29/10/2014, Lars Schall entrevista o Prof. Peter Dale Scott − Global Research, Canadá
“
The American Deep State: Wall Street, Big Oil and the Attack on U.S. Democracy”
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Aí está o verdadeiro teste para se diagnosticar se estamos diante de um verdadeiro grande evento profundo: quando há muitas investigações, e no final nos vêm com uma história tão cheia de buracos, que todos logo percebem que não passa de um monte de mentiras. Então, por definição, evento profundo é aquele sobre o qual a verdade jamais é apresentada à opinião pública; os maiores deles são aqueles em que aparece alguma “versão” que pode ser verdadeira em alguns aspectos, mas que é absolutamente falsa nos aspectos chaves.
Lars Schall: Peter, decidimos conversar, dessa vez, sobre o Estado Profundo. A primeira pergunta que gostaria de fazer-lhe é: por que você insiste em dizer que ainda é importante falar sobre o 11/9?
Peter Dale Scott: Bem, o 11/9 foi momento de grandes mudanças na política externa e também na política doméstica dos EUA; é a razão pela qual quase imediatamente invadimos o Afeganistão e é também a razão pela qual começamos a planejar, quase imediatamente a invasão do Iraque, que se baseou no pressuposto falso de que Saddam Hussein teria alguma conexão com a Al-Qaeda. Onde houve “provas”, eram provas falsas, mas o governo escolheu acreditar nelas. De um ponto de vista norte-americano, as mudanças na política externa talvez não tenham sido tão graves quanto a implementação, naquele dia, do que chamamos de procedimentos para a “Continuidade do Governo” (orig. “continuity of government” (COG) procedures), e que alteraram radicalmente o status da Constituição dos EUA. Planejaram durante 20 anos o que fazer no caso de emergência gravíssima como o 11/9; o plano foi trabalhado durante duas décadas por Donald Rumsfeld e Dick Cheney, que foram os dois que implementaram aquele plano no 11/9.
Edward Snowden
Não conhecemos detalhes daqueles planos, mas acho que podem ser resumidos em três grandes títulos: um deles é vigilância total, sem autorização judicial. Edward Snowden está aí para provar acima de qualquer dúvida que a vigilância é massiva, nos EUA, e por causa da implementação daqueles procedimentos COG. Outro, é a prisão sem mandado judicial; houve mais de mil muçulmanos detidos sem mandato e mantidos presos. Há, na lei comum dos EUA, o que se conhece como habeas corpus: não se pode manter pessoas detidas indefinidamente, sem formalizar alguma acusação contra o detido. Mas mais de mil pessoas foram detidas nos EUA sem acusação; e alguns desses detidos foram torturados. Essa é mudança imensa, enorme, na realidade doméstica, nos EUA.
E o terceiro título-resumo das mudanças é o envolvimento dos militares no que se chama “segurança da pátria” [orig. homeland security] nos EUA. Os militares têm agora papel de polícia, o que é absolutamente novo. Vez ou outra aconteceu de o exército ser chamado para enfrentar uma ou outra crise pontual, como os tumultos que houve em cidades do interior do país, nos anos 1960s. Mas manter um comando permanente do exército para a América do Norte − chamado NORTHCOM – isso é completa novidade; é mudança radical no papel do exército. Falo principalmente sobre isso, em
Deep State [Estado Profundo]. Agora, os EUA temos instituições criadas para operar nos EUA sem serem controladas pela Constituição dos EUA. Não sei de outra mudança que possa ser mais radical que essa.
LS: O que é “Estado Profundo”, o que são “Eventos Profundos” e o que o 11/9 tem a ver com ambos?
Dana Priest
PDS: Permitam-me apresentar uma definição de “estado profundo” que não é minha. Uma repórter do jornal Washington Post, Dana Priest, escreveu um livro Top Secret America [1], no qual ela diz que agora temos
(...) dois governos: um dos cidadãos, com o qual estávamos habituados, operado mais ou menos às claras; o outro, um governo paralelo e top secret, cujas partes engordaram e reproduziram-se como cogumelos em menos de uma década, até formar um gigantesco universo próprio, que não para de crescer.
Está certo, no sentido de que esse estado profundo crescia como cogumelos ao longo da última década, quando ela escrevia. E isso precisamente por causa das mudanças introduzidas pelo 11/9 e pelos procedimentos para “Continuidade do Governo” (COG), que foram autorizadas e implementadas antes de o último dos quatro aviões estar no chão. Implementaram os procedimentos COG, e depois proclamaram a emergência, três dias adiante, e desde então vivemos sob aquele mesmo estado de emergência, o que significa que, na verdade, a Constituição já não vige como antes.
Você pergunta também sobre eventos profundos. Chamo o 11/9 de evento profundo, porque, desde o início, jamais se soube exatamente o que aconteceu. Até jornalistas comentaram a confusão e a profusão de informes; a coisa ficou tão séria que o Congresso teve de pressionar. Foi uma luta para conseguir que se investigasse alguma coisa. É o maior ato criminoso jamais cometido nos EUA, e a Casa Branca tentou não investigá-lo.
A cena do crime foi desmontada, na prática, imediatamente; para muitos, foi crime ter adulterado a cena daquele crime. Disseram que procuravam cadáveres e que, por esse motivo, removeram todo o metal encontrado. Hoje, cientistas mostram-se muito interessados em saber que tipo de resíduos havia naquele aço, para confirmar se os prédios foram explodidos de dentro para fora, ou de fora para dentro. A maior parte do metal retirado da cena do crime foi embarcado rapidamente em navios para fora dos EUA. Por essas e outras, pode-se dizer que, sim, o 11/9 foi um evento profundo, e houve uma comissão de investigação.
Há dois grandes eventos profundos na história recente dos EUA: primeiro, o assassinato de Kennedy em 1963; depois, o 11/9; há outros, e alguns deles são, de fato, bem pequenos: profundos e pequenos. Você sabe que acho que passei por alguns eventos profundos na minha vida pessoal. Narro um deles em The American War Machine. Mas os eventos profundos que tiveram consequências sobre a Constituição foram: o assassinato de Kennedy – com consequências quase invisíveis, mas nem por isso menos reais, que mudaram completamente o papel da CIA e o relacionamento da Agência com o FBI e com a polícia local.
