seus costumes sexuais. Assim, Le Vif-L'Express de 2-8 de Abril de 1999 apresenta "O horripilante Milosevic". " Le Vif-L'Express não cita nenhum discurso, nenhum escrito, do "mestre de Belgrado" mas em contrapartida destaca seus saltos de humor anormais, suas explosões de cólera, doentias e brutais: Quando estava encolerizado, seu rosto se torcia. Depois, instantaneamente, recuperava o seu sangue-frio". [13] Este tipo de demonização não é utilizado unicamente pela propaganda de guerra (como todos os outros princípios, igualmente).
Assim, Pierre Bourdieu constatava que, nos Estados Unidos, numerosos professores universitários, exasperados com a popularidade de Michel Foucault entre os seus colegas, escreviam bom número de livros sobre a vida íntima do autor. Assim, Michel Foucault, "o homossexual masoquista e louco" tinha prática "contra natura", "escandalosas" e "inaceitáveis". Com este expediente, já não há necessidade de debater o pensamento do autor ou os discursos de um homem político, mas sim de refutá-lo com base em julgamentos morais às ditas práticas do indivíduo.
4) Defendemos uma causa nobre e não interesses particulares
Os objectivos económicos e geopolíticos da guerra devem ser mascarados sob um ideia, valores moralmente justos e legítimos. Assim já se podia ouvir George Bush pai declarar:
"Há pessoa que não compreendem nunca. O combate não se refere a petróleo, o combate refere-se a uma agressão brutal". [14]
ou Le Monde de 22 de Janeiro de 1991: "Os objectivos de guerra americanos e franceses são em primeiro lugar os objectivos do Conselho de Segurança. Estamos lá devido a decisões tomadas pelo Conselho de Segurança e o objectivo essencial é a libertação do Kuwait". [15]
De facto, nas nossas sociedades modernas, ao contrário da de Luís XIV, uma guerra não se pode realizar senão com um certo consentimento da população. Gramsci já havia mostrado até que ponto a hegemonia cultural e o consentimento são indispensáveis ao poder. Este consentimento será facilmente adquirido se a população pensar que desta guerra depende sua liberdade, sua vida, sua honra. [16]
Os objectivos da Primeira Guerra Mundial, por exemplo, resumem-se a três pontos:
"- esmagar o militarismo
- defender as pequenas nações
- preparar o mundo para a democracia.
Este objectivos, muito honrosos, são desde então recopiados quase textualmente na véspera de cada conflito, mesmo que não se enquadrem senão muito pouco ou absolutamente nada com os seus objectivos reais". [17]
"É preciso persuadir a opinião pública que nós – ao contrário dos nossos inimigos – fazemos a guerra por motivos infinitamente honrosos". [18]
"Na guerra da NATO contra a Jugoslávia encontra-se o mesmo afastamento entre objectivos oficiais e inconfessados do conflito. Oficialmente a NATO intervém para preservar o carácter multi-étnico do Kosovo, para impedir que minorias sejam ali maltratadas, para ali impor a democracia e para acabar com o ditador. Trata-se de defender a causa sagrada dos direitos humanos. Bem antes do fim da guerra, foi possível constatar que nenhum destes objectivos foi atingido, que se está nomeadamente longe de uma sociedade multi-étnica e que as violências contra as minorias – sérvios e ciganos desta vez – são quotidianas, mas ainda perceber que os objectivos económicos e geopolíticos da guerra, de que nunca se havia falado, foram – eles sim – atingidos". [19]
Este princípio implica o seu corolário: o inimigo é um monstro sanguinário que representa a sociedade da barbárie.
5) O inimigo provoca atrocidades conscientemente mas se nós cometemos sujeiras isso é involuntário
Os relatos das atrocidades cometidas pelo inimigo constituem um elemento essencial da propaganda de guerra. Isso evidentemente não quer dizer que não haja atrocidades durante as guerras. Muito pelo contrário, os assassinatos, os roubos a mão armada, os incêndios, a pilhagens e as violações parecem – infelizmente – recorrentes na história das guerras. Mas faz-se crer que só o inimigo comete tais atrocidades e que o nosso exército é amado pela população, que é um exército "humanitário".
Mas a propaganda de guerra raramente detém-se aí. Não contente com violações e pilhagens reais, é preciso muitas vezes criar atrocidades "desumanas" para encarnar no inimigo o alter-ego de Hitler (Hitlerosevic, ...). Podemos assim por lado a lado várias passagens referentes a guerras diferentes sem nelas encontrar grandes diferenças.
