- Categoria: Internacionalização de Cidades
- Publicado em Terça, 20 Março 2012 14:42
- Escrito por Rafael Silva
A literatura que toma as cidades como objeto de estudo é demasiadamente vasta e é tocada por contribuições dos mais diversos campos científicos. O resultado dessa grande quantidade de estudos é a incorporação de conceitos contemporâneos e repaginação de velhos conceitos, gerando assim uma grande quantidade de termos que muitas das vezes perderam ou não possuem uma relação direta com a realidade .
Witold Rybczynski (1996) é o protagonista de um dos mais replicados conceitos acerca das cidades. Seu conceito é tridimensional e contempla as dimensões material, social e de fluxos, já que entende as cidades como artefatos criados pelos homens, no tempo, no espaço e na organização da vida em comum.
Ao contrário de Rybczynski, o conceito de Max Weber (1982) se tornou amplamente aceito devido ao seu caráter mais específico, uma vez que faz referência à cidade como uma localidade, independente do tamanho. Ainda que Weber considere a cidade uma aglomeração na qual a maioria dos habitantes vivem do comércio e da indústria e não mais da agricultura, ele apresenta ressalvas que a cidade é, acima de tudo, fruto de dinâmicas que compõem a vida cotidiana e, portanto, está além da relação comercial.
O dilema da origem das cidades consegue ser ainda maior que o dilema dos conceitos. São vários os autores que apontam os burgos da Idade Média como projeteis das primeiras cidades por darem margem à idéia de um espaço fechado que abriga em seu interior habitantes. Outros preferem correlacionar à origem das cidades com o surgimento do termo urbano que é normalmente ligado ao comportamento das cidades atuais que se opõem à tudo aquilo que seja rural. E por fim, existem aqueles que acreditam que as cidades se desenvolveram a partir do surgimento do conceito cité, palavra francesa usada anteriormente para denominar lugares em que se exercia o poder político, como aqueles regidos por um bispado, ou os lugares em que se concentravam o poder econômico.
No entanto, ao longo da história, percebe-se que alguns conceitos e perspectivas que tentam remontar à origem das cidades importam mais que outros. Exemplo disso é a relevância que os conceitos de dimensão econômica ganham a partir do século XIV na Europa Ocidental, quando as cidades passam a ser vistas como verdadeiros centros comerciais e se transformam em espaços mais funcionais onde o mercado, as mercadorias e os mercadores são elementos preponderantes.
Nos séculos XVIII e XIX as cidades passaram a ser influenciadas pelos impactos das Revoluções Industriais e o conceito de cidade industrial ganhou mais visibilidade assim como atualmente acontece com o conceito de cibercidades ou cidades informacionais devido aos grandes avanços tecnológicos nos processos informacionais e no campo das telecomunicações e dos transportes.
O conceito de cidade global, no entanto, não remete ao um dado período histórico. Ele não nasce da incorporação de novas funções às cidades enquanto espaço físico e sim da observação do aumento no escopo de influência das dinâmicas das urbanas, que passam a transcender o local e começam a implicar as dinâmicas globais.
Esse conceito surge pela primeira vez no livro Cities in Evolution do autor escocês Patrick Geddes que atenta para a cidade como uma região economicamente preponderante do Estado-Nação conectada à outras cidades do mundo de forma a, como afirma Hall , “manifestar os interesses políticos e econômicos do governo nacional” (1966, 1984 apud. Malta; Salomón, 2008).
Mesmo que Geddes tenha sido o primeiro, foi Hall quem ficou conhecido como o pai do conceito de cidades globais por ter incorporado ao termo aspectos que ganharam relevância e aplicabilidade direta.
Para Hall as cidades
“são centros de poder político, tanto nacional como internacional, e de organização governamental; centros de comércio nacional e internacional, agindo como entrepostos para seus países e às vezes para países vizinhos; ainda, centros bancários, de seguros e serviços financeiros em geral; centros de atividade profissional avançada, na medicina, no direito, em estudo avançado, e de aplicação de conhecimento científico na tecnologia; centros de acúmulo de informação e difusão através da mídia de massa; centros de consumo, sejam de artigos de luxo a uma minoria ou de produtos de produção em massa; centros de artes, cultura, entretenimento e de atividades auxiliares relacionadas”. (Hall, 1997 apud. Malta; Salomón 2008, p.01 ).