Muito mais importantes foram as mudanças introduzidas depois do 11/9. Considerem o movimento que Edward Snowden documentou tão completamente: a vigilância sem mandado judicial. Essa, dentre as três grandes mudanças, é talvez a menos importante, mas é a única sobre a qual todos estamos falando, nesse país.
Nos dois casos, criaram-se comissões para investigar, e aquelas comissões nos apareceram com fatos que, como já está provado, eram falsos. Aí está o verdadeiro teste para diagnosticar se se está diante de um verdadeiro grande evento profundo: quando há investigações, e no final nos vêm com uma história tão cheia de buracos, que todos logo percebem que não passa de um monte de mentiras. Então, por definição, evento profundo é aquele sobre o qual a verdade jamais é apresentada à opinião pública; os maiores deles são aqueles em que aparece alguma ‘versão’ que pode ser verdadeira em alguns aspectos, mas que é rigorosamente falsa nos aspectos chaves.
John Kennedy
LS: No seu trabalho, dentre outras coisas, você está à procura do padrão que se teria repetido no 11/9 e no assassinato de JFK. Para começar: quando foi que você encontrou esse padrão e o que o levou a ele?
PDS: Logo depois do 11/9 chamou-me a atenção o fato de que eles já sabiam, quase imediatamente, quem fizera tudo. No livro de Richard Clarke (que estava em posição de saber), ele diz que o FBI tinha uma lista dos sequestradores dos aviões já antes das 10h daquele dia (antes, portanto, também, de o último avião cair). Quem conheça qualquer coisa sobre o assassinato de Kennedy sabe que uma das coisas jamais explicadas é como conseguiram divulgar, na fita distribuída pela polícia, uma descrição do assassino, do homem que atirou contra Kennedy, aparentemente de uma janela. E a descrição era bastante precisa: 1,70m [orig. 5 feet ten inches], 74,80kg [orig. 165 pounds]. Ninguém jamais disse de onde saíra tal descrição. Adiante, foi atribuída a um homem, Howard Brennan, que estava na rua e disse ter visto o atirador; mas só viu o topo da cabeça do homem, pela janela; como poderia saber que media 1,70m e pesava 74,8 kg?
Lee Harvey Oswald
O que interessa é que essa é precisamente a descrição de Lee Harvey Oswald na ficha do FBI e na ficha da CIA, apesar de estar errada. 15 minutos depois do assassinato, a rádio interna da Polícia já divulgava uma descrição do assassino, copiada dos arquivos do FBI e da CIA; e o FBI nunca conseguiu explicar, ninguém, do lado do governo, jamais conseguiu explicar como aconteceu tudo isso.
Vale o mesmo também para o 11/9. Também nesse caso logo apareceu internamente uma lista de sequestradores, e dois nomes que lá estavam foram rapidamente excluídos, porque um [Adnan Bukhari] havia morrido, e o outro [Ameer Bukhari] comprovadamente não estava em avião algum. Acho que essa também foi uma lista copiada de arquivos. E essa é só a primeira semelhança entre esses dois eventos profundos. Em meu livro
The War Conspiracy listo mais de uma dúzia de semelhanças e, desde então, continuo a acrescentar outras semelhanças, no modus operandi.
Outra coisa é que essas pessoas sempre deixam rastros “em papel”: Oswald mantinha um diário e fez quantidade enorme de coisas que, adiante, foram usadas para incriminá-lo (quando, claro, já estava morto); e, no Aeroporto Logan, Mohamed Atta e seus amigos deixaram um carro cheio de provas. Sempre muito conveniente para o FBI que os perpetradores – ou os que chamo de “culpados por designação”, porque evidentemente já estava resolvido, desde antes, quem levaria a culpa pelo crime – todos eles, tenham fornecido provas documentais contra eles mesmos. E há muito mais. Não sei se basta para você, agora.
LS: Gostaria de perguntar-lhe sobre canais de comunicação específicos envolvidos nos dois casos, no assassinato de JFK e no 11/9. Por que essa talvez seja a semelhança mais importante?
PDS: É verdade, sim, que acho que a rede nacional de comunicações – nomes diferentes ao longo dos anos, mas é a rede especial de comunicações que foi montada em conexão com os planos para Continuidade do Governo, e a coisa começa nos anos 1950s, mudando sempre de nome. Essa semelhança só a encontrei mais tarde. Durante muitos anos eu soube que a Agência de Comunicação da Casa Branca [orig. White House Communications Agency (WHCA)] foi fator importante no assassinato de Kennedy, porque trabalharam junto com a investigação feita pela Warren Commission, distribuíram as transcrições e liberaram algumas mensagens do Serviço Secreto, mas sabe-se que havia dois canais da Polícia, ambos divulgados, mas também havia um terceiro canal, que estava sendo usado no Daily Plaza, e o Serviço Secreto estava usando o canal do que se conhece como Agência de Comunicação da Casa Branca.
Eu soube, durante anos, que tínhamos de explicar isso, mas não conseguíamos. Em 1993, quando organizaram um Corpo para Revisão dos Registros do Assassinato [orig. Assassination Records Review Board], fui até lá e disse que eles tinham de obter aqueles registros, mas não foram divulgados. Mesmo assim, a Agência de Comunicação da Casa Branca vangloria-se, no seu website – suponho que ainda se possa ler lá – de ter ajudado a resolver o caso do assassinato de Kennedy. Acho muito estranho, porque há muitos registros que nunca foram entregues à Comissão Warren, supostamente encarregada de resolver o mesmo caso.
E então, quando os registros começaram a aparecer sobre o 11/9 – demorou alguns anos, tivemos o relatório da comissão do 11/9 e lá se via que há algumas comunicações, telefonemas, que foram feitos e recebidos, mas sem qualquer registro. Em meu livro
The Road to 11/9, escrevi que as provas sugerem que estivem usando... que já estivessem implementando os procedimentos para Continuidade do Governo (COG). Significa que, se isso se confirmar, eles implementaram [e já estavam usando] a rede especial de comunicaçõesCOG, a qual, com troca de nomes, é herdeira da rede de emergência; e que a Agência de Comunicações da Casa Branca era, como continua a ser até hoje, parte daquela rede de emergência.
Por causa disso, pude confirmar que o caso Irã-Contras foi mais um evento profundo, porque se descobriu que Oliver North, em 1985-86, enviava armas para o Irã, o que é ilegal, e muita gente no governo nada sabia sobre a “prática”. Não sabiam, porque Oliver North era o encarregado daquela mesma rede de emergência e usou aquela rede de emergência para comunicar-se com a Embaixada em Portugal, por exemplo, para facilitar o processo de levar as armas ao Irã. Isso, para mim, é mais um denominador comum.