Durante a Primeira Guerra Mundial, Ponsonby relata esta história:
"Trinta ou trinta e cinco soldados alemães entraram na casa de David Tordens, carroceiro em Sempst (hoje Zempst). Eles ataram o homem e depois cinco ou seis deles lançaram-se sob os seus olhos sobre a filha de treze anos e lhe fizeram violência, a seguir trespassaram-na com suas baionetas. Depois desta acção horrível furaram com golpes de baionetas seu filho de nove anos e fuzilaram sua mulher".
Não se esquecerá tão pouco o episódio das crianças com mãos cortadas, que parece mais um rumor infundado do que um facto histórico. [20]
Na Guerra do Golfo em Le Monde de 3 de Março de 1990: "Se eles nada provam quanto ao número, os corpos mutilados da morgue do hospital Moubarak advogam a certeza da crueldade dos sete meses de ocupação iraquiana. Olhos arrancados, gargantas cortadas, cabeças esmagadas, crânios cortados cujo cérebro escapa, corpos meio carbonizados, queimaduras de cigarros..."
Sem esquecer igualmente o episódio das incubadoras roubadas e dos bebés mortos atrozmente... Que revelaram ser uma mistificação.
Quanto ao Afeganistão, no Herald Tribune de 7 de Agosto de 1999: "Alguns foram mortos nas ruas. Muitos foram executados nas suas casas, após bloqueio e busca das zonas reputadas por serem habitadas na maioria por certos grupos étnicos. Alguns foram escaldados até à morte ou asfixiados em contentores metálicos selados, colocados em pleno sol. Num hospital pelo menos, 30 pacientes foram mortos a bala na sua cama. Os corpos das vítimas foram abandonados nas ruas ou nas casas, para intimidar o resto dos habitantes. Testemunhas em pânico puderam ver cães a competirem pelos restos dos cadáveres, mas foi-lhes imposta por megafone ou por rádio que não os tocassem e não os enterrassem".
Os talibãs, aqui responsáveis de atrocidades, na maior parte não puderam ser presos, e nenhuma notícia de Ben Laden...
Na guerra do Iraque, as histórias foram, mais uma vez, semelhante – e as mentiras sobre armas de destruição maciça também. Pode-se portanto extrair facilmente certas tendências nestas histórias. Trata-se antes de tudo de tocar a corda "sentimental" do leitor. Para isso é preciso, antes de tudo, "boas histórias" e se não forem encontradas são inventadas. Os pormenores "crispantes" totalmente inúteis à vista das consequências reais das guerras do ponto de vista humano são contudo moeda corrente nestas histórias – e fazem do inimigo um monstro mais horrível que nunca, que mata sobretudo por prazer ou vício.
No Kosovo, "houve evidentemente, na Primavera de 1999, assassínios, pilhagens, torturas e incêndios de casas albanesas, mas "esquece-se" de salientar com a mesma acuidade as mesmas atrocidades cometidas a partir do Verão sobre sérvios, bósnios, ciganos e outras pessoas não albanesas [21] . O seu êxodo será mantido sob silêncio ao passo que as imagens de refugiados albaneses do Kosovo e sua acolhida no estrangeiro haviam sido objecto de emissões completas na televisão. É que este quinto princípio da propaganda de guerra quer que só o inimigo cometa atrocidades, o nosso campo não pode senão cometer "erros". A propaganda da NATO popularizará, na guerra contra a Jugoslávia, a expressão "danos colaterais" e apresentará como tais os bombardeamentos de populações civis e de hospitais, que teriam feito, conforme as fontes, entre 1200 e 5000 vítimas. "Erro" portanto o bombardeamento da embaixada chinesa [22] , de um comboio de refugiados albaneses, ou de um comboio a passar sobre uma ponte. Já o inimigo, não comete erros, comete o mal conscientemente". [23]
Para concluir, uma citação de Jean-Claude Guillebaud:
"Tornámo-nos, nós jornalistas, uma espécie de mercadores do horror e esperava-se dos nossos artigos que comovessem, raramente que explicassem".
6) O inimigo utiliza armas não autorizadas
Este princípio é corolário do anterior.
"Não só não cometemos atrocidades como fazemos a guerra de maneira cavalheiresca, respeitando – como se se tratasse de um jogo, certamente duro mas viril! – as regras". [24]
Assim, já durante a Primeira Guerra Mundial, a polémica proliferava quanto à utilização dos gases asfixiantes. Cada campo acusava o outro por começar a utilizá-los [25] . Se bem que os dois campos houvessem utilizado o gás e que houvessem efectuado todas as investigações neste domínio, esta arma era o reflexo simbólico da guerra "desumana". Convém assim atribuí-la ao inimigo. É de alguma forma a arma "desonesta", a arma enganosa.
