
Foto: Ramiro Furquim/Sul21
 Samir Oliveira
O diretor de redação do jornal francês Le Monde Diplomatique, Ignácio  Ramonet, acredita que a mídia deveria se posicionar claramente sobre a  linha ideológica e política que segue. Doutor em Sociologia e professor  de Teoria da Comunicação, o jornalista, que comanda um periódico  abertamente de esquerda, diz que não existe a tão aclamada neutralidade  da imprensa.
“Um jornal que diz que é objetivo é um jornal alinhado à direita e  que tenta esconder seu ponto de vista”, explica. Ramonet entende que os  veículos de comunicação deveriam deixar claras as posições políticas e  ideológicas que defendem. “Não tenho nada contra um jornal ser de  direita, acho interessante que existam. Mas que fique claro que  representa o ponto de vista dos empresários, da burguesia e da classe  conservadora”, aponta.
O jornalista esteve em Porto Alegre na semana passada para participar  das atividades do Fórum Social Temático e mesmo com uma apertada agenda  encontrou tempo para conversar durante meia hora com a reportagem do 
Sul21.  Nesta entrevista, ele analisa também o papel das esquerdas na crise  capitalista que assola a Europa e contrapõe a situação no velho  continente ao momento vivido pela América Latina. “A América Latina está  construindo o Estado de bem-estar social, enquanto na Europa ele está  sendo destruído”, compara.
 
Sul21 – O senhor escreveu o livro A tirania da comunicação. Quais os propósitos por trás da atuação jornalística dos grandes veículos e comunicação?
Ignácio Ramonet – O jornalismo está vivendo várias  crises. A primeira delas é a dominação pelos grandes grupos globais.  Esses grupos são multimídia, detêm televisões, imprensa escrita, rádios e  sites. E se comportam como atores da globalização, o que faz com que  não tenham a mesma relação direta com os leitores. A segunda crise  jornalística foi criada pela internet. Em muitos países, a imprensa  escrita está desaparecendo, sendo substituída pelos meios digitais. E aí  vem também uma crise econômica, porque o modelo de sustentação da  imprensa escrita não funciona mais. Caíram a publicidade e as tiragens.
Sul21- A internet não trouxe benefícios ao jornalismo?
Ramonet – O problema é que temos dois modelos – o  impresso e o digital – e nenhum deles funciona. Provavelmente, o que vai  prevalecer será o modelo digital, até porque a informática se aprimora  cada dia mais nos países em desenvolvimento. Uma consequência do advento  da internet é o que os cidadãos podem intervir muito mais do que antes.  O público não é mais passivo, hoje existe a possibilidade de comentar e  de difundir a informação. Isso também afeta o trabalho do jornalista,  que acaba possuindo um papel diferente, não está mais num pedestal. Não é  mais só o jornalista que fala. A relação hoje em dia é muito mais  interativa. Por outro lado, isso gera uma crise de identidade: se todo  mundo pode ser jornalista, o que é, de fato, ser jornalista? Onde está a  especificidade de um jornalista, se qualquer pessoa pode sê-lo?

Foto: Ramiro Furquim/Sul21
 Sul21 – A internet, com a força das redes sociais, está se  convertendo numa ferramenta efetiva contra o monopólio da informação  pela mídia tradicional?
Ramonet – O panorama está mudando. A internet pode  romper os monopólios? Sim, pode ser que seja possível. Mas não acredito  que se deva pensar que se alcançará uma fase de democratização da  informação. O que há é uma ilusão de democratização, já que hoje em dia  todos podemos produzir e difundir informação. Há uma noção de que  estaríamos nos auto-informando. Mas, na realidade, todos são auxiliados  pelas fontes centrais de informação. Então há uma maior participação das  pessoas, mas ainda existem os monopólios. E esses monopólios já  integram o Facebook, o Twitter e possuem suas páginas digitais. A  democratização existe, mas os monopólios não se enfraqueceram. No fundo,  o que está mudando é a defesa das pessoas contra a tentativa de  domesticação levada adiante pela mídia dominante. Do ponto de vista  ideológico, o objetivo dos grandes meios de comunicação é domesticar a  sociedade. Com as novas ferramentas digitais e com as redes sociais,  surge um modo de se defender disso.
