sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

Risco de guerra regional: a Síria não é a Líbia 24/02/2012

Marco Vicenzino
TENDÊNCIAS/DEBATES

Na Síria, há risco de um conflito por procuração entre Estados sunitas e uma coalizão xiita liderada pelo Irã; crise pode atingir Líbano, Iraque e Israel

Com a Síria já mergulhada em uma guerra civil, é necessário ter atenção para impedir um banho de sangue sectário e o transbordamento do conflito para o resto da região.
Conforme a violência aumenta dramaticamente, o passo inicial lógico é uma coalizão de atores internacionais. Apenas através de um esforço coletivo será possível enfrentar a crise de modo mais efetivo.
Tal agrupamento precisa ser cuidadoso. A realidade lamentável é que um impasse sangrento e prolongado na Síria pode se arrastar por tempo indeterminado. Especialmente se o país se converter no campo de batalha central de uma mais ampla guerra regional por procuração, entre os Estados de maioria sunita e uma coalizão de forças xiitas lideradas pelo Irã.
Francamente, a Síria não é a Líbia. Política, diplomática e militarmente, a crise síria é muito mais complexa e menos possível de ser contida que a da Líbia.
É pouco provável que mais negociações no Conselho de Segurança da ONU rendam dividendos concretos. Mesmo assim, a comunidade internacional tem a obrigação de tentar encontrar maneiras de reduzir a violência.
A dança diplomática do regime Assad praticamente já terminou. Agora, cada vez mais, o regime, que ainda conserva poder de fogo avassalador, vai contar com o impacto total de sua máquina de guerra.
A insurgência crescente vai continuar a atrair desertores do exército e cidadãos comuns, com violência crescente.
A Síria corre o risco de converter-se em uma colcha de retalhos de encraves sectários. Para sua própria sobrevivência, o regime de Assad fará uso implacável de todos os meios necessários para explorar as divisões entre seus opositores.
Voluntários e simpatizantes experientes e endurecidos na batalha, vindos de toda a região e de fora dela, vão, cada vez mais, unir-se às fileiras da oposição para proteger os seus irmãos étnicos ou religiosos. Assim como o Iraque atraiu combatentes estrangeiros, a Síria também o fará -mas em escala muito maior e mais violenta.
A Liga Árabe está desempenhando, com legitimidade, iniciativas diplomáticas cruciais durante a crise.
Ela precisa conservar seu ímpeto como voz regional representativa. Logisticamente, porém, é a Turquia que fará a maior diferença em campo na Síria. Suas dimensões, sua influência e a sua extensa fronteira com a Síria tornam isso inevitável. Na coalizão emergente de Estados que se opõem ao regime de Assad, o papel da Turquia é indispensável.
Cada um dos vizinhos da Síria enfrenta desafios semelhantes, mas diferentes. O Líbano, pousado sobre o fio de uma navalha, continua a ser um mosaico sectário frágil. É um constante barril de pólvora que pode explodir a qualquer momento. O país corre o risco de ser tragado para dentro do conflito sírio.
Dispondo de recursos limitados e desafios internos crescentes, a Jordânia pode estar sujeita a mais uma onda de refugiados. Os exilados sírios podem acabar se unindo a incontáveis palestinos e iraquianos que já se radicaram no país.
A fronteira porosa que a Síria tem com o Iraque oferece um convite aberto a forças indesejáveis de todos os tipos, que podem se juntar ao conflito. Ademais, o transbordamento da crise síria pode aumentar mais ainda as rivalidades internas do Iraque, potencialmente superando a violência de 2006 e 2007.
A estabilidade regional ficará ainda mais exposta se o regime Assad acabar precariamente equilibrado à beira do abismo.
É possível que surja o padrão clássico de atacar inimigos externos para desviar as atenções das dificuldades internas. Provocar Israel continua a ser uma carta perigosa mas potencialmente útil, especialmente se um confronto em torno do programa nuclear iraniano se aproximar.
Uma eventual mudança de regime na Síria vai redesenhar toda a paisagem geopolítica do Oriente Médio. Além disso, ela representará a mudança mais dramática em décadas no equilíbrio de poder da região. Tudo considerado, a crise real ainda não começou para valer.

MARCO VICENZINO, 41, analista político diplomado pela Universidade Oxford e pela Escola de Direito de Georgetown, é diretor do Global Strategy Project, consultoria de risco político global e negócios

Tradução de CLARA ALLAIN

Nenhum comentário:

Postar um comentário