A
Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) da ONU anunciou nesta
semana que está próxima de assinar um acordo com o Irã sobre o seu
polêmico programa nuclear, alvo de acusações de Estados Unidos e Israel
por seu suposto direcionamento à produção de armas nucleares. É o mais
recente capítulo na conturbada relação do regime islâmico com o
Ocidente. Para tentar elucidar o porquê das negociações não terem
avançado nos últimos anos, oTerra conversou
com Hossein Mousavian, diplomata iraniano que foi o principal
negociador de seu país para a questão nuclear entre 2003 e 2005 e
atualmente é professor convidado na Universidade de Princeton, nos
Estados Unidos.Mousavian acredita que o principal fator a emperrar a
evolução das negociações do Irã em relação ao seu programa nuclear é a
falta de confiança mútua. Segundo ele, o aiatolá Khamenei, líder supremo
do país, nunca foi contrário a relações saudáveis - baseadas em
respeito e não interferência - com os EUA. "No entanto, ele (o aiatolá)
acredita que os EUA querem mudar o regime, e não normalizar as
relações", diz Mousavian, que atuou como embaixador do Irã na Alemanha
entre 1990 e 1997.Em artigo recente publicado na Foreign Policy, Mousavian apontou que a relação entre Irã e EUA é marcada pela desconfiança. Ele cita fatos históricos que levaram o Irã a não levar em conta as promessas feitas pelos americanos e seus aliados. Por exemplo, as tentativas de mudança direta no regime,
o apoio à invasão iraquiana nos anos 90 e, mais recentemente, a não
aceitação de uma proposta de acordo feita pela Rússia, em 2011. O plano
previa que o Irã restringiria o desenvolvimento da tecnologia de
enriquecimento de urânio em troca de barras de combustível para
abastecer seus reatores. Esta proposta foi solenemente ignorada e novas
sanções mais duras foram impostas, diz Mousavian.Para Mousavian, se os
países ocidentais tivessem, desde o início da questão, reconhecido o
direito do Irã de enriquecer urânio sob as leis previstas no Tratado de
Não-Proliferação Nuclear (TNP), do qual o país é signatário, o regime
islâmico teria respondido "com o máximo nível de transparência e
cooperação com a AIEA para remover as ambiguidades e dar todas as
garantias que nunca buscará armas nucleares". Atualmente as negociações
com o Irã são conduzidas pelo chamado Grupo do P5 + 1, composto pelos
cinco países com direito a voto no Conselho de Segurança da ONU (Estados
Unidos, China, França, Reino Unido e Rússia) mais a Alemanha.O
diplomata enfatizou que o Irã, desde que atuou como negociador nuclear,
mantêm a postura de que está pronto para honrar todos os compromissos
sob o TNP se o P5 + 1 reconhecer o seu
direito de enriquecer urânio. "O Irã não está atrás de bombas
nucleares. Estou convencido", disse Mousavian, acrescentando que apoia
totalmente o direito de seu país de desenvolver a tecnologia nuclear com
fins pacíficos. Ele ainda afirma que existe o consenso entre a
população local de que o país deveria se beneficiar desse "direito
inalienável".Por outro lado, o diplomata afirma que a postura ocidental
em relação ao programa nuclear iraniano é equivocada e, acima de tudo,
não tem tido resultado. "A República Islâmica tem experimentado
numerosos episódios de severa pressão econômica, e nenhum deles gerou as
mudanças na política externa esperadas pelo Ocidente", diz ele. "Há 30
anos sanções são aplicadas, mas, apesar disto, o Irã está regionalmente e
internacionalmente mais poderoso do que nunca".Ele salienta que, apesar
de não haver evidências de que o país tenha armas químicas, nucleares e
biológicas, sob sanções o Irã desenvolveu mísseis de longo alcance, o
enriquecimento de urânio, e avançadas tecnologias químicas e biológicas.
"Isso sugere que o fato de o Irã não ter armas de destruição de massa é
uma questão de escolha política, e não de sanções".No entanto, apesar de o Irã sempre ter defendido que o seu programa nuclear é voltado a fins pacíficos, um relatório da AIEA divulgado em novembro passado apontou suspeitas de que o
país estaria, sim, buscando armas nucleares. Além disso, o país
dificulta inspeções em suas instalações nucleares, algumas delas
consideradas secretas e construídas como fortificações sob montanhas.Em
resposta ao relatório da AIEA, os países ocidentais anunciaram novas sanções mais rígidas ao Irã. Em 2012, Rússia e China, países que historicamente se opõe ao estabelecimento de sanções à República Islâmica, também manifestaram preocupação com o programa nuclear iraniano,
ainda que não tenham adotado sanções. Israel, por sua vez, reforçou a
sua posição como principal advogado de uma intervenção militar para a
eliminação da iniciativa persa.Na última terça-feira, o premiê
israelense, Benjamin Netanyahu, afirmou que o Ocidente não deve se enganar
com possíveis acordos com o Irã, a menos que todo o material nuclear
seja retirado daquele país. Mousavian acredita que Israel "tem um papel
crucial no gerenciamento das pressões internacionais ao Irã". O Estado
judeu, ao contrário do Irã, não é signatário do TNP, o que representa
que sua atividade nuclear não está submetida a vistorias da AIEA. Acredita-se que o país tenha desenvolvido armas nucleares para fins de proteção e dissuasão de intenções militares de estados inimigos no Oriente Médio.O crescente medo de Israel de um Irã nuclear,
combinado com o fracasso das negociações e das sanções em atingir
resultados que congelem o programa nuclear iraniano, provocou, nos
últimos meses, uma escalada na tensão entre os países. Neste ano, em
diversas oportunidades Netanyahu já falou abertamente em intervenções militares no Irã.
Para Mousavian, este cenário de ameaças é "contraproducente". "O Irã
recusará a se comprometer sob a ameaça de um ataque e verá as ofertas
dos Estados Unidos de aproximação sob tais condições como não sinceras",
diz o diplomata.Mousavian vai além e afirma que a escalada de ameaças
pode criar a expectativa de uma ação militar, o que colocará pressão no
governo americano para "repetir, em uma escala mais catastrófica, o erro
de invadir o Iraque". Além disso, ele afirma que um ataque às
instalações nucleares do Irã, alternativa vista como
possível de ser implementada por Israel a curto prazo, não
desmantelaria o programa nuclear do país indefinidamente, e, pelo
contrário, seria um incentivo para que ele deixasse de ser um signatário
do TNP e se engajasse no desenvolvimento clandestino de armas
nucleares.
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