Oliver North
Watergate foi outro evento profundo. Até hoje ainda não se sabe por que fora instalada uma escuta no telefone do Comitê Nacional do Partido Democrata, mas sabemos que James McCord, encarregado da equipe que instalou a escuta, era membro da rede Especial da Reserva da Força Aérea conectada aos procedimentos para Continuidade do Governo. E que estava encarregado dos diferentes passos para o mesmo tipo de ação: quem vigiar, as prisões sem ordem judicial. Todas essas ações já estavam organizadas e operantes na época de Watergate.
Esses, portanto, são os denominadores comuns que mais me chamam a atenção nesses quatro eventos profundos – JFK, Watergate, Irã-Contra e, finalmente, o 11/9. E se algum dia voltarmos a ter evento profundo desse tipo, posso prever agora, com base no que já se sabe sobre o desempenho passado, que a rede de emergência, essa rede à qual as pessoas comuns que trabalham no governo não têm acesso, novamente será fator decisivo.
LS: O Serviço Secreto foi ativo nos dois eventos principais?
PDS: São eventos principais precisamente por causa do que dissemos: porque usaram a Agência de Comunicação da Casa Branca para suas comunicações. Já se escreverem muitos, muitos livros sobre o Serviço Secreto e o assassinato de JFK – alguns muito exagerados, e houve quem envolvesse o Serviço Secreto naqueles eventos. Acho que, nisso, muita gente fez mal o próprio trabalho; ou não fizeram o que deveriam ter feito, não investigaram quem deveriam ter investigado. Não implica dizer que sejam culpados, e não estou subscrevendo aquelas teorias. Menos óbvio no caso de 11/9, o Serviço Secreto. Mas, o que é interessante, eles tiveram um papel ali, porque, num certo ponto – há um avião especial para a Continuidade do Governo, chamado E4B, conhecido como o “Avião do Juízo Final” [orig.Doomsday Plane], e chamam o planejamento para a Continuidade do Governo de “Programa do Juízo Final” [orig. Doomsday Program], e esse avião sobrevoou a Casa Branca.
Nenhum avião pode sobrevoar a Casa Branca, em nenhum caso. Mas precisamente naquele dia, quando tudo deu errado, o E4B – deve ser o avião especial para a Autoridade Nacional em Comando, que são o presidente e o secretário de Defesa. Mas, evidentemente, nem um nem outro estavam naquele avião: o presidente estava na Florida, e o secretário de Defesa estava no Pentágono, segundo seu próprio relato, ajudando a pôr gente em macas – o que parece serviço bem esquisito para o secretário de Defesa, no momento em que a nação estava sendo atacada.
Dick Cheney
Mas o avião lá esteve, e o Serviço Secreto reagiu, fazendo evacuar o prédio. Há narração muito vívida de como praticamente tiveram de puxar o vice-presidente Cheney da cadeira onde estava e empurrá-lo para fora e é claro que lhe disseram que o país estava sendo atacado e que o mais lógico, o mais sensível, para ele, seria sair o mais depressa possível para o que se conhece como
PEOC (Presidential Emergency Operations Center, o bunker de emergência que há no subterrâneo da Casa Branca, para quando a nação seja atacada. Mas o mais interessante é que Cheney não foi diretamente para o PEOC; passou vários, vários, muitos minutos no túnel, usando um telefone que havia ali. E o que poderia ser aquele telefone? Aposto bom dinheiro que era telefone conectado à rede de emergência, e acho que ali, por aquele telefone, tomaram-se várias decisões chaves; ali, não na presença dos principais conselheiros que já estavam no PEOC.
Quero dizer pois que o Serviço Secreto estava envolvido, no sentido de que sua missão era levar Cheney e permanecer com ele naquele corredor – por cerca de 20 minutos – enquanto Cheney fazia várias ligações e falava com ambos, o presidente e o secretário de Defesa.
LS: Sobre o “Programa Continuidade do Governo”: por que é tão importante saber mais sobre ele? E continua ativado, até hoje?
PDS: Comecemos pela segunda parte da pergunta. Sim, tanto quanto se sabe, continua ativado. Não é fácil falar sobre isso, porque ninguém jamais pronunciou uma única palavra sobre o que são esses procedimentos especiais. Só se sabe o que foi revelado nos anos 1980s. Mas fato é que tudo de que se falou nos anos 1980s é o que se vê implementado desde então: vigilância total sem autorização judicial, está aí, para quem queira ver; detenção por tempo ilimitado e sem acusação formal, está aí, para todos verem; os militares envolvidos permanentemente nas funções tradicionais de polícia. Há uma brigada do exército em permanente estado de prontidão, para enfrentar quaisquer casos de perturbação social interna.
LS: E por que é importante saber mais sobre isso tudo? Por exemplo, significa que a Constituição dos EUA, de que os norte-americanos tanto se orgulham, está suspensa, sem efeito?
PDS: Não está suspensa completamente, mas em larga medida foi suplantada. As três coisas de que falei, todas, especialmente as duas primeiras. Quero dizer que todos sabemos que o habeas corpus é muito claramente mencionado na Constituição. Não que seja exatamente garantido pela Constituição, mas é assumido como direito garantido na Constituição, porque tem longa história que vai até a Carta Magna no século XIII. É um dos mais antigos direitos fundacionais das liberdades da common law. E foi gravemente ab-rogado, não suspenso. Se quiserem deter alguém, deterão, como têm detido. E não só estrangeiros: também cidadãos norte-americanos.
Assim portanto, sim, o status constitucional foi gravemente erodido, e mais e mais pessoas começam a falar sobre isso. Finalmente começamos a ver debate sério sobre a vigilância ilegal, que é inconstitucional, e o presidente disse que tomaria providências, mas ainda não se viu, até agora, providência alguma, além de muito se dedicarem a processar Snowden, que prestou relevante serviço público. Como se não bastasse, acusaram também o homem que criou o programa de encriptação que possibilitou que Snowden partilhasse os documentos com Greenwald. E tanto perseguiram esse homem, que ele foi forçado a fechar sua empresa. Estão impondo a todos, com requintes de crueldade, esse sistema de segredos – governo que governa por segredos, como se houvesse uma segunda carapaça que fecha o governo sobre ele mesmo e mina qualquer tentativa de abertura e transparência.