7) Sofremos muito poucas perdas, as perdas do inimigo são enormes
"Com raras excepções, os seres humanos geralmente preferem aderir a causas vitoriosas. Em casos de guerra a adesão da opinião pública depende portanto dos resultados aparentes do conflito. Se os resultados não forem bons, a propaganda deverá ocultar as nossas perdas e exagerar as do inimigo". [26]
Já na Primeira Guerra Mundial, um mês após o começo das operações, as perdas elevavam-se a 313 mil mortos. Mas o estado-maior francês jamais confessou a perda de um cavalo e não publicava a lista nominativa dos mortos. [27]
Ultimamente, a guerra no Iraque fornece um exemplo do mesmo género, em que se proibiu a publicação das fotos dos caixões de soldados americanos na imprensa. As perdas do inimigo, em contrapartida, são enormes, o seu exército não resiste. "Nos dois campos estas informações fazem subir a moral das tropas e persuadem a opinião pública da utilidade do conflito". [28]
8) Os artistas e intelectuais apoiam nossa causa
Aquando da Primeira Guerra Mundial, salvo raras excepções, os intelectuais apoiaram maciçamente o seu próprio campo. Cada beligerante podia em grande medida contar com o apoio dos pintores, poetas, músicos que apoiavam, por iniciativas no seu domínio, a causa do seu país. [29]
Os caricaturistas são amplamente utilizados, para justificar a guerra e pintar o "carniceiro" e suas atrocidades, ao passo que outros artistas vão trabalhar, com a câmara no punho, para produzir documentos edificantes sobre os refugiados, sempre cuidadosamente tomados nas fileiras albanesas e escolhidos os mais realísticos possíveis em relação ao público ao qual se dirigem, como esta bela criança loura com olhar nostálgico, destinada a evocar as vítimas albanesas.
Podem-se ver assim os "manifestos" a desenvolverem-se por toda a parte. O manifesto dos cem, para apoiar a França durante a Primeira Guerra Mundial (André Gide, Claude Monet, Claude Debussy, Paul Claudel). Mais recentemente, o "manifesto dos 12" contra o "novo totalitarismo" [30] que é o islamismo. Estes "colectivos" de intelectuais, artistas e homens notáveis põem-se portanto a legitimar a acção do poder político instalado.
9) Nossa causa tem um carácter sagrado
Este critério pode ser tomado nos dois sentidos, quer literal, quer geral. No sentido literal, a guerra apresenta-se como uma cruzada, portanto a vontade é divina. Não se pode subtrair à vontade de Deus, mas apenas cumpri-la. Este discurso retomou grande importância desde a chegada de George Bush filho ao poder e, com ele, toda uma série de ultra-conservadores integristas. Assim, a guerra no Iraque manifesta-se como uma cruzada contra "o Eixo do Mal", uma luta do "bem" contra o "mal". Era nosso dever "dar" a democracia ao Iraque, a democracia sendo um dom saído directamente da vontade divina. Assim, fazer a guerra é realizar a vontade divina. Escolhas políticas tomar um carácter bíblico que apaga toda realidade social e económica. As referências a Deus sempre foram numerosas (In God We Trust, God Save the Queen, Gott mit Uns, …) e servem para legitimar sem rodeios as acções do soberano.
10) Aqueles (e aquelas) que põem em dúvida a nossa propaganda são traidores
Este último princípio é o corolário de todos anteriores. Toda pessoa que ponha em dúvida um único dos princípios enunciados acima é forçosamente um colaborador do inimigo. Assim, a visão mediática limita-se aos dois campos citados acima. O campo do bem, da vontade divina, e o do mal, dos ditadores. Assim, é-se "por ou contra" o mal. Neste sentido, os oponentes à guerra do Kosovo viram-se tratar no L'Évènement de 29 de Abril a 5 de Maio de 1999 como "cúmplices de Milosevic". O semanário chega mesmo a sistematizar várias "famílias". Encontra-se assim a família "anti-americana" com Pierre Bourdieu, Régis Debray, Serge Halimi, Noam Chomsky ou Harold Pinter. A família "pacifista integrista" com Gisèle Halimi, Renaud, o abade Pierre… e seus órgãos respectivos, o Monde diplomatique, o PCF.
Torna-se portanto impossível fazer surgir uma opinião dissidente sem sofrer um linchamento mediático. O pluralismo das opiniões já não existe, é reduzido a nada, toda oposição ao governo é reduzida ao silêncio e ao descrédito por argumentos fraudulentos.
Esta mesma argumentação foi novamente aplicada aquando da guerra no Iraque. Como a opinião pública internacional estava mais dividida, isso é menos ressentido. Mas estar contra a guerra é estar a favor de Saddam Hussein... O mesmo esquema foi aplicado num contexto muito diferente, que era o referendo sobre a constituição europeia: "ser contra a constituição é ser contra a Europa!".