Hall, talvez, realmente mereça tal título por ter sido fonte da qual beberam muitos outros autores que, devido aos eventos internacionais das décadas de 1970 e 1980, (crises econômicas, robustez dos temas sobre interdependência na agenda internacional, etc.) ao pontuarem sobre as cidades globais, continuaram dando ênfase à questão econômica. John Friedmann e Wolf argumentaram que as “cidades globais são os centros controladores da economia global e a emergência da cidade global está acompanhada da emergência do sistema global de relações econômicas” (Lin, 2008 apud. Malta; Salomón, 2008 p.02), enquanto Manuel Castells apontou para uma nova rede global com grande grau hierárquico em que Londres, Nova Iorque e Tóquio estariam no topo da pirâmide (Castells, 1989).
Contudo, estes conceitos se mostram fracos quando confrontados com alguns fenômenos contemporâneos, para os quais o conceito de cidades globais ainda não atentou ou se o fez, acabou por fazer de maneira mínima. É importante e imprescindível ressaltar que as cidades continuam sendo o espaço mais propício para o desenvolvimento humano, sobretudo o de cunho econômico, já que constituem elementos centrais da economia internacional e dos fluxos financeiros, no entanto, elas também alcançaram progressos em sua atuação política externa e apesar da evolução nas discussões acerca do conceito de cidade global, o viés político foi pouco contemplado. Trata-se de um processo que sai do circuito Londres, Nova York e Tóquio para acrescentar o circuito Barcelona, Québec e Belo Horizonte.
A proposta de um novo conceito de cidade global tem que, necessariamente, levar em consideração a existência de organismos internacionais exclusivamente formados por atores subnacionais que atuam tanto globalmente, como é o caso da Cidades e Governos Locais Unidos (CGLU), do Centro Iberoamericano de Desenvolvimento Estratégico Urbano (CIDEU) e a Rede Metropolis, quanto localmente, como é o caso das Redes Mercocidades e Eurocidades, além dos processos e políticas de irmanamentos entre cidades que pulverizam as relações internacionais dos entes subnacionais que também conquistaram um espaço de diálogo no âmbito da Organização das Nações Unidas, o UN-HABITAT. Essas organizações e projetos de integração local são novas ferramentas, que igualmente ao comércio, permitem a internacionalização das cidades.
Estas ferramentas apresentam um alto grau de complexidade quando são tomadas como fenômeno de Relações Internacionais por vários motivos. Entre eles, é possível citar aquilo que se entende por cooperação descentralizada internacional que, como salienta Hafteck (2003), “consiste em uma relação substancial colaborativa entre governos subnacionais de diferentes países, visando um desenvolvimento local sustentável que implica em algumas formas de trocas e suportes conduzidas por estas instituições ou outros atores locais”.
A cooperação descentralizada internacional por ter como ação principal a defesa das vontades políticas dos governos locais em âmbito internacional sem que haja, na maioria das vezes, a interferência do Estado é algo bastante polematizado. Por esta prática, as cidades repetem funções entendidas como exclusivamente pertencentes ao Estado, considerado único ator detentor da soberania e único representante dos interesses de seus cidadãos em escala global.
Independentemente das questões jurídicas internacionais, a cooperação descentralizada é uma realidade na esfera política de inúmeras cidades e cada vez mais consolida-se como um instrumento exitoso para o intercâmbio de boas práticas na perspectiva do desenvolvimento local nas áreas de saúde, trânsito, sustentabilidade, educação, infra-estrutura, tecnologia da informação entre outras. Deste modo, não flexibilizar o conceito de cidades globais para que também conceitue cidades que a praticam pode ser um erro cuja conseqüência é a negligência da atuação global de cidades como Belo Horizonte e Barcelona, ícones para a cooperação descentralizada internacional, que não pautam suas ações internacionais num viés puramente econômico, viés este que atualmente orienta a maioria dos teóricos que estudam o conceito de cidades globais.
Referências
> Castells, M. The Informational City: Information Technology, Economic Restructuring and the Urban-Regional Process. Oxford: Basil Blackwell. 198
> Hafteck, Pierre. An Introduction to Decentralized Cooperation: Definitions, Origens, and Conceptual Mapping. Public Administration Development. 2003. pp. 333-345.
> Lin, P. Y. Global City Review: Hong Kong as a Global City. Acesso em 10 de Março de 2008, disponível em Social Science Research Tomorrow: http://ssrn.com/abstract=1101011. 2008.
> Malta, Fernando; Salomón Mónica. Cidades Globais e Relações Internacionais, 2008. Disponível em: http://www.puc-rio.br/pibic/relatorio_resumo2008/relatorios/ccs/iri/iri_fernando_malta.pdf
> Rybczynski, Witold., Vida nas Cidades. Expectativas Urbanas no Novo Mundo., RJ., Record, 1996.
> Weber, M.La Ville., Paris, Aubier, 1982.
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