LS: Quanto ao 11/9, você diz que, de certo, só sabe uma coisa: que com certeza houve encobrimento massivo. O que foi encoberto e por quê?
PDS: Até hoje não há explicação satisfatória de por que os aviões caíram. O mais provável é que tenham sido interceptados em voo. Com certeza, ao tempo do 3º e do 4º aviões, eles têm de ter sido interceptados. Há uma explicação elaboradíssima da comissão que investigou o 11/9, mas muitas coisas permanecem sem explicação. O comportamento do vice-presidente, que era figura chave. Houve um telefonema que implementou o programa Continuidade do Governo; aí está o centro de tudo que aconteceu aqui. Não há nenhum vestígio desse telefonema. Não porque jamais teria havido traço algum, porque é claro que o telefonema não foi feito de telefone particular, ou coisa assim; não há vestígio desse telefonema porque ele foi com certeza feito por canais internos, tenho certeza de que foi feito por uma linha do programa Continuidade do Governo. E é direito nosso saber exatamente o que aconteceu e o que foi feito.
Tudo isso, além do mais, tem consequências legais reais, porque uma das coisas que ainda terão de ser explicadas é por que o vice-presidente tomou decisões que, por lei, não podia tomar. Temos uma Autoridade Nacional em Comando que governa os militares: são o presidente e o secretário de Defesa. Tanto quanto se sabe – e faltam muitas informações, o que permite supor que estejam sendo ocultadas – as decisões reais foram tomadas pelo vice-presidente que não é parte da Autoridade Nacional em Comando.
Tudo isso teria de ser investigado, porque é muito possível que se tenham cometido vários crimes, na reação ao 11/9. Aqui não falo do próprio dia 11/9, que não discuto em meu livro, porque já foi discutido em muito livros. Mas na resposta ao 11/9 com certeza fizeram-se coisas que não foram feitas como a lei determina que sejam feitas. Como foram feitas, é o que hoje se encobre, porque não há registros de coisa alguma.
LS: Teria sido possível evitar que o 11/9 acontecesse? Quero dizer, é pergunta crucial para tudo quanto tenha a ver com a Agência de Segurança Nacional (NSA). A NSA ignorava completamente os planos para atacar os EUA?
Curt Weldon
PDS: Sabe-se tão pouco dessa Agência de Segurança Nacional dos EUA, que é difícil, para mim, responder sua pergunta. Há alegações, é claro, de que esse tenente Shaffer apresentou-se e disse que a Agência de Inteligência da Defesa (DIA) tem, de fato, arquivos completos sobre Mohamed Atta e outros (...) Mas o Pentágono negou e depois o deputado Republicano Curt Weldon levou a coisa ao Congresso e queria mesmo ir ao fundo de tudo e, na sequência, o FBI tratou-o de forma horrorosa. O FBI vazou a “ideia” de que Weldon estaria sob investigação por causa de algo que envolveria a filha dele, e todos os jornais encheram-se daquele assunto. Weldon não chegou a ser acusado formalmente, mas não foi reeleito, quer dizer, o FBI conseguiu tirá-lo do Congresso.
Foi portanto um sinal, e falo disso no meu livro, de que é muito perigoso, para políticos eleitos, desafiarem essa parte do governo dos EUA que chamo de “estado profundo”, porque inevitavelmente, se se atrevem a desafiar o estado profundo, acabam derrotados nas urnas, quando se candidatam à reeleição. Escrevi isso antes do caso Curt Weldon, mas o caso foi muito importante.
Falemos sobre a CIA. A CIA com certeza absoluta sabia sobre os dois sequestradores, que eles estavam naquela ação – costumo dizer “ditos sequestradores” porque, não sei com certeza, até hoje − que papel tiveram no 11/9, mas acho provável que eles tenham embarcado nos aviões, embora absolutamente não consiga acreditar que seriam capazes de dirigir os aviões para atacar os prédios. Essa foi ação de alguma outra força agindo do lado de fora dos aviões, uma tecnologia simples e fácil de operar no século XXI. Mas se aqueles dois sequestradores... A CIA teria de ter informado o FBI sobre eles, mas não informou. E eles puderam movimentar-se à vontade, fazer contato com outros sequestradores. Se os procedimentos tivessem sido respeitados, a CIA teria notificado o FBI, o FBI os poria sob vigilância e, a partir daqueles dois, seria possível conhecer virtualmente todos os sequestradores. Portanto, o fato de a CIA não ter encaminhado a informação que tinha sobre eles é uma das causas de as coisas terem acontecido como aconteceram dia 11/9.
É só uma parte do grande quadro, mas é parte significativa; e houve falhas de comunicação semelhantes a essa também no caso do assassinato de John F. Kennedy. Aí está mais uma das muitas semelhanças – que a CIA enviou um telegrama ao FBI ... Não foi telegrama, foi uma mensagem: enviaram uma mensagem ao FBI sobre Lee Harvey Oswald, mas suprimiram a informação sobre o que os teria levado a pôr Lee Harvey Oswald sob vigilância total. E se ele não estivesse sob vigilância, não teria tido o papel que acabou por ter, quando foi “designado” culpado pelo assassinato de Kennedy. Nesse sentido é que me parece muito, muito significativo que a CIA tenha ocultado essa informação.
Não estou dizendo que eu saiba quem fez acontecer o 11/9 e, diferente de muitos, não estou dizendo que a Casa Branca fez acontecer o 11/9. Não. Acho que alguém no estado profundo fez acontecer o 11/9. Mas, veja bem, pela minha concepção, há muitos elementos, nesse estado profundo, que não participam sequer do governo. Por isso, dizer que uma ou outra coisa foi obra do estado profundo não informa muito sobre coisa alguma. Mas temos de saber mais e há registros escondidos que têm de ser expostos, porque nos ajudarão a compreender o que houve.
LS: Mas digamos que, se houvesse elementos do governo envolvidos no 11/9... O que se diz é que, se houvesse, alguém já teria falado. Ninguém consegue guardar segredos em Washington. O que você pensa sobre isso?
PDS: Bem... Há até um livro sobre o assassinato de Kennedy, que leva o título de “Alguém já teria falado” [orig.
