Pacificação das favelas do Rio abre novas perspectivas de trabalho para os moradores, que são treinados por indústrias como a Nestlé
Mersílvia de Souza diz que, por causa da idade, pretende se legalizar, pagando inclusive INSS
Com receio de que a falta de emprego nas favelas cariocas pacificadas ponha em risco os resultados obtidos pelas ações das forças de segurança do Rio, o governo do Estado está firmando parcerias com empresas dispostas a subir o morro, treinar a população e contratar.
Esse tipo de iniciativa é vista como uma forma de inserir no mercado de trabalho pessoas pouco capacitadas, que dificilmente conseguiriam um emprego por conta própria.
"A preocupação do governo é com aquele grupo que ficou desempregado. Há meninos que ficaram chutando lata, sem profissão. Se não dermos oportunidades a esses garotos, isso pode atrapalhar o processo de pacificação", diz a presidente da Companhia de Desenvolvimento Industrial do Rio (Codin), Conceição Ribeiro, que está em busca de empresas interessadas em recrutar nas comunidades que receberam Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs).
A primeira parceria foi fechada com a Nestlé, que levou uma equipe à cidade de Deus para ensinar técnicas de vendas.
No fim da capacitação, na semana passada, a empresa abriu inscrições para os interessados em vender sorvetes e outros produtos na comunidade. Maria José, uma das cerca de 70 pessoas que fizeram o curso, estava lá para se cadastrar.
"Quero ter dinheiro para que meus filhos não tenham que passar por tudo o que passei", diz a ex-moradora. Desde que o marido passou a consumir crack, ela sustenta sozinha três filhos e três netos, vendendo roupa íntima. "De cada R$ 1 mil vendido, fico com R$ 300", conta.
Com a expectativa de conseguir entrar para o grupo de agentes da Nestlé na Cidade de Deus, Maria José quer vender a casa onde mora na favela César Maia e comprar uma na comunidade pacificada.
Mão de obra feminina. Nas turmas abertas pela empresa na favela, as mulheres eram a maioria . Muitas delas, com experiência como domésticas, copeiras e auxiliares de limpeza, hoje estão na informalidade, vendendo produtos de porta em porta, como Mersílvia Vieira de Souza, 52.
"Pretendo me legalizar, pagar o INSS. A idade vai chegando e só peço a Deus que não tenha de depender de outras pessoas", diz a moradora.
À rede de clientes para quem vende cosméticos e sandálias, agora ela quer oferecer sorvetes e outros produtos alimentícios. "Aprendi a não chegar de cabeça baixa, preocupada. Para vender, tenho de chegar firme, de cabeça erguida", comenta, sobre as técnicas ensinadas no treinamento.
A próxima a fechar parceria pode ser a rede varejista de calçados Di Santini.
A Codin quer convencer a empresa a contratar moradores das comunidades para suas lojas e credenciar quem quiser vender os produtos porta a porta nas favelas.
Se para algumas empresas um dos principais incentivos a subir o morro é ter acesso a um mercado ainda inexplorado, outras veem nas favelas livres do tráfico uma importante fonte de mão de obra para suprir as vagas que estão sendo abertas com o crescimento da economia.
Treinamento. Para driblar a falta de qualificação, porém, é necessário investir em treinamento. Em parceria com o Instituto Municipal de Urbanismo Pereira Passos, o Sindicato de Hotéis, Bares e Restaurantes do Rio (SindRio) já recebeu cerca de 600 currículos em balcões instalados em oito comunidades pacificadas, desde junho do ano passado. Desse total, 400 moradores foram encaminhados para entrevistas.
"O grande problema com o qual temos nos deparado é a falta de qualificação, e isso está mais ligado à questão comportamental do que técnica", diz a coordenadora de Formação e Qualificação do SindRio, Carla Riquet.
Os cursos oferecidos pela entidade são gratuitos e os participantes ganham a passagem para se deslocar.
Nas próximas semanas, o SindRio dará início ao treinamento de uma turma de 40 moradores do morro Pavão-Pavãozinho, na zona sul do Rio, a pedido de empresários do polo gastronômico de Ipanema.
Eles querem reforçar as contratações de ajudantes de cozinha, garçons e auxiliares de hotelaria antes do Natal para dar conta da demanda de fim do ano.
Benigno Carcereri, consultor de recursos humanos da rede de lanchonetes Burger King no Rio, que contratou 150 pessoas por meio do programa do SindRio, conta que a possibilidade de recrutar nas favelas pacificadas acabou com a dificuldade de preencher vagas em algumas unidades."Isso nos deu uma ajuda enorme. Antes tínhamos uma dificuldade enorme para contratar pessoas para as lojas do Andaraí e da Barra da Tijuca", festeja Carcereri.
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