Pepe Escobar |
25/1/2012, Pepe Escobar, Asia Times Online
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Ninguém nunca perdeu dinheiro apostando na imbecilidade dos políticos da União Europeia (UE). E se você vive de vender petróleo, rejubile-se – no caminho para o banco; os ministros de Relações Exteriores da EU, como se esperava – obedecendo servilmente ao governo de Barack – deram luz verde a um total embargo do petróleo iraniano.
O embargo aplica-se não só a novos contratos, mas também a contratos existentes – que perderão a validade dia 1º de julho, e inclui sanções extras contra o Banco Central do Irã e exportações de petroquímicos para a UE.
É crucial lembrar que o embargo – declaração de facto de guerra econômica – for proposto/imposto pela primeira vez pelo neonapoleônico presidente da França, o “libertador da Líbia”, Nicolas Sarkozy. A desculpa oficial da UE para a guerra econômica foi “sérias e profundas preocupações quanto ao programa nuclear iraniano”.
De nada serviu o aviso de Moscou, para que a UE parasse de agir como mero peão de Washington – porque a UE outra vez acertou o tiro no próprio pé calçado em sapatos Ferragamo. Os russos sabem tudo que há para saber sobre como esse embargo pode sair horrivelmente pela culatra.
A UE defende sua estratégia – ou sua guerra econômica – como o único modo de evitar “o caos no Oriente Médio”. Mas a guerra econômica, isso sim, pode acabar por fazer explodir a guerra total que pretende estar evitando; há uma coorte de consequências não desejadas, esperando nas coxias.
O que nos leva diretamente ao drama do Estreito de Ormuz. Teerã disse repetidas vezes que fecharia Ormuz, se – atenção – e somente se o Irã fosse impedido de exportar seu petróleo. Seria golpe mortal contra a economia iraniana – totalmente dependente das exportações de petróleo – para não falar do destino do regime controlado pelo Supremo Líder Aiatolá Ali Khamenei. A mudança de regime. Eis a verdadeira agenda de Washington e de seus poodles europeus (ver “O mito do ‘Irã isolado’”, 19/1/2012) – mas não se pode contar nesses termos, à opinião pública global.
Dos cinco principais importadores de petróleo iraniano, quatro estão na Ásia; dois são BRICS (China e Índia); e Japão e Coreia do Sul, aliados dos EUA. Pode-se argumentar que todos esses importadores culparão os americanos/europeus por suas provocações (de fato, alguns já os estão culpando), caso o Irã considere bloquear – ou ativar cadeias de minas – no Estreito de Ormuz.
A União Europeia, por sua vez, importa cerca de 600 mil barris de petróleo por dia, do Irã; é cerca de 25% das exportações diárias do Irã, de 2,6 milhões de barris. O maior importador da União Europeia é a Itália. Outros importadores chaves são Espanha e Grécia. Todos esses países Club Med estão hoje, para dizer o mínimo, a braços com profunda crise econômica.
A União Europeia insiste em repetir pelos “especialistas de jornal” sua abordagem “de duas mãos”, em relação ao Irã. Se se remove a cobertura dos discursos de “especialistas de jornal”, a tal “abordagem de duas mãos” traduz-se, na prática, como “calem o bico, curvem-se às nossas sanções, parem de enriquecer urânio e sentem-se para negociar nos nossos termos”.
Assim, quando a chefe da política exterior da União Europeia – Catherine Ashton, um fenômeno de inocuidade – põe-se a discursar sobre a “validade da abordagem de duas vias”, diplomatas sérios em todo o mundo em desenvolvimento só podem interpretar a coisa pelo que a coisa é: piada. Não é exatamente um incentivo para que o Irã retome as negociações nucleares com o Grupo “Irã Seis” (membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU, EUA, Grã-Bretanha, França, Rússia, China, mais Alemanha).
Enquanto isso, o Deus dos poodles europeus – o governo Obama – aplica todos os tipos de pressões sobre as potências asiáticas para que parem de comprar petróleo do Irã. Delírio. Para todos eles – incluindo Japão e Coreia do Sul – tudo continua como sempre foi: business. E eles precisam do petróleo do Irã mais do que o ocidente.