Someone would have talked]. De fato, dizem isso desde o início, depois do assassinato de Kennedy, e a resposta do livro é que ninguém deu ouvidos aos que, sim, falaram.
Acontece o mesmo sobre o 11/9. Ontem mesmo estava conversando sobre o 11/9, e lá havia alguém disposto a jurar sobre a Bíblia, que o último avião, o voo 93, foi provavelmente atingido sobre Shanksville, parte do avião caiu ali, mas o avião continuou porque... o sujeito tem um amigo que falou com um grande amigo de alguém que tem um outro grande amigo que viu o míssil atingir o voo 93 sobre Camp David, onde o presidente poderia estar, escondido nas montanhas. Nada disso apareceu nos jornais, não porque o homem não tenha falado, mas porque ele falou; imediatamente depois recebeu uma visita do FBI e o FBI disse ao homem que nunca mais voltasse a falar sobre o tal assunto.
Na verdade, apareceu na mídia. Há – acabo de rever – uma matéria de TV daquele momento. E o FBI diz que um avião foi abatido sobre Camp David e que receberam a informação da Administração Federal de Aviação (FAA). Estava tudo na televisão, mas foi tirado da televisão, e a nação esqueceu aquilo, ou quase toda a nação esqueceu o que vira e ouvira. O voo do E4B sobre a Casa Branca – também foi notícia da CNN, na televisão. É parte muito importante da história. Mas, na sequência, a coisa é apagada. Por sorte, algumas pessoas gravaram e repuseram a informação no YouTube (vídeo a seguir).
A Força Aérea negou que tenha acontecido, mas não há dúvidas de que aconteceu, é claramente o E4B. Depois, outras pessoas apareceram com algumas explicações.
É sabido que a informação é sempre controlada em qualquer sociedade, e se alguém diz algo que não se enquadra na história oficial... Somos sociedade bastante aberta, nos EUA. De fato, as pessoas dizem, sim, o que veem e sabem. Mas as autoridades e a imprensa-empresa comercial absolutamente não lhes dão ouvidos.
LS: Ainda sobre essa questão, se alguém tivesse falado sobre o 11/9, e que pode ter acontecido coisa muito diferente do que foi informado às pessoas e o caso de Sibel Edmonds. Você pode falar um pouco sobre ela?
PDS: Sibel Edmonds era tradutora e trabalhava para o FBI, e viu coisas. Suas línguas eram, se bem me lembro, turco e farsi, e ela viu que o FBI estava investigando gente e, porque os agentes não falavam farsi, precisavam que ela traduzisse as comunicações que tinham. E o que ela viu era tão alarmante, que ela tentou levar a coisa ao conhecimento dos chefes dela.
Faz muito tempo que estudei o caso dela, mas, basicamente, lhe disseram que calasse a boca. Depois e até hoje, ela está sob ordem judicial e proibida de falar. Então, não contou tudo o que sabe, fala sobre outras coisas, mas, sim, deu fortes indicações de que gente muito “graúda” dentro do governo esteve envolvida em atividades pouco recomendáveis com outros governos e ela citou aqueles governos, entre os quais o governo da Turquia. Sibel é só um exemplo, e não é o único caso, de cidadão proibido de declarar a verdade, nessa sociedade livre em que vivemos.
LS: A versão oficial do 11/9 está baseada em grande parte no que prisioneiros disseram sob tortura. A história fica toda comprometida, por causa disso? E essa informação continua a ser ocultada de muitas e muitas pessoas, até hoje?
PDS: O relatório da Comissão do 11/9 é apenas uma pequena parte da investigação, mas a parte em que se fala sobre o que a Al-Qaeda teria feito, como teriam planejado e tal e tal, sim, todas essas informações foram obtidas de prisioneiros sob tortura. Algumas dessas testemunhas já não permanecem presas e retiraram aquelas declarações. Abu Zubaydah, por exemplo, “confessou” que seria membro da Al-Qaeda, o que jamais foi, em tempo algum. Tudo, aí, me parece mal conduzido e desencaminhado. Minha opinião é que aqueles depoimentos devem ser descartados para sempre.
Isso não invalida todo o relatório da Comissão do 11/9, mas alguns capítulos, os que falam sobre o que a Al-Qaeda teria feito, sim, esses capítulos não merecem nenhuma confiança e não podem ser tomados em consideração. Na verdade, a Comissão do 11/9 pediu para ver as transcrições, mas jamais as recebeu; basta isso, para que tudo se torne muito suspeito. A Comissão não foi jamais informada de que as testemunhas estavam depondo sob tortura. A partir disso, acho que ambos os co-presidentes daquela comissão, Thomas Kean e Lee Hamilton, reclamaram que teriam sido realmente enganados pela CIA.
Por essas e outras, a versão oficial que se lê no relatório da Comissão do 11/9 está em farrapos. Foi desqualificada até pelos co-presidentes da própria comissão. Seja como for, o importante é que, em primeiro lugar, nunca poderia ter acontecido de autoridades dos EUA usarem tortura para extrair depoimentos de prisioneiros. Em segundo lugar, o fato não poderia ter sido escondido das autoridades. Se torturaram, teriam de dizer que torturaram e que aquelas informações foram extraídas sob tortura; mas mentiram sobre isso, quero dizer, mentir é o terceiro crime. E em todos os casos e seja como for, tudo isso é uma desgraça.
LS: Você acha que a hegemonia dos EUA declinou por causa da ação que se seguiu ao 11/9? Por exemplo: tudo sugere que os verdadeiros beneficiários da Guerra ao Terror são, mesmo, China e Rússia.
PDS: Bem, vejamos tudo isso, passo a passo. Uma das principais consequências do 11/9 foi os EUA invadirem o Iraque. E acho que ninguém, no mundo, discordará se dissermos que o poder dos EUA principalmente no Oriente Médio começou a ser erodido por causa daquela ação de invadir o Iraque. O primeiro resultado não desejado surgiu logo em seguida, nas eleições: se querem democracia no Iraque, e no Iraque a maioria é xiita, a maioria elegerá governo xiita. E os xiitas são muito mais amigos do Irã, que dos EUA. Muita gente previu que aconteceria exatamente o que aconteceu. Não se trata de engenharia espacial; é o óbvio.