Notas e referências
"Eu não tentaria sondar a pureza das intenções de uns ou outros. Não procuro saber aqui quem mente e quem diz a verdade, quem está de boa fé e quem não está. Meu único propósito é ilustrar os princípios de propaganda, utilizados unanimemente, e descrever os mecanismos". [1]
Entretanto, é inegável que desde as últimas guerra que marcaram nossa época (Kosovo, guerras do Golfo, Afeganistão, Iraque) as chamadas democracias ocidentais e os media são postos em causa.
Anne Morelli reactualiza, graças a este pequeno manual do cidadão crítico, formas invariáveis para conteúdos diversos. A propaganda é exercida sempre através das mesmas invariantes qualquer que seja a guerra, daí a grande pertinência da grelha proposta. Parece igualmente essencial nesta introdução citar Lord Ponsonby , a quem Anne Morelli agradece desde as primeiras páginas da sua obra. Com efeito, Ponsonby contribuiu amplamente para a elaboração dos princípios. Lord Ponsonby era um trabalhista inglês que se opôs radicalmente à guerra. Já durante a Primeira Guerra Mundial notabilizou-se por diversos panfletos e acabou por escrever um livro sobre estes mecanismos de propaganda. Livro esse que Anne Morelli retoma, reactualiza e sistematiza em dez princípios elementares.
1) Nós não queremos a guerra
"Arthur Ponsonby já havia notado que os homens de Estado de todos os países, antes de declararem a guerra ou no momento mesmo desta declaração, sempre asseguravam solenemente como preliminar que não queriam a guerra". [2]
A guerra nunca é desejada, apenas raramente é vista como positiva pela população. Como o advento das nossas democracias, o consentimento da população torna-se essencial, não é possível querer a guerra e ter uma alma de pacifista. Ao contrário da Idade Média, onde a opinião da população tinha pouca importância e a questão social não era significativa.
"Assim, o governo francês já mobiliza tudo proclamando que a mobilização não é a guerra mas, ao contrário, o melhor meio de assegurar a paz". [3]
"Se todos os chefes de Estado e de governo são animados de semelhantes vontades de paz, pode-se evidentemente perguntar-se inocentemente porque por vezes (e mesmo frequentemente), estouram guerra mesmo assim? [4] Mas o segundo princípio responde a esta pergunta.
2) O campo adversário é o único responsável pela guerra
Este segundo princípio decorre do facto de que cada campo assegura ter sido constrangido a declarar a guerra para impedir o outro de destruir os nossos valores, por em perigo nossas liberdades, ou mesmo destruir-nos totalmente. Trata-se portanto da aporia de uma guerra para por fim às guerras. [5] Chega-se quase à frase mítica de George Orwell: "War is Peace".
Assim, os Estados Unidos foram "constrangidos" a fazer a guerra contra o Iraque que não lhes deixou outra opção. Portanto não fazemos senão "reagir", defender-nos das provocações do inimigo que é inteiramente responsável pela guerra que vem aí.
"Assim, já Daladier, no seu "apelo à nação" – contornando as responsabilidades francesas na situação criada pelo Tratado de Versalhes – assegura em 3 de Setembro de 1939: a Alemanha já havia recusado a todos os homens sensíveis cuja voz se havia elevado nestes últimos tempos em favor da paz do mundo. [...] Nós fazemos a guerra porque ela nos foi imposta". [6]
Ribbentrop justifica a guerra contra a Polónia nestes termos:
"O Führer não quer a guerra. Ele não se resolverá por ela senão a contragosto. Mas não é dele que depende a decisão em favor da guerra ou da paz. Ela depende da Polónia. Acerca de certas questões de um interesse vital para o Reich, a Polónia deve ceder e actuar correctamente em relação a reivindicações às quais não podemos renunciar. Se ela se recusar, é sobre ela que recairá a responsabilidade de um conflito, e não sobre a Alemanha". [7]
Pode-se igualmente ler, aquando da Guerra do Golfo, em Le Soir de 9 de Janeiro de 1991:
"A paz, que todo o mundo deseja acima de tudo, não pode ser construída sobre simples concessão a um acto de pirataria. (...) Estando o fardo essencialmente, é preciso dizer, no campo do Iraque". [8]
Idem para a guerra no Iraque, mesmo antes de a guerra começar, Le Parisien titulava em 12 de Setembro de 2002: "Como Saddam se prepara para a guerra".
