por *Urariano
Motta
Recife
(PE) - Depois
que a presidenta Dilma reduziu os juros no Banco do Brasil e na Caixa
Econômica Federal, os bancos privados, sob pressão, apresentaram ao governo 20
propostas, para que assim reduzissem também a agiotagem legal. Não querem nada,
os pobres banqueiros. Entre outras exigências, reivindicam menos impostos e
regras mais duras para recuperar o empréstimo inadimplente. Vale dizer, desejam
o mesmo que sair da área econômica para entrar na área criminal, porque medidas
mais duras equivalem a tomar tudo de quem deve até a vida. É sério. Os sofridos
donos de banco reivindicam até maior “velocidade processual”, para a retomada
mais rápida dos bens financiados. Na tora.
O
leitor, que apenas tem com os bancos a relação em que entra com o pescoço e os
banqueiros com a guilhotina, atente para como agem com outros mais explorados,
os bancários empregados no sistema. Segundo pesquisa da CUT e do Dieese, os
bancos abriram 23.599 postos de trabalho em 2011 no Brasil, mas os novos
contratados receberam salários 40,87% inferiores, em média, ao dos trabalhadores
desligados das instituições. Na ponta das contratações oportunistas, está o
bravo Bradesco. O que isso significa? Mais carga de jumento para quem entra por
preços mais baixos.
De
minha experiência de bancário, posso dizer que nunca quis ser caixa, pois grande
era a tentação de pedir empréstimo em condições mais favoráveis. Mas lá na
retaguarda bem pude sentir a parafernália tecnológica, aquela propaganda
maravilhosa de financiamentos fáceis, que se contraem com um piscar de olho à
recepcionista, naquele ambiente de ar-refrigerado, de eficiência, teclados
on-line, telefones e sorrisos, muitos sorrisos, como eu poderia chamar a isso
trabalho? Era a própria expressão do sofrer no paraíso.
Se
o grande público tirasse as névoas dos comerciais, em lugar de se enfeitiçar com
o mobiliário, com as máquinas, de ver apenas o palco onde se encena o bancário
feliz, e passasse a olhar com o cérebro as informações dos balanços econômicos,
bem perceberia a vida que pode levar um bancário em meio a tamanha selva de
lucros astronômicos. Ganharia uma aula viva do conceito de mais-valia, esse
outro brilho de Marx. E saberia que há muito as estatísticas põem os bancos em
primeiro lugar no ranking dos Dort
(Distúrbios Osteomusculares Relacionados ao Trabalho), que inclui doenças da
coluna, tendinite, bursite e LER (Lesão por Esforço
Repetitivo).
Talvez
os números de sucesso empresarial de um lado e sucesso em mandar trabalhadores
para o inferno de outro não sejam capazes de ferir a percepção. Pode-se até
dizer, a relação entre as duas coisas não está clara. Isso é apenas uma
coincidência, pode ser dito, uma coincidência forçada por quem escreve. Ora, se
um avião cai no momento em que escuto Roberto
Carlos, nem por isso podemos relacionar desastres aéreos à voz
do Rei. Por isso passo a falar da viva experiência, que pode ter sido forçada,
mas jamais uma coincidência.
O
homem que se costuma imaginar como um trabalhador de jornada de começo às 10 e
fim às 16 horas, chega ao banco muitas vezes às 7 da manhã, e sai por volta das
19, ou 20, ou 21, ou 22 horas, a depender do dia, que na linguagem bancária se
chama de “movimento”. De um deles ouvi:
-
A gente fecha os olhos no banco, e quando volta a abri-los, está no mesmo
lugar.
Isso
foi dito em um dia de grande “movimento”, em que cochilávamos em pé, poderia ser
dito, por volta das 23 horas, quando estávamos todos mal cheirosos e pior ainda
vestidos. Na rede privada, mulheres não casam, ou melhor, não podem dizer que se
casam, porque o banco não pode correr o risco de pagar a licença-maternidade.
Isso por um lado. Por outro, significa também que as bancárias, digo, mulheres
sempre jovens, com formas e feições que despertem o calor do investimento, devem
sempre guardar a perspectiva de uso para os clientes mais ricos. Maridos
atrapalham, quando não embaraçam. Para quê esposos na vitrine dos produtos
oferecidos? Entendam, não é bem que nos bancos privados seja oferecida à mulher
a perspectiva de ser prostituta. Não, dizer isso seria cometer uma grosseria.
Devemos dizer, de modo mais educado: os bancos apenas desejam que elas acenem,
em mais uma das suas operações enganosas. Um sorriso, uma esperança... quem
sabe? Mas se o cliente poderoso agarrar essa promessa com garras fortes, a isso
comentará o banqueiro:
-
Em minha empresa todos são livres.
Notícias
assim não saem no Jornal Nacional. Quem pagaria o
patrocínio?
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*Urariano
Motta
é
natural de Água Fria, subúrbio da zona norte do Recife. Escritor e jornalista,
publicou contos
em Movimento,
Opinião, Escrita, Ficção e
outros periódicos de oposição à ditadura. Atualmente, é colunista do Direto da
Redação e colaborador do Observatório da Imprensa. As revistas Carta Capital,
Fórum e Continente também já veicularam seus textos. Autor de
Soledad no
Recife
(Boitempo, 2009)
sobre a passagem da militante paraguaia Soledad Barret pelo Recife, em 1973,
e Os corações
futuristas (Recife, Bagaço,
1997).
Enviado por Direto
da Redação
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