Aquela invasão também fez aumentar as tensões entre EUA e Arábia Saudita. A Arábia Saudita historicamente — se é bom ou mau que assim seja é outra questão a debater –sempre foi o mais forte aliado dos EUA naquela região. E hoje há grandes diferenças, porque a Arábia Saudita adorou ver o fim de Saddam Hussein, mas não queria invasão; porque sabia que a invasão desestabilizaria o Iraque e criaria um estado... não gosto de dizer “estado falhado”, não gosto dessa expressão... mas criaria uma autoridade muito enfraquecida no Iraque, o que é muito perigoso para a Arábia Saudita. Os sauditas têm todos os motivos para estar muito desgostosos com o que os EUA fizeram no Iraque; a invasão enfraqueceu as relações dos EUA com os sauditas.
Zbigniew Brzezinski
Agora, aí está todo o Oriente Médio – o que Zbigniew Brzezinski chamou de Arco das Crises, em 1978 ou 79; e hoje é muito mais Arco das Crises do que era naquele momento, por causa... Você sabe que, para mim, a invasão contra o Afeganistão também foi erro grave, mas ainda me parece mais defensável que a invasão contra o Iraque, mas esses dois erros expandiram-se enormemente e, isso, ainda sem falar sobre a Al-Qaeda. E surgiram novas forças al-Qaedistas, gente em tudo assemelhada à Al-Qaeda, e há hoje muitos grupos que têm realmente base no Iraque, hoje, como resultado da invasão dos EUA contra o Iraque. E a coisa está-se expandindo também para a África. Por tudo isso, não sei se os maiores beneficiados são mais a Rússia e a China, que grupos de foras-da-lei e a anarquia.
Entendo que Rússia, China e os EUA todos têm interesses comuns em não promover terroristas e o terrorismo, e acho que a Rússia já disse muito claramente que gostaria de cooperar com os EUA para enfrentarem o terrorismo; até houve momentos em que parecia que Obama, pelo menos, tinha vontade de trabalhar mais em associação com a Rússia, especialmente no caso da Síria, por exemplo, onde elementos al-Qaedistas são hoje parte importante do problema, e para ambos, para a Rússia e para os EUA.
E então, de repente, os EUA inventamos a Ucrânia. De fato, até a Ucrânia se pode dizer que teve muito a ver com o que aconteceu depois do 11/9. Essas discussões podem exigir mais tempo do que temos aqui, mas a deterioração do entendimento entre Rússia e EUA – e o Afeganistão é parte disso – é questão muito complicada, e outras questões também são complicadíssimas, mas uma coisa é bem clara: o Iraque foi desastre completo e criou tensões de tal ordem que, se não aprendermos a lidar com essas tensões, nos aproximaremos cada vez mais perigosamente de uma guerra nuclear, mais rapidamente hoje, do que há 20 ou 30 anos. Essa, sim, é situação muito alarmante.
LS: Sobre a guerra do Iraque, você diria que o movimento pela paz em todo o mundo falhou depois do 11/9, porque muito protestaram, por exemplo, contra a guerra no Iraque, mas sem questionar as raízes do mal, a saber, a narrativa oficial sobre o 11/9, como pretexto e suposta justificativa para ir à guerra?
PDS: Com certeza teríamos movimento muito mais poderoso contra a guerra do Iraque, se já tivéssemos compreendido exatamente o que aconteceu no 11/9. Mas não acho que seja realista supor que poderíamos saber, naquele momento, o suficiente. Você sabe... os EUA invadiram o Iraque em 2003, e só em 2004 foi divulgado o relatório da Comissão do 11/9, que não é grande coisa, mas nem isso havia em 2003. Por isso, não me parece que poderia ter ajudado o movimento antiguerra em 2003, mas com certeza ajudará em movimentos futuros, do mesmo tipo.
John Kerry
Não sei o que acontecerá na Ucrânia, mas... Bem, a verdade é que, sim, acho que agora já sei. Acho que a Europa está intervindo para impedir que os EUA façam papel de perfeitos imbecis. Não posso acreditar que John Kerry tenha realmente dito algumas das coisas que, sim, ele disse recentemente. Penso, por exemplo, no que disse a Putin depois da Crimeia, que não se faz tal coisa no século XXI. Ora! Os EUA são o mais desavergonhado e visível exemplo de, exatamente, a mesma prática!
Portanto, penso que quem não está no governo tem de mobilizar-se em todo o mundo para criar uma opinião pública global que possa deter – não digo só os EUA, mas os EUA e todos os demais governos que se excedam, como os EUA excedem-se. Várias vezes aconteceu de os governos não se preocuparem com a opinião pública, o que sempre foi mau. E agora estamos começando a desenvolver uma opinião pública, que pode controlar os governos, o que é bom.
Acho que a opinião pública for fator determinante para persuadir empresas norte-americanas a não investir na África do Sul. E o movimento de desinvestimento, que foi ação da opinião pública, foi fator importante, e o próprio Nelson Mandela reconheceu-o como tal, como fato importante da libertação da África do Sul. Foi ação da opinião pública. No fim, quem pôs fim à segregação racial no sul dos EUA também foi a opinião pública. É uma ação positiva. Nada conseguiu no caso do Iraque, mas não se pode concluir que, porque não deu certo uma vez, o movimento não valeria a pena. Vale. Vale muito a pena.
LS: Você tem alguma esperança de que algum dia, no futuro, será possível dar resposta satisfatória à pergunta sobre o que, realmente, aconteceu no dia 11/9 nos EUA?
PDS: Se você está falando de o governo dos EUA dar resposta satisfatória a essa pergunta, o mais provável é que jamais dê. Mas as pessoas estão investigando. Muita gente dedicou a vida a investigar aqueles eventos. Não é o meu caso, mas há gente que fez exatamente isso. Acho que já há descobertas importantes. Já se sabe com certeza, por exemplo, que, sim, havia material explosivo no Prédio Sete e nas duas torres. Houve uma investigação conduzida pelo
NIST – Instituto Nacional de Tecnologia e Padrões; recentemente, o mesmo NIST foi obrigado a revisar suas conclusões daquela época.
Você sabe, eles disseram que o Prédio Sete caiu em 5,3 segundos e os críticos responderam que parte desse tempo foi queda livre; e eles disseram simplesmente que a queda em 5,3 segundos não poderia ter sido queda livre. Pediram então definição mais clara sobre o que significavam aqueles números, e apareceu um gráfico no qual se viu que, de fato, durante dois ou três segundos, no meio da queda, o prédio desabou em queda livre. Ora, se o prédio desabou em queda livre, tem de ter havido algum tipo de explosão que “esvaziou” o caminho da queda da parte superior do prédio, até o chão: bem simples de entender.
