Brasileiros – Como o senhor está vendo o Brasil? De repente, o índice de popularidade da presidenta Dilma Rousseff despencou.
Luiz Inácio Lula da Silva – Não é a presidenta. O terremoto que
aconteceu no País pegou tudo. Pegou desde a imprensa, que estava
perplexa e depois virou apoiadora do movimento, até o Congresso
Nacional. Pegou todo mundo, os políticos, os prefeitos, como se fosse um
vulcão em erupção. Quem estava ali na frente foi se queimando. Como
temos de encarar isso? Primeiro, é inegável a evolução que aconteceu no
Brasil nos últimos dez anos. Teve crescimento do emprego, do salário e
do PIB, além de controle da inflação. Durante dez anos seguidos, o
salário mínimo aumentou. Durante dez anos seguidos, as pessoas tiveram
mais crédito, viraram consumidoras. Na campanha, Fernando Haddad dizia
uma frase que eu achei genial.
Brasileiros – Qual?
Lula – Ele falava “da porta para dentro de suas casas as coisas
melhoraram. Da porta para fora, as coisas não melhoraram”. É lógico que o
povo tem razão de reclamar do transporte. E não é pelo preço não. É
pela qualidade do transporte. Basta pegar um ônibus para sentir o
problema. O metrô era chique em São Paulo, quando andava meio vazio.
Agora, que entra três vezes mais gente do que cabe no vagão, acabou. À
medida que a sociedade evolui, ela quer mais, exige mais. Então, nada de
ficar nervoso ou irritado porque os movimentos estão acontecendo. Vamos
agradecer que a sociedade está viva, querendo coisas. As pessoas podem
querer mais ou querer menos, podem até querer exageros, mas isso é
positivo.
Brasileiros – Como?
Lula – É bom para que se faça uma nova consertação no País, para
que se façam novos acordos. As pessoas criticam a Copa do Mundo… Eu fico
muito feliz que a Copa do Mundo venha para o Brasil. Fiquei felicíssimo
com a vitória do Brasil contra a Espanha. Se as pessoas entendem que
tem custo a mais, vamos explicar para as pessoas se não tem, se tem a
mais ou a menos. Quem é responsável por fazer os estádios tem de
explicar. Manda os empresários se explicarem, os governadores se
explicarem por que custou 100, 200 ou 300. O governo federal está muito à
vontade porque não tem dinheiro para estádio. Tem financiamento do
BNDES, como qualquer outro financiamento. Quem toma o empréstimo tem de
dar garantia e tem de pagar. O governo tem investimento para obra de
infraestrutura, que é outra coisa. Precisa ser feito. Como diz o Andrés
Sanchez, do Corinthians, o estádio é do Corinthians, não é da Copa. Se a
Copa quiser utilizar, tudo bem. E, no caso das obras públicas, elas têm
de ser feitas. No Brasil, todos nós sabemos que faltam coisas. Não
precisa nem fazer manifestação. É só acompanhar as pesquisas de opinião
pública. E todo mês os políticos têm pesquisa. Todo santo dia tem
pesquisa mostrando o que está bom e o que não está bom na percepção do
povo. Nisso não há nenhuma novidade. A novidade é que o povo resolveu
dizer “olha, nós existimos”.
Brasileiros – Em discurso para líderes políticos e comunitários
no Centro de Convenções da União Africana, o senhor considerou os
protestos saudáveis para o País.
Lula – Considero saudável, primeiro, porque o povo está fazendo
uma manifestação pacífica. Nas greves do passado, mesmo quando a gente
pedia para os trabalhadores “olha, não queremos que vocês estourem pneus
de ônibus”, sempre aparecia um engraçadinho para quebrar o vidro de um
ônibus. Sempre aparecia um engraçadinho com um alicate para tirar a
válvula e esvaziar o pneu. Eu dizia “não peçam para fazer piquete que eu
não vou fazer”. Eles faziam e depredavam. É sempre assim. Separando
isso, as manifestações são legítimas e devem ser encaradas como normais.
Aliás, a Dilma tem tido um comportamento muito digno com relação a
isso. Mas o mundo não sabe que a polícia é estadual, não é federal. No
Brasil, você tem a educação básica, que é municipal e estadual. Há uma
mistura. O mundo não sabe disso. Em dez anos, conseguimos mais do que
dobrar o número de jovens na universidade. Em dez anos, nós fizemos mais
do que foi feito desde 1920, quando foi criada a primeira universidade
no Brasil. O ProUni foi uma revolução no ensino brasileiro. Colocou para
estudar um milhão e 300 mil pessoas que não teriam condições de entrar
para a faculdade se não fosse o programa.
