A China já pode ignorar Wall Street, ao comprar 
títulos da dívida dos EUA: foi autorizada a negociar diretamente com o 
Tesouro dos EUA. Pela primeira vez na história, um governo estrangeiro 
recebe autorização semelhante – segundo documentos aos quais a agência 
Reuters teve acesso.
           A China já pode ignorar Wall Street, ao comprar títulos da dívida dos EUA – Foto de Wagner T. Cassimiro "Aranha"/Flickr
        
 As novas regras de relacionamento significam que o Banco do Povo da 
China compra agora papéis da dívida dos EUA por método exclusivo, 
diferentemente do autorizado a qualquer outro banco central no mundo.
 Os demais bancos centrais, inclusive o Banco do Japão, que tem ávido apetite pelos chamados Treasuries, compram-nos através de opções depositadas nos grandes bancos de Wall Streetdesignados
 pelo governo dos EUA como corretores primários. Esses corretores vão 
aos leilões de venda de títulos da dívida dos EUA e negociam em nome dos
 interessados.
 A China, proprietária de 1.170.000.000.000 dólares (1,17 biliões de 
dólares, triliões na nomenclatura em língua inglesa,) em papéis da 
dívida dos EUA, os Treasuries, ainda compra alguns desses papéis mediante os corretores primários, mas desde junho de 2011, essa via já não é necessária.
 Os documentos aos quais a Reuters teve acesso mostram que o Departamento do Tesouro dos EUA deu ao Banco do Povo da China um linkde
 computador direto para o seu sistema de leilões. Os chineses o usaram 
pela primeira vez, para comprar títulos com vencimento a dois anos, no 
final de junho de 2011.
 A China pode agora concorrer nos leilões de compra de títulos da dívida
 dos EUA, sem contacto com os corretores primários. Mas, se quiser 
vendê-los, ainda tem de fazê-lo no mercado.
 A mudança não foi anunciada publicamente, nem em mensagem de qualquer tipo dirigida aos corretores primários.
 “A compra direta é aberta a vários tipos de investidores, mas como 
questão de política geral, não comentamos sobre interessados 
individuais” – disse Matt Anderson, um dos porta-vozes do Departamento 
do Tesouro.
 Apesar de não haver qualquer proibição que impeça governos estrangeiros
 de comprar diretamente, o arranjo feito exclusivamente com a China é 
sem precedentes.
 A venda de títulos da dívida dos EUA à China tornou-se tema de debate 
público carregado de forte conteúdo político sobre o papel da China como
 principal exportador para os EUA e, ao mesmo tempo, como maior credor 
do país.
 O privilégio pode ajudar a China a comprar a dívida dos EUA por melhor preço, reduzindo ao mínimo a informação acessível a Wall Streetsobre as suas compras.
 Os corretores primários não podem cobrar aos clientes, pelo serviço de 
disputar, em nome deles, nos leilões do Tesouro. A China, portanto, não 
está a economizar dinheiro algum.
 Em vez disso, a China está a poder garantir o sigilo de informações 
específicas valiosas sobre os seus hábitos de compra. Podendo negociar 
diretamente com o Tesouro, a China impede os bancos de Wall Streetde tentar explorar a presença chinesa num ou noutro específico leilão – forçando os preços para cima.
 É uma dentre várias cortesias garantidas a um comprador único, em 
termos de poder de compra. Embora os japoneses, por exemplo, possuam 
cerca de 1,1 biliões de dólares (triliões, na nomenclatura em língua 
inglesa) em Treasuries, as compras japonesas têm sido menos 
centralizadas. O Japão compra mediante várias instituições, incluindo 
fundos de pensões, bancos japoneses e Banco do Japão, sem que qualquer 
delas domine as demais.
 Não é a primeira vez que o Tesouro dos EUA mostra grande empenho em manter satisfeito o seu principal cliente.
 Em 2009, quando funcionários do Tesouro descobriram que a China tinha 
contactos especiais com corretores primários, para manter ocultas as 
suas compras de papéis da dívida dos EUA, o Tesouro mudou os métodos, 
para impedir esse tipo de negócio – como a Reuters noticiou em junho 
passado. Mas, simultaneamente, o Tesouro afrouxou uma das suas 
exigências de notificação, para manter o conforto dos chineses, no novo 
regime de regras.
 Outro traço do relacionamento especial entre EUA e China nesse campo é a
 discrição: o Tesouro tentou manter sob sigilo os seus motivos para 
mudar as regras, em 2009 – como observou a agência Reuters.
 Outra vez, documentos que tratam do novo statusda China, como comprador direto, mostram o mesmo desejo de sigilo – em relação a Wall Street. E, para proteger o sistema contra hackers, o sistema do Tesouro que dá à China acesso direto aos leilões de títulos foi upgraded.