Sul21 – Aqui no Brasil a mídia se diz imparcial e desprovida  de objetivos políticos. Nenhum jornal da imprensa tradicional se  qualifica abertamente como de esquerda ou de direita. O senhor, como  diretor do Le Monde Diplomatique, um jornal de esquerda, avalia que é  necessário haver maior transparência quanto à posição ideológica da  mídia?
Ramonet – Acredito que são os leitores que dão  identidade a um jornal. O jornal não diz “somos de esquerda”. Mas, sem  dúvida, a neutralidade não existe. Um jornal que diz que é objetivo é um  jornal alinhado à direita e que tenta esconder seu ponto de vista. Não  tenho nada contra um jornal ser de direita ou de centro-direita, pelo  contrário, acho interessante que existam. Mas que fique claro que  representa o ponto de vista dos empresários, da burguesia e da classe  conservadora. Não acredito que se possa dar a informação de maneira  objetiva. Existem fatos objetivos, mas o comentário sobre eles será  sempre diferente. E é importante que seja assim, desde que se jogue com  as cartas na mesa.
Sul21 – O governador Tarso Genro disse num evento do FST que a  esquerda precisa perder o medo da mídia e enfrentar temas que a  imprensa “mastiga de forma negativa”. É exagerada a cautela dos  políticos em relação à mídia?
Ramonet – Os meios de comunicação têm uma função  absolutamente indispensável numa sociedade democrática. Mas não são  partidos políticos e não devem pensar que o são. Se querem se  transformar em partidos, que se apresentem nas eleições. O papel crítico  da mídia é indispensável na democracia. Mas não podem confundir crítica  com oposição. Na América Latina muitos veículos de comunicação que têm  dominado a vida intelectual acreditam que são mais importantes que os  partidos políticos. Nesse continente, os latifundiários da imprensa são  os novos amos das consciências. Acreditam que podem domesticar a  população e não aceitam a autonomia do poder político.
Sul21 – O senhor entende que a esquerda não está conseguindo  propor alternativas ao capitalismo. A esquerda também é culpada pela  atual crise do sistema?
Ramonet – Claro que sim. A esquerda europeia, por  exemplo, não apenas não propôs nenhuma alternativa, como tem se prestado  a legitimar as políticas impostas pelo Fundo Monetário Internacional e  pelo Banco Central Europeu. A esquerda social-democrata, quando estava  nos governos, deu provas de sua incapacidade, até mesmo teórica, de  enfrentar essa crise. Não apenas é uma crise econômica, é também uma  crise das esquerdas.

Foto: Ramiro Furquim/Sul21
 Sul21 – E qual a alternativa, já que a esquerda tradicional não está dando conta?
Ramonet - Existem outros partidos de esquerda que  estão decididos a adotar políticas diferentes, por exemplo, mudando a  relação com o Banco Central Europeu, que não permite ajuda aos países.  Há partidos que dizem que se deve obrigar o Banco Central a ajudar, que é  preciso adotar uma política de estímulo, não apenas para reduzir o  déficit, mas para promover crescimento econômico. Mais ou menos como faz  Barack Obama nos Estados Unidos, e ele não é nenhum revolucionário. Mas  está promovendo uma política de estímulos, uma política neo-keynesiana e  não conservadora. Existem forças propondo uma mudança efetiva, mas elas  ainda não estão nos governos europeus.
Sul21 – Aqui no Brasil existem outros partidos de esquerda  que propõem ações não previstas no programa do governo federal. Mas  alguns deles defendem, inclusive, uma ditadura do proletariado. Até que  ponto é possível buscar alternativas mais à esquerda sem incorrer no  totalitarismo?