3) O chefe do campo adversário tem a cara do diabo (ou "o odioso de serviço")
"Não se pode odiar um grupo humano no seu conjunto, mesm apresentado como inimigo. Portanto é mais eficaz concentrar este ódio do inimigo sobre o líder adversário. O inimigo terá assim um rosto e este rosto será obviamente odioso". [9]
"O vencedor apresentar-se-á sempre (ver Bush e Blair recentemente) como um pacifista desejoso de conciliação mas levado à guerra pelo campo adversário. Este campo adversário é certamente dirigido por um louco, um monstro (Milosevic, Ben Laden, Saddam Hussein, ...) que nos desafia e de que convém livrar a humanidade". [10]
A primeira operação de uma campanha de demonização consiste pois em reduzir um país a um único homem. Em fazer portanto como se ninguém vivesse no Iraque, que unicamente Saddam Hussein, sua "temível" guarda republicana e suas "terríveis" armas de destruição maciça vivessem ali. [11]
Personalizar o conflito é muito típico de uma certa concepção da história, que seria feita por "heróis", a obra das grandes personagens. [12] Concepção da história que Anne Morelli recusa ao escrever incansavelmente sobre os "abandonados" da história legítima. Esta visão é particularmente idealista e metafísica, uma visão em que a história é o fruto das ideias dos seus "grandes" homens. A esta concepção da história opõe-se uma concepção dialéctica e materialista que define a história em termos de relações e de movimentos sociais.
Assim ao adversário são atribuídos todos os males possíveis. Isso vai desde o seu físico aos seus costumes sexuais. Assim, Le Vif-L'Express de 2-8 de Abril de 1999 apresenta "O horripilante Milosevic". " Le Vif-L'Express não cita nenhum discurso, nenhum escrito, do "mestre de Belgrado" mas em contrapartida destaca seus saltos de humor anormais, suas explosões de cólera, doentias e brutais: Quando estava encolerizado, seu rosto se torcia. Depois, instantaneamente, recuperava o seu sangue-frio". [13] Este tipo de demonização não é utilizado unicamente pela propaganda de guerra (como todos os outros princípios, igualmente).
Assim, Pierre Bourdieu constatava que, nos Estados Unidos, numerosos professores universitários, exasperados com a popularidade de Michel Foucault entre os seus colegas, escreviam bom número de livros sobre a vida íntima do autor. Assim, Michel Foucault, "o homossexual masoquista e louco" tinha prática "contra natura", "escandalosas" e "inaceitáveis". Com este expediente, já não há necessidade de debater o pensamento do autor ou os discursos de um homem político, mas sim de refutá-lo com base em julgamentos morais às ditas práticas do indivíduo.
4) Defendemos uma causa nobre e não interesses particulares
Os objectivos económicos e geopolíticos da guerra devem ser mascarados sob um ideia, valores moralmente justos e legítimos. Assim já se podia ouvir George Bush pai declarar:
"Há pessoa que não compreendem nunca. O combate não se refere a petróleo, o combate refere-se a uma agressão brutal". [14]
ou Le Monde de 22 de Janeiro de 1991: "Os objectivos de guerra americanos e franceses são em primeiro lugar os objectivos do Conselho de Segurança. Estamos lá devido a decisões tomadas pelo Conselho de Segurança e o objectivo essencial é a libertação do Kuwait". [15]
De facto, nas nossas sociedades modernas, ao contrário da de Luís XIV, uma guerra não se pode realizar senão com um certo consentimento da população. Gramsci já havia mostrado até que ponto a hegemonia cultural e o consentimento são indispensáveis ao poder. Este consentimento será facilmente adquirido se a população pensar que desta guerra depende sua liberdade, sua vida, sua honra. [16]
Os objectivos da Primeira Guerra Mundial, por exemplo, resumem-se a três pontos:
"- esmagar o militarismo
- defender as pequenas nações
- preparar o mundo para a democracia.
Este objectivos, muito honrosos, são desde então recopiados quase textualmente na véspera de cada conflito, mesmo que não se enquadrem senão muito pouco ou absolutamente nada com os seus objectivos reais". [17]
"É preciso persuadir a opinião pública que nós – ao contrário dos nossos inimigos – fazemos a guerra por motivos infinitamente honrosos". [18]
"Na guerra da NATO contra a Jugoslávia encontra-se o mesmo afastamento entre objectivos oficiais e inconfessados do conflito. Oficialmente a NATO intervém para preservar o carácter multi-étnico do Kosovo, para impedir que minorias sejam ali maltratadas, para ali impor a democracia e para acabar com o ditador. Trata-se de defender a causa sagrada dos direitos humanos. Bem antes do fim da guerra, foi possível constatar que nenhum destes objectivos foi atingido, que se está nomeadamente longe de uma sociedade multi-étnica e que as violências contra as minorias – sérvios e ciganos desta vez – são quotidianas, mas ainda perceber que os objectivos económicos e geopolíticos da guerra, de que nunca se havia falado, foram – eles sim – atingidos". [19]
Este princípio implica o seu corolário: o inimigo é um monstro sanguinário que representa a sociedade da barbárie.
