1. A elite brasileira não gosta do “Império da Lei”.
O princípio básico da revolução burguesa, exemplificada pela Revolução Americana 1776 e a Revolução Francesa de 1789 era de que a Lei era universal e aplicável a todos os cidadãos: todos são iguais perante a lei. Esse discurso era fundamental porque se chocava radicalmente contra a lei personalista, variável e de relações pessoais do Antigo Regime. Em regimes nobiliárquicos, tipo feudal (Antigo Regime) as relações pessoais e de parentesco, quem você conhece e qual sua relação com o nobre poderoso local, são peça fundamental no funcionamento do Estado e da Sociedade. Se você é ‘amigo do Rei’, você está feito.
Não é preciso ser clarividente para ver que no Brasil, até os dias de hoje, as relações pessoais são mais importantes que as relações legais. A frase eternizada pelo Tropa de Elite: “Quem quer rir, tem que fazer rir”. A troca de favores “entre iguais” é fundamental para o “funcionamento da máquina”. Conhecemos outros termos ainda, como o QI, “quem indica”, o jabá da indústria musical, os favorecimentos, nepotismo e etc. É quase certeza científica que se você for parado numa blitz e por um acaso conhecer o tenente responsável, você sairá apenas com um aviso. Isso quando não precisa fazê-lo rir. Aliás, propina era parte da remuneração dos fiscais do rei durante o tempo colonial, estabelecido por lei real. O monarca pagava um salário baixo mas autorizava o fiscal a cobrar do fiscalizado uma bonificação. O fiscalizado por sua vez poderia recorrer ao rei caso fosse abusiva a taxa, mas o costume, a grosso modo, vem do Antigo Regime português, por intermédio da nossa colônia e da família real que para cá veio em 1808, justamente fugindo da cultura liberal-burguesa francesa.
O “Império da Lei” foi fundamental para o triunfo da cultura ocidental moderna e destruição da cultura feudal. Selou a tomada de poder pelos empresários, industriais e jogou os nobres senhores de terra, para escanteio. Sem “igualdade de todos perante a lei” seria impossível instituir o capitalismo moderno, enterrando as relações pessoais com a terra, o poder hereditário e o trabalho servil.
No entanto, como socialista, faço a nota de lembrar da Lei da Ponte: “é proibido tanto para ricos como para pobres, dormir em baixo da ponte”, vale também a sua releitura espetacular por Mano Brown, no vídeo abaixo. Ele fala de José Serra, mas na prática está falando do liberal-burguês clássico:
Mesmo com o evidente problema social da “igualdade para todos” quando na realidade uns são ricos e outros pobres, é inegável que o lema é progressista e enterra o regime feudal no passado. Não há poder legitimado por Deus, exceto para a Marina Silva ou George Bush, talvez.
Neste mesmo sentido, nossa elite rejeita também outro preceito pautado no Império da Lei burguês-liberal, uma das bases primordiais do mundo moderno: todos são inocentes até que se prove o contrário. Aqui se acusa em capa de revista mas se desculpa em nota de rodapé. A palavra da grande mídia, arauto já tradicional do pensamento elitista, vale mais do que a palavra do acusado. Da mesma forma que, no Antigo Regime, a palavra de um nobre valia mais do que de um servo. Um nobre sempre está certo, mesmo quando está errado.
Este tema ainda tem uma série de reveses, vou elaborar mais isso em outro artigo.
2. A elite brasileira rejeita o nacionalismo
O nacionalismo, enquanto momento cultural, é da mesma época do triunfo do Império da Lei (quem tiver tempo, vale leitura do “Nações e Nacionalismo” de Eric Hobsbawn). Nasceu após a queda do Antigo Regime. É até meio lógico: com a unificação da Lei, ocorreu a universalização da mesma (dentro das fronteiras já existente dos países) e dela veio a educação universal e a identificação de todos os cidadãos de mesma língua tanto com um poder central, como com uma identidade nacional, a pessoa se reconhece na medida que identifica a qual idioma não pertence.
Porém, o nacionalismo cultural só triunfa quando caminha com o nacionalismo industrial, capitalista. Quando o Estado, agora aberto aos industriais, empresários e profissionais liberais por causa do Triunfo da Lei, decide fortalecer a indústria nacional, criar escolas públicas e técnicas, universidades nacionais, barrar a entrada de dinheiro e até trabalhadores estrangeiros, procura instaurar pedágios unificados de fronteira exterior, força a proteção do comerciante nacional. O nacionalismo torna-se desta maneira, o caminho natural do capitalismo nacional. O nacionalismo é protecionista, falaremos disso adiante.
