sexta-feira, 30 de março de 2012

Espanha: As razões para a greve geral 30/03/2012

A paralisação nacional foi mais do que justificada como resposta às políticas que estão a ser realizadas pelo governo conservador de Espanha. Por Vicenç Navarro
A greve geralé também a continuação de uma longa história para recuperar a democracia e o bem estar da cidadania. Foto de J. Cortello
Olhe-se como se olhar, muitas das políticas públicas do governo do Partido Popular têm como objetivo diminuir os salários e reduzir a proteção social. Tal objetivo justifica-se com o argumento de que há que recuperar a confiança dos “mercados financeiros”, temerosos de que o elevado défice do Estado espanhol impossibilite o pagamento dos juros da dívida pública, criando um grave problema para o Estado, pois não poderá conseguir dinheiro emprestado aos tais mercados para realizar as suas funções.
Esta justificação adquiriu a dimensão de dogma, imposto pelas autoridades que regem a Eurozona e a União Europeia. Na realidade, as tais autoridades já nomearam um supervisor para instruir o governo espanhol sobre quando e como alcançar esses objetivos, convertendo a Espanha num protetorado, com uma escassa soberania e capacidade de decisão nacional. Tal argumento requer para a sua sustentabilidade que a população creia que essas medidas, que são altamente impopulares, são necessárias para recuperar o seu bem estar, apresentando-as como as únicas possíveis.
O que a cidadania deveria conhecer (e não é fácil que conheça, devido à escassíssima diversidade ideológica existente nos meios de informação e persuasão do país) é que cada um dos pressupostos que sustêm a tal justificação é erróneo. A evidência científica amplamente disponível mostra os seguintes factos:
- A falta de confiança dos chamados mercados financeiros para com a economia espanhola não se deve, neste momento, ao “excessivo défice” ou à “excessiva dívida pública” (mais baixa que a de Alemanha), mas ao escasso crescimento económico, que piorará com as medidas dos cortes da despesa pública (incluindo a despesa pública social) e do emprego público, e com a redução dos salários. A evidência de que tais medidas piorarão a situação económica é esmagadora. Passou-se na Grécia, está a passar em Portugal e acontece também em Espanha.
- Os juros da dívida pública são altamente influenciados pelo comportamento do Banco Central Europeu (BCE), o qual é, na realidade, mais um lóbi da banca do que um banco central. O BCE está a ajudar massivamente a banca europeia (incluindo a banca espanhola) à custa de não ajudar os Estados. Se o Banco Central Europeu fosse um banco central, Espanha e os outros países periféricos da Eurozona não teriam o problema que têm em poder vender dívida pública, pois esse banco compraria tanto quanto fosse necessário para baixar os seus juros. Ora bem, o facto de o Banco Central Europeu não intervir e ajudar os Estados comprando dívida pública diretamente, é precisamente para beneficiar os bancos. A prova de que isto é assim é também esmagadora.
- Na realidade, o elevado desemprego de Espanha não se deve, nem às “supostas” rigidezes do mercado de trabalho, nem à “excessiva” proteção social. Espanha foi, em 2011, junto com os EUA e a Irlanda, o país onde proporcionalmente se despediram mais trabalhadores, tanto fixos como temporários. E a despesa pública social por habitante é a mais baixa da UE-15 (grupo de países com o nível de desenvolvimento económico semelhante ao espanhol). A evidência científica de que os cortes sociais e as reformas do mercado laboral não só não criaram emprego como o destruíram é contundente e esmagadora.
A pergunta que o leitor fará é: então, porque é que o Partido Popular faz tais políticas? A resposta é: os interesses que representam – a banca e o grande patronato – estão a ser beneficiados com estas políticas. Na realidade, estão a conseguir o que sempre tinham desejado. Estão a utilizar a crise que eles criaram (e muito especialmente, a banca) para alcançar o que sempre quiseram, quer dizer, baixar os salários, diminuir a proteção social e privatizar o Estado do Bem Estar. E estão a fazê-lo sem que houvesse mandato popular. Na realidade, tinham negado que fariam cada uma das medidas que agora estão a implementar. Este insulto democrático deve ser denunciado em democracia. E a maneira de responder é com uma greve geral.
Uma última observação. Não é por acaso que os países que têm maiores problemas económicos e financeiros na Eurozona são aqueles que foram dominados, por períodos muito longos da sua história, por forças conservadoras: Grécia, Portugal e Espanha. Nestes países, os Estados foram influenciados, em grande medida, pela banca, o grande patronato e as grandes fortunas, o que explica a regressão das suas políticas fiscais e a grande fraude fiscal. Segundo os técnicos da Agência Tributária do Estado espanhol, 72% de toda a fraude fiscal em Espanha é realizada por estes grupos, cuja influência sobre o Estado é enorme. Esta situação explica a pobreza do Estado espanhol (tanto central, como autonómico e municipal), a sua dívida pública e o subdesenvolvimento do seu Estado do Bem Estar. São estas mesmas forças financeiras e económicas que agora estão a impor essas políticas, com o apoio das elites governantes da zona Euro. Daí que uma greve geral seja também a continuação de uma longa história para recuperar a democracia e o bem estar da cidadania, denunciando os responsáveis, dentro e fora de Espanha, do seu escasso desenvolvimento social.
Vicenç Navarro é professor de Ciência Política na Universidade Pompeu Fabra, em Barcelona, e ex-professor de Economia na Universidade de Barcelona. É direor do Observatório Social de Espanha, um centro de investigação sobre qualidade de vida.
Tradução de António José André para o Esquerda.net

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