Ramonet – Não faz mais sentido falar em ditadura do  proletariado. A história já passou por isso. Hoje, qualquer alternativa  deve partir do respeito aos mecanismos democráticos. Quando eu falo de  outras esquerdas, não estou falando de esquerdas fora da esfera  democrática. A esquerda dentro da democracia é a única que interessa. É a  única que pode ser realista e que pode trazer soluções num panorama  totalmente democrático.
Sul21 – Como o senhor avalia o contexto político da América  Latina, mais especificamente da América do Sul, onde a maioria dos  países é governada pela esquerda?
Ramonet – Para muitas esquerdas no mundo, a América  Latina é algo que está funcionando. Aqui implementam políticas  originais. Não seguem os ditames do FMI, promovem políticas de  integração continental, de inclusão social e não de exclusão. A América  Latina está construindo o Estado de bem-estar social, enquanto na Europa  ele está sendo destruído. E, lá, as esquerdas participam dessa  destruição. A América Latina, pela primeira vez na história, aparece  para toda a esquerda mundial como uma prática na qual podem se inspirar.
Sul21 – Pode surgir daqui uma saída para a crise capitalista?
Ramonet – A América Latina está num período de  construção do Estado de bem-estar e de classes médias. É a mesma  situação que viveu a Europa após a Segunda Guerra Mundial. A América  Latina lembra a Europa que o Estado é um ator importante, não somente os  mercados. Na Europa os mercados governam e os estados e a política não  conseguem se impor. E a América Latina lembra o mundo inteiro que a  política ainda vale, que os dirigentes políticos ainda valem e que, por  consequência, a política e as eleições ainda têm sentido. Na Grécia, na  Itália e na Inglaterra os jovens se revoltam. Estão indignados, porque  consideram que os políticos não fazem nada e são cúmplices das soluções  propostas pelos mercados. A América Latina mostra ao mundo que é  possível o Estado se impor aos mercados.

Foto: Ramiro Furquim/Sul21
 Sul21 – Mas há diferenças entre as esquerdas que governam na  América Latina. Venezuela, Bolívia e Equador intensificam reformas e  mudanças anticapitalistas que países como Brasil, Argentina e Uruguai  não parecem dispostos a implementar.
Ramonet – Essa suposta oposição entre as esquerdas  na América Latina é muito mais uma invenção dos meios de comunicação  ocidentais, que têm interesse em criar oposições artificiais. É evidente  que cada país é diferente, mas globalmente todos estão fazendo  políticas de inclusão social. Cada um com seus métodos, mas estão  construindo o Estado de bem-estar e uma democracia participativa. Tudo  isso tem muito mais semelhanças do que diferenças. É claro que há  diferenças, mas não há oposição. Toda a América Latina vai pela primeira  vez na mesma direção, isso é muito importante..
Sul21 – A Europa está dominada hoje por governos  conservadores. Inglaterra, Alemanha, França, Grécia, Itália e Espanha  são governados pela direita e implementam soluções reacionárias e  autoritárias para sair da crise. Este ano tem eleições na França, se a  esquerda vencer o país pode se tornar uma luz no fim do túnel europeu?
Ramonet – Se essa esquerda que tem possibilidade de  ganhar as eleições se comportar de maneira diferente da esquerda que  estava no poder na Grécia, na Espanha, em Portugal… Se agir da mesma  forma, não haverá nenhuma mudança. É bem provável que François Hollande  (do Partido Socialista) possa ganhar a eleição. Fará uma política  diferente? Muitas pessoas desejam isso. Mas será que ele poderá fazer  algo diferente? Os mercados permitirão? A Alemanha permitirá? Não  sabemos. O que é seguro dizer é que se a França muda sua política de  maneira racional, mas atrevida, terá uma grande influência no mundo  inteiro e na Europa. E isso pode mudar as coisas, inclusive numa aliança  com a América Latina.