A elite brasileira não é nacionalista, ela é provinciana. Exemplos evidentes temos parte da elite gaúcha que sonha em ser independente, temos a elite paulista que sonha com o reino mágico do Tietê isolado, até parte da elite catarinense entra na onda também. É separatista. Mas mais do que isso: em todas as tentativas de fortalecimento do poder centralizador do Estado Republicano brasileiro as elites foram contra. O medo de perder o poder local para um agente forte centralizador e universalizador da Lei, torna as oligarquias locais renitentes ao aceitar o poder central. O fato de termos criado uma federação em 1889 é apenas exemplo. O Antigo Regime, feudal, é mister em oligarquias e poderes locais coronelescos, que muitas vezes ignoram o poder central. A república foi fundada neste espírito.
Nosso subdesenvolvimento associou quase que irremediavelmente as elites locais às estrangeiras. As elites nacionais sempre ganharam muito com relações econômicas com estrangeiros, nunca com as nacionais. A base exportadora, agrícola e importadora de bens manufaturados associou como unha e carne o latifúndio-exportador com o capitalismo inglês, francês e depois, americano. É natural portanto, que elas “olhem para fora” e não sejam nacionalistas e tentem, sistematicamente, lutar contra políticas nacionalistas.
Além disso, a nossa elite foi sistematicamente e culturalmente contra os nacionalistas de sua época. Floriano Peixoto é diminuído por vastos setores da elite “liberal” brasileira, não é raro ser chamado de vil ditador (numa época em que só existiam ditaduras no mundo); Getúlio Vargas então, apedrejado e execrado, tentou ser enterrado por FHC que chegou a proclamar “O fim da Era Vargas”; João Goulart, outro pró-capitalismo nacionalista, foi derrubado. Seu maior pecado, dizem, foi querer taxar remessa de lucros e movimentação financeira de estrangeiros no país. Não foi a toa que o Império Americano apoiou largamente sua derrubada.
Aliás, nossa ditadura atacou o “comunismo” do rico fazendeiro João Goulart em nome do “nacionalismo” dela. Na prática atacavam o nacionalismo econômico de Jango em prol de um nacionalismo político e entrega econômica aos desígnios do grande capitalismo internacional, americano em particular. Veio defender o latifundio agro-pecuário exportador contra a nascente burguesia brasileira, numa releitura das contra-revoluções oitocentistas na França. A ditadura veio destruir a estabilidade trabalhista, do pleno emprego em construção – hoje chamam este crime de “flexibilização do mercado de trabalho”; os militares logo atacaram os subsídios as ferrovias, aos trens e ao ônibus, o que agradou as montadoras internacionais e criou esse caos no transporte público; atacaram os financiadores de crédito ao empresariado nacional entre outras medidas “nacionalistas”, enfraquecendo bancos, abandonaram medidas desenvolvimentistas para adotar o monetarismo liberal. Essa prática levou a falência diversos setores do capitalismo nacional, até mesmo, os que produziam tanques para ela, como a Engesa. Não foi um militar, dois meses depois do Golpe de 64 que cunhou a célebre frase: “O que é bom para os EUA é bom para o Brasil”? Resume bem o nacionalismo deles.
Assim é compreensível a prática comum entre a elite brasileira de atribuir tudo de qualidade ao que é estrangeiro e tudo de ruim ao que é nacional. A rejeição é quase cega e se estende aos mais diversos setores, da música e tv, a política e economia. Do estrangeiro querem os bens de consumo e a esperança de um civilizador branco europeu, messiâniaco trazendo um pouco de cultura a nossa barbárie subdesenvolvida, para que possamos fazer passeios-safari em nossa savana urbana. Como seu método é falho, se contenta em importar um monte de coisas e viajar para a Europa civilizada como sempre fez durante todo o período colonial.
3. A elite brasileira rejeita o protecionismo
Qualquer estudante de história econômica sabe que um dos pilares fundamentais para a consolidação do capitalismo nos países centrais foi o protecionismo de sua indústria, de seu mercado. Livre Mercado só favorece quem é mais forte, é a lei da selva aplicada ao mercado. Omni bellum omni hobbesiano. Quando a indústria é pequena, inexistente, ou em fase de crescimento, o Livre Mercado a destrói. Historicamente todos os países capitalistas viveram fazes longas de protecionismo e proteção ao capitalismo nacional. Como disse o economista sul-coreano Ha-Joon Chang: ”No século 19 e nas primeiras décadas do século 20, os EUA foram o país mais protecionista do mundo. E uma vez que desenvolveram plenamente sua indústria, exigiram do resto que se convertesse ao livre comércio.”