Brasileiros – Ainda há muitas demandas.
Lula – As pessoas querem mais mesmo. É normal. Isso é até dentro
da casa da gente. E, depois, tem também o jeito moderno de fazer
política. Hoje, eu não preciso ir num comício. Não preciso ouvir um
carro de som. Hoje, monta-se uma rede. O que o governo precisa fazer?
Tem de se atualizar, ter política de informação por meio de rede também.
É um debate cotidiano. Os partidos, os sindicatos têm de se modernizar.
Tenho feito reunião com muita gente. Um pouco com a preocupação de
compreender, mas também sem precisar compreender. Quando acontece um
negócio desses, fica todo mundo querendo adivinhar o que está por trás.
Eu me lembro que na greve de 1978 na Scania também havia a curiosidade
de saber quem estava por trás … Eu nunca tinha ouvido falar no Almino
Affonso (político que tinha chegado do exílio dois anos antes). Aí,
diziam: “É o Almino Affonso que está fazendo a greve”.
Brasileiros – Desta vez o senhor ouviu o quê?
Lula – Ouvi gente chamar de fascista, de não sei das quantas.
Vamos supor que nas manifestações tenha um cara de direita, outro de
extrema esquerda, mas tem muita gente do povo, que está ali porque
entende que também pode gritar.
Brasileiros – E o senhor também está tentando entender as novas mídias, não é verdade?
Lula – Mais do que entender, nós temos de nos preocupar e nos
modernizar. O jeito de fazer política está mudando no mundo. Não é no
Brasil. É no mundo. Hoje, as pessoas se comunicam sem pedir licença.
Antigamente, na porta de uma empresa, eu tinha de conversar com o
segurança para ver se deixavam entrar o carro de som. Hoje, milhares de
jovens se comunicam, sentados no sofá (Lula começa a tamborilar na mesa o
som de teclas), comendo batatinha. É um negócio fantástico. Onde isso
vai parar no mundo eu não sei. O fato concreto é que a comunicação
mudou. E nós temos de evoluir. De qualquer forma, sempre que a sociedade
alerta é muito importante prestar atenção. A Dilma agiu rapidamente. No
Brasil, o problema do transporte é crônico. Não é um problema de hoje.
Brasileiros – O que mudou?
Lula – A juventude tem outra linguagem hoje. Eu fui conversar com
o companheiro Capilé (o produtor cultural Pablo Capilé, do Casa Fora do
Eixo). Depois de meia hora de conversa, falei para o Capilé: “Vou ter
de arrumar um tradutor para conversar com você”. A linguagem é nova, mas
não temos de reclamar. Temos de trabalhar nesse mesmo campo. Estamos
fazendo isso dentro do instituto (Instituto Lula). Como é que um partido
do tamanho do PT não tem estrutura para conversar com essa meninada em
tempo real? Não dá para conversar com essa juventude pelos jornais,
pelas vias tradicionais. Tudo isso acabou. Eu vejo lá em casa. Meus
filhos não veem televisão, não leem jornal. Eles passam o dia na
internet. Tenho um neto de 16 anos que passa o dia conectado. Então, a
palavra de ordem agora é: “Vamos nos conectar! Vou me conectar!”.
Brasileiros – Corrupção e reforma política.
Lula – Não sei se haverá grandes mudanças se a reforma política
for feita pelos mesmos que hoje estão no Congresso. Quando eu estava na
Presidência, cheguei a discutir com a minha equipe política sobre uma
Constituinte soberana. Uma Constituinte só para fazer a reforma
política. Mas não se consegue passar isso no Congresso. Muita gente
prefere que fique do jeito que está. É preciso conhecer as perguntas que
serão feitas no plebiscito para saber o que mudará de concreto. De
qualquer forma, só o debate já é importante. O problema da corrupção
também é crônico. Quanto mais se combater, mais ela vai aparecer. E tem
duas formas de combater a corrupção.
Brasileiros – Quais?
Lula – Uma delas é alguém denunciar e você ir atrás do
denunciado. Outra é ter mecanismos de investigação. Eu me sinto muito à
vontade. Posso dizer que nunca antes na história do País um presidente
criou tantos mecanismos para investigar como nós criamos. Nenhum país do
mundo tem a transparência que o Brasil tem hoje. Se quiserem acompanhar
os gastos do governo, as pessoas podem fazer isso pela internet.
Brasileiros – Como?