5) O inimigo provoca atrocidades conscientemente mas se nós cometemos sujeiras isso é involuntário
Os relatos das atrocidades cometidas pelo inimigo constituem um elemento essencial da propaganda de guerra. Isso evidentemente não quer dizer que não haja atrocidades durante as guerras. Muito pelo contrário, os assassinatos, os roubos a mão armada, os incêndios, a pilhagens e as violações parecem – infelizmente – recorrentes na história das guerras. Mas faz-se crer que só o inimigo comete tais atrocidades e que o nosso exército é amado pela população, que é um exército "humanitário".
Mas a propaganda de guerra raramente detém-se aí. Não contente com violações e pilhagens reais, é preciso muitas vezes criar atrocidades "desumanas" para encarnar no inimigo o alter-ego de Hitler (Hitlerosevic, ...). Podemos assim por lado a lado várias passagens referentes a guerras diferentes sem nelas encontrar grandes diferenças.
Durante a Primeira Guerra Mundial, Ponsonby relata esta história:
"Trinta ou trinta e cinco soldados alemães entraram na casa de David Tordens, carroceiro em Sempst (hoje Zempst). Eles ataram o homem e depois cinco ou seis deles lançaram-se sob os seus olhos sobre a filha de treze anos e lhe fizeram violência, a seguir trespassaram-na com suas baionetas. Depois desta acção horrível furaram com golpes de baionetas seu filho de nove anos e fuzilaram sua mulher".
Não se esquecerá tão pouco o episódio das crianças com mãos cortadas, que parece mais um rumor infundado do que um facto histórico. [20]
Na Guerra do Golfo em Le Monde de 3 de Março de 1990: "Se eles nada provam quanto ao número, os corpos mutilados da morgue do hospital Moubarak advogam a certeza da crueldade dos sete meses de ocupação iraquiana. Olhos arrancados, gargantas cortadas, cabeças esmagadas, crânios cortados cujo cérebro escapa, corpos meio carbonizados, queimaduras de cigarros..."
Sem esquecer igualmente o episódio das incubadoras roubadas e dos bebés mortos atrozmente... Que revelaram ser uma mistificação.
Quanto ao Afeganistão, no Herald Tribune de 7 de Agosto de 1999: "Alguns foram mortos nas ruas. Muitos foram executados nas suas casas, após bloqueio e busca das zonas reputadas por serem habitadas na maioria por certos grupos étnicos. Alguns foram escaldados até à morte ou asfixiados em contentores metálicos selados, colocados em pleno sol. Num hospital pelo menos, 30 pacientes foram mortos a bala na sua cama. Os corpos das vítimas foram abandonados nas ruas ou nas casas, para intimidar o resto dos habitantes. Testemunhas em pânico puderam ver cães a competirem pelos restos dos cadáveres, mas foi-lhes imposta por megafone ou por rádio que não os tocassem e não os enterrassem".
Os talibãs, aqui responsáveis de atrocidades, na maior parte não puderam ser presos, e nenhuma notícia de Ben Laden...
Na guerra do Iraque, as histórias foram, mais uma vez, semelhante – e as mentiras sobre armas de destruição maciça também. Pode-se portanto extrair facilmente certas tendências nestas histórias. Trata-se antes de tudo de tocar a corda "sentimental" do leitor. Para isso é preciso, antes de tudo, "boas histórias" e se não forem encontradas são inventadas. Os pormenores "crispantes" totalmente inúteis à vista das consequências reais das guerras do ponto de vista humano são contudo moeda corrente nestas histórias – e fazem do inimigo um monstro mais horrível que nunca, que mata sobretudo por prazer ou vício.
No Kosovo, "houve evidentemente, na Primavera de 1999, assassínios, pilhagens, torturas e incêndios de casas albanesas, mas "esquece-se" de salientar com a mesma acuidade as mesmas atrocidades cometidas a partir do Verão sobre sérvios, bósnios, ciganos e outras pessoas não albanesas [21] . O seu êxodo será mantido sob silêncio ao passo que as imagens de refugiados albaneses do Kosovo e sua acolhida no estrangeiro haviam sido objecto de emissões completas na televisão. É que este quinto princípio da propaganda de guerra quer que só o inimigo cometa atrocidades, o nosso campo não pode senão cometer "erros". A propaganda da NATO popularizará, na guerra contra a Jugoslávia, a expressão "danos colaterais" e apresentará como tais os bombardeamentos de populações civis e de hospitais, que teriam feito, conforme as fontes, entre 1200 e 5000 vítimas. "Erro" portanto o bombardeamento da embaixada chinesa [22] , de um comboio de refugiados albaneses, ou de um comboio a passar sobre uma ponte. Já o inimigo, não comete erros, comete o mal conscientemente". [23]
Para concluir, uma citação de Jean-Claude Guillebaud:
"Tornámo-nos, nós jornalistas, uma espécie de mercadores do horror e esperava-se dos nossos artigos que comovessem, raramente que explicassem".