Nossa elite está sempre em consonância com o capitalismo internacionalista “livre” dos países ricos. Livre Mercado isso, livre mercado aquilo, “excesso de proteção”, “excesso de Estado” são mazelas que temos de combater… Enquanto isso toda a Europa, que a classe média e a elite tupiniquins adoram visitar, é o centro mundial do protecionismo e do Estado Máximo.
A rejeição ao protecionismo é, reiterando, uma rejeição ao capitalismo nacional. Pois a única forma do capitalismo nacional se construir é com protecionismo contra forças superiores estrangeiras. Tem sido assim desde sempre. A rejeição a este princípio básico de economia nacional só fortalece quem sempre teve poder e o erdou da época pré-republicana, do Antigo Regime: ruralistas exportadores e uma pequena parte que se convertou em nobre-industrial (que são raríssimos). Seja representado pelo agro-negócio da soja, da pecuária de exportação, do frango de exportação (complexo Sadia-Perdigão), do minério de ferro da Vale. Isso não é indústria, no sentido capitalista do termo, é quase extrativismo exportador. Emprega pouco, não fortalece o mercado interno e torna o país escravo do mercado externo e do preço internacional das commodities. Exportação destes bens primários ou secundários, de pouquíssimo valor agregado é a base de economias subdesenvolvidas.
Nossa elite diz aceitar a competitividade, pois o dela está garantido, ela é a mais forte em nossa selva. Ela diz que protecionismo é assistencialismo, é sustentar a vagabundagem ou empresas falidas, é como o vídeo do Mano Brown lá em cima. São sempre os mesmos argumentos, há mais de 100 anos…
4. Nossa elite rejeita a educação como direito do cidadão
A universalização da educação pública e de qualidade é um pilar da civilização ocidental. Primeiro porque qualifica a mão-de-obra dos trabalhadores para a indústria nacional, segundo porque torna os cidadãos conscientes dos seus direitos e o adequa ao Império da Lei, o faz rejeitar na lei baseada nos costumes. Somente cidadãos educados podem ser instruídos numa constituição.
O uso utilitário e mercadológico da escola e universidade, consolidados a partir dos anos 90 é um forte exemplo disso. Quem nunca ouviu “Eu pago esta escola, eu quero isso e quero aquilo pro meu filho”. A educação deixa de ser um direito universal, para se tornar um privilégio e relação de consumo (serviço). Nunca houve um movimento partindo da elite e da classe média contra o sucateamento da Escola Pública. Enquanto ela pode pagar a escola, tá tranquilo… A geração de nossos pais, entre 40 e 70 anos, com raras exceções, estudou em colégio público. A privatização da educação enfraqueceu nossa cidadania, repito, transforma o direito a uma boa escola num privilégio de quem tem dinheiro. É a justiça e neutralidade que Mano Brown falou acima.
Todos os países ricos sem exceção tem ensino público de qualidade. Escolas públicas boas inclusive são disputadas por celebridades em cidades mais ricas como Nova Iorque, Paris e Berlim. Universidades públicas também. FHC, representante emblemático das elites estrangerizadoras, estudou em Sorbonne, uma universidade Pública. Enquanto isso, a UFRJ e os professores brasileiros, ele deixou sem aumento e jogada às moscas, sem aumento e com instalações caindo aos pedaços.
Educação é um direito do cidadão, deve ser pública e de qualidade. Pagamos impostos para isso.
5. Nossa Elite rejeita a Democracia Liberal
Basta ler nas entrelinhas para entender essa afirmação. Em todos o momentos que a democracia nacional deixou de seguir os interesses oligárquicos e internacionalizantes, a elite se mostrou golpista. Em 1932 foi assim quando São Paulo se rebelou contra o Estado centralizado; em 1951-54 também, contra Vargas, democraticamente eleito e reeleito; em 1964 foi assim contra João Goulart. Até Marechal Lott, um militar republicano, teve de conter os abusos anti-constitucionais da elite. Em vão. Em 1989 foi assim, todo tipo de mentira foi falado contra Lula, preferiram colocar o “caçador de Marajás” a aceitar outra derrota na democracia. Agora em 2010 também está sendo assim, prestes a amargar outra derrota nas urnas a direita elitista incita o ódio, seus arautos proclamam que a democracia está ameaçada e que o monstro PT-PMDB vai dominar a tudo e a todos. Stalin de saias ressurgirá em Dilma. Protejam suas crianças.
A “imparcialidade” dos veículos elitizantes nacionais são constatáveis em casos de clara afronta democrática praticados por ela, dentro da democracia. É sabido que FHC, desde que era ministro de Itamar, utilizou-se da Medida Provisória para governar. As MPs na prática eram decretos reeditáveis, não tão fortes quanto Decretos-Lei da ditadura mas extremamente fortes para o padrão democrático internacional. Esse oba-oba do executivo só acabou quando FHC saiu do poder e tornou a MP fraca e submetida de fato ao congresso, como sempre deveria ter sido. Nesse tempo não teve um só órgão da Impresa elitizante que questionou esse atentado a democracia.