Até a British Petroleum (BP) – poluidora máster do Golfo do México – já pediu ao governo Obama para ser excluído das sanções. Tudo isso tem a ver com um capítulo chave do Oleodutostão – o desenvolvimento do imenso campo de gás Shah Deniz II, no Azerbaijão.
Não há meio pelo qual a Europa possa beneficiar-se do gás do Mar Cáspio, sem investimento gigante de $22 bilhões para desenvolver o campo Shah Deniz II – do qual o Irã participa com 10%. Shah Deniz II deverá ser essencial para abastecer o oleoduto Nabucco – se algum dia chegar a ser construído. O Nabucco contorna uma aliada estratégica do Irã, a Rússia – a qual mantém controle sobre todo o abastecimento de gás para a Europa, motivo, aliás, de infindáveis lamentações dos próprios europeus, em Bruxelas.
Se o Irã bloqueia a coisa, o negócio morre. Então, temos aí a situação surrealista de o “grande petróleo” britânico – representado pela BP – já estar implorando que os EUA o excluam das sanções, ou toda a segurança energética da Europa estará ameaçada. Acontece que a Grã-Bretanha também é inimiga implacável do regime de Teerã, mas depende do Irã para “salvar” a Europa das garras da (russa) Gazprom. Não, vocês não fazem ideia!
A City nunca dorme
O nome do jogo no Irã sempre será mudança de regime, porque o sonho erótico diário de Washington e dos poodles europeus é passar a mão no fabuloso petróleo (12,7% das reservas globais) e no rico gás iranianos. E fato é que aquela riqueza cada vez mais beneficia a Grade de Segurança Energética da Ásia – não do ocidente.
Os gigantescos campos de Azadegan Norte e Sul – 26 bilhões de barris – estão sendo explorados (e quem seria?!) pela China: a China National Petroleum Corporation está desenvolvendo os dois campos, investindo $8,4 bilhões em dez anos. Quanto ao campo de Yadavaran, está sendo desenvolvido pela China Petroleum & Chemical Corporation; em quatro anos, estará produzindo quase 200 mil barris/dia. E, isso, ainda sem falar do maior campo de gás do planeta – South Pars, do qual grande parte está em território iraniano (e estende-se por território do Qatar).
E há também o front crucial dos petrodólares. Dominique Strauss-Kahn (DSK), pouco antes de ser obrigado a renunciar da presidência do FMI, envolvido num escândalo sexual, andava insistindo no fim do dólar norte-americano como moeda de reserva mundial; já propusera, em substituição ao dólar dos EUA, que o FMI operasse uma moeda virtual – que incluiria o dólar dos EUA, o euro, a libra, o yen e o yuan.
Ora, ora... Já está quase acontecendo, por outros meios! Avisem lá o eixo Washington/Bruxelas, que está dormindo ao volante: China e Índia já estão furando as sanções de EUA/UE contra o Irã.
Os três países BRICS (Rússia, Índia e China), mais Japão e Irã – mistura sacrossanta dos maiores produtores e consumidores de energia do planeta – já estão quase negociando, ou a poucos passos de começarem a negociar, em suas próprias moedas nacionais. Rússia e Irã já estão negociando em rials e rublos. Todas essas potências têm acordos bilaterais – avançando inexoravelmente para acordos multilaterais; o que, traduzido, significa que o dólar vai deixando, aos poucos, de ser moeda internacional de reserva, com todas as consequências sísmicas que isso implica.
É como se o mundo, boquiaberto, estivesse assistindo a um seppuku ritual em câmara lenta, cometido pelo ocidente dominado por Washington.
Há ainda a auspiciosa cereja, nesse bolo do Ano do Dragão: outra Bolsa de Valores instalada na City de Londres, que negociará em yuans. Pequim quer – e a City londrina quer muito. Teerã já vende petróleo para Pequim em yuans. Então é o seguinte: o Irã usando a bolsa estrangeira na City de Londres, para negociar seus yuans; e mantendo perfeito acesso aos mercados globais – por mais que EUA/UE encenem suas avalanches de sanções/embargos.
Obviamente, os players na City sabem que a bolsa de “livre comércio” em yuans em Londres, pode implicar vantagem para o Irã; mas, ao contrário daqueles panacas em Bruxelas, os jogadores da City de Londres sabem que business é business.
Nota dos tradutores
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