Da Carta Capital
Por Clara Roman
Ainda é pouco para um país tão grande, mas já é possível dizer que hoje, no Brasil, três milhões de pessoas vivem sob uma espécie de socialismo dentro do capitalismo. O levantamento é de Paul Singer, secretário de Economia Solidária do Ministério do Trabalho e Emprego. Na sexta-feira 16, ele fez um balanço sobre a parcela da população que está inserida em programas de economia solidária (cerca de 1,6%). Ao todo, são 30 mil empreendimentos.
“É uma alternativa não capitalista ao desemprego”, diz o sociólogo e economista, em aula magna na Universidade Mackenzie.
Hoje, a economia solidária é uma das bandeiras do Plano Brasil sem Miséria – principal programa de Dilma para erradicação da extrema pobreza. Segundo Singer, o orçamento da pasta nunca foi tão grande.
Até partidos que antes eram resistentes à ideia, por considerar “coisa do PT”, estão com planos de estímulo a projetos comunitários. O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), tem estudado a possibilidade de importar o programa para o estado.
Se hoje iniciativas como o microcrédito, moeda social, banco comunitário e produções em cooperativas são reconhecidas como projetos de sucesso, há pouco tempo elas passavam despercebidas por grande parte da população, inclusive autoridades. Singer explica: esse tipo de organização foi uma resposta ao desemprego massivo, consequência da hiperinflação e da crise econômica no país durante as décadas de 1980 e 1990. “Trabalhadores lutaram para ficar com a massa falida e montar empresas cooperadas”, explica.
Singer conta que em 1988, quando fazia parte da plataforma eleitoral da então candidata à prefeitura Luiza Erundina em São Paulo, uma das propostas de campanha era organizar a massa de trabalhadores desempregados (na época, cerca de um milhão e meio de pessoas) em associações produtivas independentes. Foi quando ficou sabendo que essa ideia não era nova. “Recebi cartas de pessoas falando que já estavam fazendo isso. O nome economia solidária foi adotado depois”, diz.
No mundo, diversas iniciativas pipocam. Butão, um país de 700 mil habitantes nas montanhas do Himalaia, na Ásia, será o principal um dos principais nomes da próxima conferência internacional de economia solidária. O país, que investe intensamente na ideia, deixará de contabilizar seu crescimento pelo PIB. Utilizará a conceito de FIB (Felicidade Interna Bruta), um indicador que mede não só o desenvolvimento econômico, mas a possibilidade de tornar a sociedade mais democrática e sustentável. “É uma fábrica de utopias, mas não é algo para quando tormarmos o poder, é para agora”, afirma o sociólogo.
Em outubro de 2011, representantes de 62 países se reuniram em Montreal, em conferência chamada pela Organização Internacional do Trabalho (OIT).
No Brasil, são as mulheres que lideram o processo. “A pobreza é feminina e infantil”, diz. Comunidades quilombolas, indígenas e extrativistas também representam boa parte dos empreendimentos. Proporcionalmente, cidades pequenas contabilizam um grandes número de iniciativas. Um exemplo é Guaraqueçaba, no Paraná. A cidade tem apenas sete mil habitantes, mas 27 cooperativas e associações de economia solidária. A capital, Curitiba, com cerca de 1.750.000 habitantes – 250 vezes o tamanho de Guaraqueçaba – tem apenas 91 empreendimentos (pouco mais que o triplo).
Um dos princípios desse tipo de organização econômica é a ausência de hierarquia. Em sua análise, Singer retoma a herança militar na sociedade como uma das causas para sua hierarquização estrita (até em esferas supostamente mais livres, como universidades).
“[A economia solidária] é uma réplica da economia brasileira sem patrão”, afirma.
O processo, explica ele, envolve desde trabalhadores que perderam seus empregos, comunidades tradicionais, até engenheiros, universitários, economistas e administradores.
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