Tudo isso para dizer que acho que fizemos progressos significativos; podemos falar seriamente sobre os eventos, para fazer o governo admitir a verdade dos fatos. Mas... Você sabe, já estamos em 2014 e ainda não apareceu ninguém para corrigir as conclusões da Comissão Warren, mas a maioria dos norte-americanos sabemos que a Comissão não chegou a nenhum tipo de resposta confiável. A própria opinião pública, os próprios cidadãos, penso eu, continuarão a investigar com seriedade.
LS: Mas vinda da comunidade internacional, há algum tipo de pressão para que os EUA promovam investigações claras e limpas? Você acha que haverá, algum dia?
Glenn Greenwald
PDS: Sou ex-diplomata e acho que governos não falam nesse tom, entre governos. Não sei, sequer, se seria bom que falassem. Governos têm de lidar com interesses sempre estreitos. Não é tarefa para governos, é tarefa para o povo, para alguma imprensa-empresa livre, onde houver, pressionar para que a verdade venha à tona. Por sorte, outros países também falam inglês, de tal modo que a imprensa britânica, por exemplo, pôde acolher e divulgar com muito mais precisão os feitos de Snowden e o material que entregou aos cuidados de Glenn Greenwald. De modo geral, acho que se os norte-americanos quiserem saber o que se passa no país, melhor que passem a ler o Guardian inglês – em inglês, e que pode ser lido online. Verdade é que só não sabe das coisas quem prefira não saber.
É o tipo de coisa que pode restaurar certo grau mínimo de sanidade, num mundo que... Devo dizer que os EUA são país maravilhoso, gosto muito de viver aqui. Problema, mesmo, é o governo dos EUA que, ultimamente, tem agido como doido. Invadir o Iraque foi loucura. Muitos especialistas disseram que nunca daria certo. Depois, o governo disse que Saddam Hussein teria armas de destruição em massa, mas as provas logo foram desmentidas, e tão completamente desmoralizadas que o governo sequer conseguiu usar a ideia-ameaça como planejara usar. Para devolver o governo dos EUA à sanidade, só muita pressão feita pela opinião pública.
LS: E como você avalia o fato de que ninguém foi punido pela produção e divulgação de todas aquelas mentiras sobre a guerra do Iraque?
PDS: Pode-se discutir muitos detalhes sobre isso. Em meu livro The American War Machinemostro como uma empresa privada foi paga para produzir informação de inteligência sobre se Sadam tinha ou não armas de destruição em massa, e aquela empresa concluiu que sim, que Sadam tinha armas de destruição em massa: a empresa chama-se Science Applications International Corporation, SAIC. Depois, quando afinal já ninguém acreditava que houvesse lá as tais armas de destruição em massa, o problema passou a ser entender como, afinal, o governo fora convencido de que havia as tais armas. E qual foi a empresa selecionada para explicar o que havia sido tão espantosamente mal feito na “investigação” inicial de inteligência no Iraque? A mesma empresa Science Applications International Corporation , SAIC!
Science Applications International Corporation, SAIC
Penso mais ou menos como o Bispo Tutu da África do Sul: acho que precisamos de verdade e de reconciliação; é mais importante hoje, do que mandar gente para a cadeia. Precisamos tão urgentemente de verdade que nem me incomodaria adiar a prisão dos bandidos, se isso ajudasse a encontrar a verdade. Porque, se os EUA conhecermos a verdade, será possível pensar, por exemplo, no fim do estado de emergência que ainda continua implantado aqui – renovado por Obama ano após ano (tem de ser renovado anualmente), sem qualquer discussão. Com informação verdadeira e bem provada, o Congresso poderia afinal fazer o que é sua missão – em vez de só pensar em estados de emergência, programas Continuidade do Governo, em tripudiar sobre a Constituição dos EUA. Quanto maior a quantidade de informação verdadeira sobre essas coisas, mais rapidamente os EUA voltarão a ser o que um dia foram, que nunca esteve sequer perto do ideal, mas sempre foi muito, muito melhor do que os EUA que há hoje.
LS: Os interesses de Wall Street estão implantados no fundo do coração do estado profundo?
PDS: Ah, sim, estão. Em meu livro... A noção inicial do estado profundo é que todas as instituições públicas estão sendo sobrepujadas pela Agência de Segurança Nacional, pela CIA, pelo Comando de Operações Especiais Conjuntas e pelo Pentágono – todas essas novas instituições secretas – e aí está o primeiro nível do estado profundo. Mas essas agências são poderosas porque têm conexões fora do governo; elas não reportam só ao Presidente – especialmente a CIA, e é fácil provar – mas também têm raízes em Wall Street, estrutura que foi projetada de fato por Allen Dulles, quando ainda era advogado em Wall Street, antes de passar a trabalhar na CIA.
E a CIA é tão poderosa por causa dessas conexões com Wall Street e – o que sempre foi praticamente a mesma coisa – por causa de suas conexões com o big oil, porque as gigantes do petróleo sempre tiveram sede em New York e, reunidas, operavam como cartel cujo advogado, sempre muito bem-sucedido, era o escritório Sullivan & Cromwell, escritório de advocacia em Wall Street, cujos principais sócios eram – não por acaso –
John Foster Dulles e
Allen Dulles.
John e Allen Foster Dulles
Wall Street, sim, é importante; já era, como é fácil mostrar historicamente, nos anos 1950s, e mostro no meu livro. Hoje é mais difícil provar, mas há muitas pistas. Uma das provas desse “envolvimento” é, hoje, o estado profundo o qual, é preciso reconhecer, vai-se tornando cada vez mais multinacional, ao mesmo ritmo em que as empresas se foram tornando multinacionais. A Exxon é empresa multinacional e há outras, especialmente a empresa Blackwater, que é essa espécie de exército privado que atua em vários locais. Não sei se foi a imprensa alemã... mas acho que, sim, li na imprensa alemã, que a mesma Blackwater ou uma sua subsidiária, está hoje operando na Ucrânia.
LS: É verdade. A imprensa alemã divulgou essa informação.