Lula – É só entrar no site do Ministério do Planejamento. Com a
Lei da Transparência, as pessoas acompanham tudo o que quiserem. Em
2003, quando eu cheguei à Presidência, a Controladoria Geral da União
era uma peça de ficção. Depois, virou um órgão de investigação. Grande
parte das denúncias surge de nossa própria Controladoria. A Polícia
Federal foi equipada e preparada para investigar. Ou se faz isso ou
joga-se para baixo do tapete. Quando estava na Presidência, cansei de
dizer: “Só tem um jeito de as pessoas não serem denunciadas. É serem
decentes, honestas”. Se a pessoa roubar, um dia será descoberta. Quanto
mais transparência houver, quanto mais debate a gente fizer, mais será
importante. Às vezes, é cansativo. Às vezes, é desagradável. Não tem
problema nenhum. O importante é que a gente está a caminho de construir
uma nação muito forte democraticamente e mais consciente politicamente.
Eu vejo muito os jovens. Muitas vezes, percebo que falta uma coordenação
política melhor. Cansei de fazer discurso nesses últimos dez anos. Foi
um ministro do Trabalho da direita, o Júlio Barata que disse: “O
trabalhador que está satisfeito com o que tem, não merece o que tem”. Em
minhas palestras, cansei de me dirigir ao jovem que protesta muito, que
radicaliza muito. Na hora que o jovem estiver desanimado, na hora que
ele achar que não tem nenhum político que preste no mundo, na hora que
ele achar que todo mundo é ladrão, em vez de ficar desanimado, ele tem
de entrar na política. O político perfeito que ele quer pode estar
dentro dele.
Brasileiros – O senhor se enxerga nesses jovens?
Lula – Eu não sou mais jovem. Eu já me enxerguei nesse processo.
Por isso, criei um partido político. Em 1978, quando o Geisel (o
ex-presidente Ernesto Geisel) mandou para o Congresso Nacional uma lei
criando as categorias essenciais, tentando proibir as categorias de
fazer greve, eu fui conversar com os deputados. Quando cheguei lá,
percebi: “Peraí, como é que eu quero que esses caras votem numa lei de
interesse dos trabalhadores, se não tem trabalhador aqui?”. É assim.
Prefiro que as pessoas descubram a necessidade de fazer política do que
neguem a política. Não há exemplo na história de que a negação da
política deu em coisa melhor. Sempre deu em coisa pior. Aí sim, pode-se
fortalecer o fascismo, pode-se fortalecer coisas que não queremos.
Precisamos fortalecer a política e a democracia. Quanto mais
participação, melhor. Não vejo nenhum problema em o povo ir para a rua
dizer o que quer. Na hora que ele disser uma coisa que não é correta,
que se discuta com ele. O debate tem de ser livre. A democracia tem de
ser respeitada. E vamos tocar o barco.
Brasileiros – O senhor falou em consertação. Até onde vai a sua consertação?
Lula – A minha não vai a lugar nenhum porque não sou prefeito,
não sou deputado, não sou governador, não sou presidente da República.
Estou fora da mesa de negociação. Não sou nem presidente do PT. Acho que
a Dilma deu um passo importante. Ela conversou com amplos setores da
sociedade. Conversou com os sindicatos, com os partidos, com os jovens,
com o Movimento Passe Livre. E, como a Dilma é muito inteligente, ela
certamente vai tomar as medidas que precisa tomar. Se algum jovem
estiver fazendo uma coisa equivocada, é preciso debater com ele, mostrar
que ele está equivocado. Se as pessoas querem o passe livre, é
necessário dizer quem vai pagar. Alguém tem de pagar.
Brasileiros – A ex-prefeita de São Paulo Luiza Erundina tentou, mas não conseguiu.
Lula – A prefeitura não produz dinheiro, ela arrecada. É o
seguinte: na hora de defender o passe livre, tem de dizer quem vai
financiar. Quem vai assumir isso? Vai estatizar o transporte?
Brasileiros – Fala-se em sua volta. Onde o senhor vai estar em 2014?
Lula – Eu nem gosto de comentar esse assunto. Faz dois anos e
meio que deixei a Presidência da República. Cumpri oito anos de
Presidência. Se não fiz tudo, fiz muito do que achava que era preciso
fazer. Temos de ter outras pessoas. A Dilma é uma excelente presidenta
da República. Conheço muita gente neste País. Conheço muito político
neste País. E conheço pouquíssimas pessoas com a competência da Dilma.
Portanto, ela será minha candidata em 2014. E eu serei seu cabo
eleitoral. É isso que vai acontecer.