6) O inimigo utiliza armas não autorizadas
Este princípio é corolário do anterior.
"Não só não cometemos atrocidades como fazemos a guerra de maneira cavalheiresca, respeitando – como se se tratasse de um jogo, certamente duro mas viril! – as regras". [24]
Assim, já durante a Primeira Guerra Mundial, a polémica proliferava quanto à utilização dos gases asfixiantes. Cada campo acusava o outro por começar a utilizá-los [25] . Se bem que os dois campos houvessem utilizado o gás e que houvessem efectuado todas as investigações neste domínio, esta arma era o reflexo simbólico da guerra "desumana". Convém assim atribuí-la ao inimigo. É de alguma forma a arma "desonesta", a arma enganosa.
7) Sofremos muito poucas perdas, as perdas do inimigo são enormes
"Com raras excepções, os seres humanos geralmente preferem aderir a causas vitoriosas. Em casos de guerra a adesão da opinião pública depende portanto dos resultados aparentes do conflito. Se os resultados não forem bons, a propaganda deverá ocultar as nossas perdas e exagerar as do inimigo". [26]
Já na Primeira Guerra Mundial, um mês após o começo das operações, as perdas elevavam-se a 313 mil mortos. Mas o estado-maior francês jamais confessou a perda de um cavalo e não publicava a lista nominativa dos mortos. [27]
Ultimamente, a guerra no Iraque fornece um exemplo do mesmo género, em que se proibiu a publicação das fotos dos caixões de soldados americanos na imprensa. As perdas do inimigo, em contrapartida, são enormes, o seu exército não resiste. "Nos dois campos estas informações fazem subir a moral das tropas e persuadem a opinião pública da utilidade do conflito". [28]
8) Os artistas e intelectuais apoiam nossa causa
Aquando da Primeira Guerra Mundial, salvo raras excepções, os intelectuais apoiaram maciçamente o seu próprio campo. Cada beligerante podia em grande medida contar com o apoio dos pintores, poetas, músicos que apoiavam, por iniciativas no seu domínio, a causa do seu país. [29]
Os caricaturistas são amplamente utilizados, para justificar a guerra e pintar o "carniceiro" e suas atrocidades, ao passo que outros artistas vão trabalhar, com a câmara no punho, para produzir documentos edificantes sobre os refugiados, sempre cuidadosamente tomados nas fileiras albanesas e escolhidos os mais realísticos possíveis em relação ao público ao qual se dirigem, como esta bela criança loura com olhar nostálgico, destinada a evocar as vítimas albanesas.
Podem-se ver assim os "manifestos" a desenvolverem-se por toda a parte. O manifesto dos cem, para apoiar a França durante a Primeira Guerra Mundial (André Gide, Claude Monet, Claude Debussy, Paul Claudel). Mais recentemente, o "manifesto dos 12" contra o "novo totalitarismo" [30] que é o islamismo. Estes "colectivos" de intelectuais, artistas e homens notáveis põem-se portanto a legitimar a acção do poder político instalado.
9) Nossa causa tem um carácter sagrado
Este critério pode ser tomado nos dois sentidos, quer literal, quer geral. No sentido literal, a guerra apresenta-se como uma cruzada, portanto a vontade é divina. Não se pode subtrair à vontade de Deus, mas apenas cumpri-la. Este discurso retomou grande importância desde a chegada de George Bush filho ao poder e, com ele, toda uma série de ultra-conservadores integristas. Assim, a guerra no Iraque manifesta-se como uma cruzada contra "o Eixo do Mal", uma luta do "bem" contra o "mal". Era nosso dever "dar" a democracia ao Iraque, a democracia sendo um dom saído directamente da vontade divina. Assim, fazer a guerra é realizar a vontade divina. Escolhas políticas tomar um carácter bíblico que apaga toda realidade social e económica. As referências a Deus sempre foram numerosas (In God We Trust, God Save the Queen, Gott mit Uns, …) e servem para legitimar sem rodeios as acções do soberano.