Em outro caso, é explícito o caso do Engavetador Geral de República, Geraldo Brindeiro. A nomeação do Procurador Geral de República deveria ter por base a escolha democrática da Associação Nacional de Procuradores de República, que entrega os 3 mais votados para o cargo, como sugestão ao Presidente. Brindeiro foi nomeado por FHC sucessivas vezes a revelia desta votação. O caso porém, nunca pegou mal para FHC durante seu governo. Arquivar corrupção pode, isso nunca foi chamado de aparelhamento do Estado.
Nossa elite parlamentar deu outra amostra de sua rejeição a democracia liberal recentemente. Obrigou todos a levarem dois documentos para votar: “é proibido tanto para ricos instruídos quanto para pobres sem instrução levar dois documentos para votar”. A Lei Da Ponte de volta… E outra, mesmo assim, quando o pobre votou em massa na esquerda, no PT e PSB principalmente, a elite desclassificou com argumentos como “está votando em interesse próprio e não em interesse nacional”. Mas vejam, não é o próprio preceito liberal de que “a soma dos interesses individuais vai gerar o bem coletivo”, portanto, votar por interesse próprio é um argumento ideológico liberal-burguês. E nossa elite rejeita.
6. Nossa elite rejeita o Self-made-Man
Parece mentira, mas não é. O próprio cerne do capitalismo moderno é rejeitado em nossa cultura elitizante. Como pode-se afirmar isso? Basta analisar o comportamento das pessoas quando alguém obtém sucesso profissional. É muito comum ouvirmos “é indicação”, “fulano só está ali porque é filho de ciclano”, “ele é apadrinhado de fulano”. Enfim, nepotismo, apadrinhamento, indicação pessoal e laços de proximidade é que fomentam o mercado de trabalho da elite e classe média. Quando alguém consegue um negócio de sucesso é atribuído ou mesmo é fato, que o sucesso foi herdado de uma figura mais poderosa anterior, a hereditariadade. E isso é mais verdade ainda na política, raríssimos são os políticos proeminentes que não herdaram seu legado de uma figura anterior, pai, avô e etc. Aliás, o principal self made-man nacional, atualmente é execrado pela cultura elitizante nacional. Não estou falando de Eike Batista, que enriqueceu graças aos contatos do pai e se tornou um multi-bilionário, estou falando do nosso atual presidente.
Posso estar exagerando, mas Lula é dos mais importantes Self Made-man brasileiros e talvez do mundo contemporâneo. Começou como pobre, analfabeto, torneiro mecânico, virou administrador do sindicato e militante profissional do PT, sendo pouco depois eleito deputado federal por São Paulo, dali amargou 3 derrotas para presidente, sem desistir – marca clássica do Self made-man – até que se tornou presidente da república. Não é a toa que foi dezenas de vezes exaltado no exterior, possui inúmeros admiradores no “velho continente” e nos EUA. Ele fez um governo com boa aprovação, é extremamente respeitado lá fora até o próprio presidente Barack Obama afirmou: “esse é ‘o’ cara”. Sua ascensão e respeito exterior é indiscutível. Porém, nossa elite o execra como o Satanás disfarçado.
São raros os “self made-man” brasileiros, especialmente os exaltados pela mídia elitizante. Não obstante a cultura de tradição é quase onipresente, a capa da Veja acima, não nega.
Breve Conclusão
Se verificarmos que a nossa elite e todos que seguem sua mentalidade (vastos setores da “antiga classe média”), rejeitam “O Império da Lei”, o nacionalismo, o protecionismo, a educação universal, rejeita a democracia liberal pois não sabe perder, rejeita o self made-man, o Estado como consolidador da república e da Lei, enfim, todos os pilares políticos e culturais, fundamentais para o capitalismo. Podemos concluir que nossa elite rejeita o próprio capitalismo, pois não quer ter que pagar o ‘ônus’ de ter abandonado o escravismo de antigo regime e ter entrado no mundo moderno.
A elite brasileira quer ser eternamente subdesenvolvida e concentradora de renda, exatamente como sempre foi. Quer viajar a Paris e a Nova Iorque para estudar e voltar e ter cargo público ou político para mandar neste bando de incivilizados que temos aqui. Prefere servir o primeiro e reinar o terceiro do que aceitar o desenvolvimento.
A elite é de mentalidade nobre, nunca vai aceitar o capitalismo e o desenvolvimento nacional.
Nunca serão!
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