 Em seguida, os técnicos do Tesouro discutiram meios para desviar as perguntas que viriam, dos corretores de Wall Street, no momento em que os resultados dos leilões começassem a mostrar a inegável presença de um comprador direto estrangeiro.
 “A maioria entende que compradores estrangeiros só apresentam 'ofertas 
indiretas' pelos corretores primários. A novidade provavelmente causará 
boatos significativos na rua, e muitas perguntas provavelmente chegarão 
até nós” – escreveu um funcionário do governo, em e-mailque a Reuters leu.
 No mesmo e-mail, o mesmo funcionário sugeria que se 
oferecessem respostas básicas, gerais, a perguntas sobre quem está 
autorizado a participar de leilões dos títulos da dívida dos EUA.
 “Parece-me que será prudente, no caso de perguntas mais complexas ou de
 natureza mais sensível, que as perguntas sejam encaminhadas à área de 
Relações Públicas do Tesouro” – escreveu o funcionário.
 Dar à China statusde comprador direto pode gerar 
controvérsias, porque alguns funcionários do governo dos EUA já se 
preocupam por a China ter alcançado posição muito alavancada, sobre os 
EUA, graças à sua gorda carteira de papéis do Tesouro.
 Por exemplo, o economista Brad Setser, membro do Conselho Económico 
Nacional e que também trabalhou para o Conselho Nacional de Segurança, 
já disse que o facto de a China ser proprietária de grande quantidade de
 Treasuries implica ameaça à segurança nacional.
 Em carta ao Conselho de Relações Externas em 2009, Setser argumentou 
que o facto de a China ter em seu poder quantidades massivas de papéis 
da dívida dos EUA dava ao país poder sobre os EUA, pelo risco de um 
movimento massivo de venda daqueles papéis, o que criaria perigosa 
agitação nos mercados e faria subir as taxas de juros.
 Mas funcionários do Tesouro sustentam, há muito tempo, que a venda de 
papéis da dívida à China é assunto mantido à parte, separado de 
considerações políticas, numa relação negocial que beneficia os dois 
países. Os chineses usam os Treasuriespara manter a cotação dos
 dólares que recebem em pagamento dos produtos que vendem para os EUA; e
 ao governo dos EUA interessa que haja essa forte procura pelos títulos 
de sua dívida, porque assim se mantêm baixas as taxas de juro.
 O porta-voz da embaixada da China em Washington não respondeu aos telefonemas e e-mailscom pedidos para que comentassem a notícia.
 Mas os EUA já mostraram crescente ansiedade em relação à China, como ameaça à “cibersegurança”.
 A mudança que o Tesouro introduziu no sistema computacional de leilões,
 antes de dar acesso direto à China, visou limitar o acesso apenas a um 
único sistema, a uma conexão de rede privada, controlada pelo Tesouro.
 A China é um dos tópicos mais sensíveis para banqueiros e funcionários 
do governo que vivem a cortejá-la como cliente financeiro, pelo tamanho e
 importância e ninguém quis comentar essa matéria.
 Mas um ex-gerente da dívida, no Tesouro, que pediu para não ser 
identificado, disse que, aos poucos, a China foi adquirindo experiência 
no mercado dos papéis da dívida dos EUA; e que os chineses sentem-se 
provavelmente mais confortáveis na nova situação, com melhor controle 
sobre a administração da sua carteira.
 A solicitação para apresentarem as suas propostas de compra 
diretamente, desse ponto de vista, seria resultado de uma maior 
confiança de que os chineses poderiam comprar papéis da dívida, mais 
eficientemente, em negociação direta, do que através dos bancos de Wall Street, que frequentemente inflam os preços dos Treasuriesem
 leilões, quando sabem quanto os grandes clientes estão dispostos a 
gastar. Não é prática especificamente ilegal, mas a maioria dos 
corretores considera-las-ia pouco ética.
 Prova de que a China se vai tornando uma operadora cada vez mais 
sofisticada, como gestora de dinheiro, nos mercados dos EUA é a evidente
 expansão das suas operações em New York. O braço chinês da administração do dinheiro, Administração Estatal do Câmbio [orig. State Administration for Foreign Exchange (mais conhecido como SAFE),
 mantém escritório em Midtown Manhattan, e um experiente gestor de 
investimentos – Changhong Zhu, ex-presidente de investimentos e 
derivados da Pacific Investment Management Co. – em Pequim.
 Uma voz feminina que atendeu ao telefone no escritório da SAFEem New York, disse que ninguém, no escritório, tinha autorização para falar à imprensa.
Artigo de Emily Flitter (Martin Howell e Steve Orlofsky, Eds.), publicado em 21 de maio de 2012 pela Reuters. Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu e disponível em redecastorphoto.blogspot.pt
Nenhum comentário:
Postar um comentário