10) Aqueles (e aquelas) que põem em dúvida a nossa propaganda são traidores
Este último princípio é o corolário de todos anteriores. Toda pessoa que ponha em dúvida um único dos princípios enunciados acima é forçosamente um colaborador do inimigo. Assim, a visão mediática limita-se aos dois campos citados acima. O campo do bem, da vontade divina, e o do mal, dos ditadores. Assim, é-se "por ou contra" o mal. Neste sentido, os oponentes à guerra do Kosovo viram-se tratar no L'Évènement de 29 de Abril a 5 de Maio de 1999 como "cúmplices de Milosevic". O semanário chega mesmo a sistematizar várias "famílias". Encontra-se assim a família "anti-americana" com Pierre Bourdieu, Régis Debray, Serge Halimi, Noam Chomsky ou Harold Pinter. A família "pacifista integrista" com Gisèle Halimi, Renaud, o abade Pierre… e seus órgãos respectivos, o Monde diplomatique, o PCF.
Torna-se portanto impossível fazer surgir uma opinião dissidente sem sofrer um linchamento mediático. O pluralismo das opiniões já não existe, é reduzido a nada, toda oposição ao governo é reduzida ao silêncio e ao descrédito por argumentos fraudulentos.
Esta mesma argumentação foi novamente aplicada aquando da guerra no Iraque. Como a opinião pública internacional estava mais dividida, isso é menos ressentido. Mas estar contra a guerra é estar a favor de Saddam Hussein... O mesmo esquema foi aplicado num contexto muito diferente, que era o referendo sobre a constituição europeia: "ser contra a constituição é ser contra a Europa!".
1. Morelli, Anne, "Principes élémentaires de propagande de guerre", Bruxelles, Aden, 2010
2. Ibid, p. 7.
3. Ibidem
4. Ibid, p. 10
5. Ibid, p. 11.
6. Ibid, p. 14.
7. Ibid, p. 16.
8. Collon, Michel, "attention médias!", Bruxelles, éditions EPO, 1992, p. 34.
9. Morelli, Anne, op. cit., p. 21.
10. Morelli, Anne, "L'histoire selon les vainqueurs, l'histoire selon les vaincus", 8 décembre 2003 in : http://www.brusselstribunal.org/8de...;;[archive].
11. Collon, Michel, op. cit., p. 60.
12. Ibidem.
13. Morelli, Anne, op. cit., p. 25.
14. Collon, Michel, op. cit., p. 32.
15. Ibidem.
16. Morelli, Anne, op. cit., p. 27.
17. Ibid, p. 28.
18. Ibid, p. 28.
19. Ibid, p. 34.
20. A criança com mãos cortadas [arquivo] 1914, nova guerra entre os dois países. Contava-se com insistência, do lado francês, que os soldados alemães eram brutos ignóbeis que cortavam as mãos das crianças.
21. Sérvia: Após o fracasso das negociações sobre o Kosovo, a palavra esta com a ONU [arquivo] O Kosovo, considerado por Belgrado como o berço da sua cultura e da sua religião, conta 5% dos sérvios após o êxodo de mais de 200 mil deles.
22. Revelação: a NATO bombardeou voluntariamente a embaixada da China em Belgrado [arquivo] Segundo um inquérito do semanário britânico The Observer, efectuado com o jornal dinamarquês Politike, a NATO teria bombardeado conscientemente a embaixada chinesa de Belgrado em 7 de Maio último (ver também nosso artigo de 10/05/99). Responsáveis militares e das informações teriam declarado que a embaixada chinesa abrigava um sistema de retransmissão das emissões do exército juguslavo. De repente, ela teria sido eliminada da lista dos "alvos interditos" e bombardeada.
23. Ibid, pp. 37-47.
24. Ibid, p. 48.
25. Ibid, p. 49.
26. Ibid, p. 54.
27. Ibidem.
28. Ibid, p. 56.
29. Morelli, Anne, "les 10 commandements de Ponsonby", sur le site de Zaléa TV : [1] [archive].
30. Sua utilização para com o terrorismo por Jack Straw parece imprópria. O "terrorismo" em geral não pode ser considerado como um "totalitarismo" no sentido original do termo. Ele não preenche os critérios necessários. A utilização do conceito requer uma análise aprofundada da sociedade ou da estrutura do grupo estudado, é preciso destacar as categorias essenciais e os processos de des-diferenciação próprios do totalitarismo. Contudo, não parece que Jack Straw tenha realizado uma tal análise para poder dar uma verdadeira base teórica à sua asserção. A utilização do termo neste caso tem um fim político ou de propaganda de guerra.
20/Março/2011
O original encontra-se em
http://www.michelcollon.info/Principes-elementaires-de.html?lang=fr
Este artigo encontra-se em http://resistir.info/