21 de Junho de 2011
John Reynolds
Fonte: Uruknet | Tradução de F.Macias
CARTA DE BASSORÁ: Os efeitos do urânio empobrecido podem ser vistos entre os jovens nos hospitais da cidade, onde os clínicos estão convencidos da sua ligação com o cancro e as deformidades.
Os arejados corredores, claros e modernos do novo hospital Laura Bush (!...) para crianças com cancro, de 101 camas e que orçou em 166 milhões dólares (116 m euros), estão a uma curta distância da maternidade Ibn Ghazwan pintada a cores mas envelhecida e do hospital pediátrico da cidade de Bassorá a sul do Iraque.
Eles dão um contraste invulgar à paisagem urbana castanha acinzentada, cujo ar poeirento e cheio de fumos atingirá este verão os 60 graus e é um dos mais poluídos do mundo.
O brilho e a cor poderiam estimular uma réstia de esperança no espírito dos pais aflitos, mas ambos os hospitais ainda carecem de máquinas e equipamentos de laboratório fundamentais para o fornecimento de radioterapia ou para diagnosticarem as numerosas causas que levam a que uma média de 10 bebés morra diariamente nas enfermarias da maternidade Ibn Ghazwan.
“Nós somos cegos”, diz o Dr. Ahmed Jafer, especialista de pediatria. “A nossa é a única unidade de neonatalogia desta região mas nós não podemos diagnosticar de imediato qual o problema que exactamente temos que tratar. As nossas crianças estão a morrer de desnutrição, diarreias, TB, meningites, leishmanioses, doenças crónicas do fígado, pneumonia, anemia e doenças de coração congénitas, sendo que todas se poderiam evitar fora do Iraque”.
Se juntarmos a isto a alta incidência de abortos espontâneos, até 40 abortos por semana, taxas de leucemia infantil que aqui mais que duplicaram desde 1993 até 2007 e a quantidade de tumores e deformações congénitas – falta de olhos ou de pernas, por exemplo – com que as crianças nascem, semanalmente, começamos apenas a ter uma ideia da escala do horror que tem punido as crianças de Bassorá; isto é, em muitos outros lugares do Iraque – desde as sanções da ONU contra Saddam Hussein que começaram durante a primeira Guerra do Golfo em 1991.
O Dr. Jafer e os seus colegas podem ser cegos metaforicamente. Mas a cegueira que Abu Felah Reyal de dois anos de idade tem no olho direito, no qual se desenvolveu um tumor que tem vindo a aumentar - é real. Ele foi submetido a quimioterapia no hospital Laura Bush, onde há muitos doentes vindos da Cidade de Missan, Zubair e Nasariyeh, que ficam a sul de Bassorá junto da fronteira com o Kuwait.
Mustafa Farej de quatro meses, que tem um tumor no fígado que lhe provocou uma dilatação no abdómen está também a fazer quimioterapia agressiva. Ele tem agora uma infecção no peito e a expressão do seu rosto é triste mesmo a dormir, numa cama num canto calmo da enfermaria.
Grandes cartazes com as caras sorridentes e felizes das personagens Disney – o Goofy, o Rato Mickey, o Pato Donald e amigos – decoram as paredes, testemunhas de uma forma um pouco surreal do destino destes pacientes.
A equipa de médicos graduados da linha da frente diz que as armas químicas, incluindo aquelas com urânio empobrecido (DU), foram usadas em grande extensão na região da fronteira durante as guerras Irão-Iraque e subsequentes.
O seu legado tóxico continuará a tirar a vida às crianças nos próximos anos.
“Pode-se encontrar vestígios dos efeitos do DU na urina dos doentes ou podem-se fazer biopsias para estabelecer uma ligação. Mas nós não temos os meios para fazer isso; não temos muitas dúvidas que o DU está ligado ao aumento de cancro e de deformidades. Constatamos também um aumento de infertilidade nos homens e nas mulheres, que é preocupante”, diz o Prof. Thamer Hamdan, decano do Medical College de Bassorá.
Tratar uma criança com leucemia custa mais de 200.000 dólares. No hospital Laura Bush 80% do custo dos medicamentos mais caros é comparticipado pelo Projecto Lâmpada Mágica de Aladino – uma pequena associação de solidariedade com sede em Viena – e seus parceiros europeus. De momento o governo iraquiano, através da direcção regional da saúde de Bassorá, cobre o restante.
A SaveThe Children e os seus financiadores estão também a dar aí assistência em formação de professores, educação, psicossocial, construção e sistemas de água e saneamento nas escolas.
Mas a equipa de médicos de Bassorá também aponta para uma falta de pessoas com habilitações de chefia e gestão que pudessem ser transmitidas a outros e que poderiam ajudar a melhorar as infra estruturas da saúde, água e saneamento.
De visita a um dos coloridos “espaços amigos das crianças “ da Save The Children, cerca de 40 rapazes e raparigas da localidade – que são geralmente segregados na escola – brincam e a riem uns com os outros numa sala de aula a cerca de uma hora de caminho dos pântanos fora de Bassorá.
Concebido para ser o local dos Jardins do Eden, os pântanos são um toque de verde na paisagem monótona do Iraque. E em Chibaysh, por entre as canas onde crescem em abundância, os girinos, esgana-gatas, avifauna e búfalos parecem estar a prosperar graças aos esforços de regeneração do governo e da comunidade.
Quando passamos um alto molhe de concreto, recentemente construído ao lado de um depósito comunitário, algumas crianças saltam lá de cima para as águas de um dos muitos canais de irrigação, de água clara e levemente esverdeada, que cruzam esta vasta área. Estes saltos para a água e risos podiam ser os sons do quotidiano de uma infância normal. Mas enquanto um legado venenoso das guerras passadas também aqui existir, eles são sons que muitas das crianças do Iraque nunca poderão conhecer.
A visita de John Reynolds e do cineasta irlandês Dearbhla Glynn a Bassorá foi patrocinada pela Save The Children.
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