PDS: O que conhecemos como uma empresa norte-americana mantém hoje, tecnicamente, a própria sede no Qatar, no Golfo Persa. Não é mais controlável. Como as leis vigentes em Washington conseguirão controlar uma empresa cuja sede está localizada no Golfo Pérsico? Assim age o aparelho de um estado profundo supranacional, e teremos de desenvolver instituições supranacionais para controlar essas novas instituições, esses novos tipos de empreendimento, cujo “plano de negócio” inclui provocar agitação e tumultos, porque, nessas condições, os lucros delas aumentam: revoluções coloridas, por exemplo, são bom negócio para elas.
LS: Duas perguntas pessoais, que deixei para o fim. Como você lida com o fato de que, de tempos em tempos, você é desmentido pelo governo dos EUA e tratado, pelos jornais, como maníaco de teorias conspiracionais? E como você lida com a tristeza, o desencanto que, com certeza acompanha todos os seus livros e toda a sua obra. Quero dizer: leio o que você escreve e, sempre, depois da leitura, mergulho em depressão profunda. Queria saber... Acontece também com você, afinal, você é quem investiga, descobre e escreve aquelas coisas. Você é o homem que tem de enfrentar a verdade. Como você lida com ela?
PDS: Bem... Acabei por aprender a esperar cada vez menos, durante a minha existência. Sou... pode me chamar, sim, de teórico de teorias conspiracionais, porque, para mim, é como um título de honra. Não sei se você já percebeu, mas estou posto na mesma categoria do pessoal que pesquisa seres extraterrestres e abduções e coisa e tal. Para mim, é o meio que encontraram de não ter de argumentar sobre o que eu estou realmente investigando, descobrindo e publicando. Recebo a reação deles como uma espécie de homenagem ao contrário.
Não sei se compreendi bem a sua pergunta, mas se você perguntou como lido psicologicamente com o fato de não ser ouvido... Às vezes, na minha vida, foi muito difícil. De fato, lá por 1980, estava com um livro pronto para publicar, primeira edição de 250 mil cópias, já em impressão, sobre o assassinato de Kennedy. E meu editor cancelou a publicação; para mim foi horrível, caí numa espécie de depressão. Mas foi das melhores coisas que me aconteceram, porque daquela depressão comecei a escrever um poema-livro intitulado
Coming to Jakarta – que lida com a depressão e lida com o terror e lida com questões que estavam realmente me atormentando. O outro livro, que não foi publicado, não tem, nem de longe, a mesma importância, para mim, que Coming to Jakarta, que resultou do cancelamento do outro livro. Recebi a coisa toda como um golpe de sorte.
Vivo hoje um segundo casamento bem-sucedido, e me sinto amparado por pessoas como você, Lars, na Alemanha, e conheço também alguém que vive atualmente em Moscou; e tenho meu tradutor francês (Maxime Chaix). Todos são pessoas maravilhosas, e é um grande privilégio conhecer e trabalhar com vocês. E, porque sempre acreditei que a tarefa da minha geração seria lançar as bases do que um dia será uma opinião pública global, uma sociedade civil global, e acho que já começou a acontecer, nunca mais me senti deprimido.
É tudo ainda muito frágil, porque depende da Internet e a Internet é “brinde” que, assim como nos foi dada pode nos ser tomada pelo poder, e bem facilmente, e várias vezes é. Minha página em Facebook foi cancelada, num certo momento, não sei por quê, talvez até acidentalmente, porque estavam tentando pegar outra pessoa. Quero dizer: é tudo muito frágil, mas está funcionando. Pode ser suprimida... mas, qualquer coisa pode ser suprimida.
Creio firmemente na bondade essencial dos seres humanos e também creio que sempre houve governos péssimos, desde o começo do mundo, o que nos fez regredir várias vezes... É verdade, sim, que fizemos alguns progressos em alguns pontos, mas fizemos o oposto de qualquer progresso em outros aspectos, porque, hoje, os riscos de a humanidade se autodestruir são maiores do que eram há cem anos. Nisso, não houve progresso algum. Em meus livros de poemas costumo escrever que sou rematado idiota por insistir em escrever sobre política. Muitas vezes sinto-me como rematado idiota. Mas gosto do que faço, gosto de conversar com você. E vou levando.
Nota de rodapé[1] Dana PRIEST e William ARKIN:
Top Secret America: The Rise of the New American Security State, Little Brown, New York, 2011, p. 52.
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[*] Peter Dale Scott (nascido em 11/1/1929) é um poeta canadense, ex-diplomata e ex-professor de Inglês na University of California, Berkeley. É ácido crítico da política externa americana desde a época da Guerra do Vietnã. Scott foi um dos signatários, em 1968, do “Writers and Editors War Tax Protest”, no qual os participantes juraram recusar o pagamento de impostos, em protesto contra a Guerra do Vietnã. Passou quatro anos (1957-1961) no serviço diplomático canadense. Aposentou-se do corpo docente da UC Berkeley, em 1994.
Scott tem escrito sobre o papel do “Estado Profundo” (em oposição ao “Estado Público”) dos EUA rejeitando o rótulo de “Teoria da conspiração”. Usou a expressão “Política Profunda” para descrever suas preocupações políticas. Seu interesse pela história contemporânea transbordou em suas obras de poesia, algumas das quais contém notas marginais para explicar aos leitores que documentos ou eventos de notícias do mundo real estão sendo mencionados. Seu livro, The Road to 9/11 (2007), trata de contexto geopolítico de eventos que levam a
11/09, e argumenta que “como a política externa dos EUA desde a década de 1960 levou a encobrimentos parciais ou totais das infrações penais nacionais anteriores, incluindo, talvez, a catástrofe de 9/11”. Seus livros The Road to 9/11 e American War Machineestão disponíveis em francês sob os títulos La Route le Nouveau Désordre Mondial e La Machine de Guerre Américaine. Seus livros foram traduzidos para o francês, alemão, italiano, espanhol, russo e indonésio. Seus artigos foram traduzidos para 16 idiomas, incluindo o turco, árabe, persa, chinês e japonês.
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[*] Lars Schall é um jornalista alemão independente, especializado em Finanças e está na sua pauta a dimensão financeira das atividades da Agência de Segurança Nacional dos EUA e seus cúmplices bem como as implicações dessa espionagem nas negociações internacionais e as habilidades técnicas e tecnológicas colocadas à disposição das agências de inteligência. Particularmente discute a nazi-fascistização dos EUA.
POSTADO POR CASTOR FILHO
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