Idílio Grimaldi: Com apoio da mídia, Paraguai inaugura o “golpe transgênico”
publicado em 23 de junho de 2012 às 21:12
Monsanto golpeia no Paraguai: Os mortos de Curuguaty e o juízo político de Lugo
por Idilio Méndez Grimaldi (*)
publicado no site de Atilio Boron
Quem está por trás desta trama tão sinistra? Os promotores de uma 
ideologia que promovem o máximo benefício econômico a qualquer preço e 
quanto mais, melhor, agora e no futuro.
Na quinta-feira, 15 de junho de 2012, um grupo policial que cumpriria
 ordem de despejo no estado de Canindeyú, na fronteira com o Brasil, foi
 emboscado por francoatiradores, misturados a camponeses que reclamavam 
terras para sobreviver. A ordem foi dada por um juiz e uma promotora 
para proteger um latifundiário. Como resultado houve 17 mortes; 6 
policiais e 11 camponeses, além de dezenas de feridos graves. As 
consequências: o governo fraco e temeroso de Fernando Lugo ficou com 
debilidade crescente e extrema, apesar de cada vez mais direitista, a 
ponto de ser levado a juízo político por um Congresso dominado pela 
direita; um duro revés para a esquerda, as organizações sociais e 
camponesas, acusadas pela oligarquia latifundiária de instigar os 
camponeses; avanço do agronegócio extrativista nas mãos de 
multinacionais como a Monsanto, através da perseguição e tomada de 
terras dos camponeses, e finalmente, a instalação de uma cômoda plateia 
para os partidos de direita, para seu retorno triunfal nas eleições do 
Executivo em 2013.
No dia 21 de outubro de 2011, o Ministério de Agricultura e Pecuária,
 dirigido pelo liberal Enzo Cardozo, liberou ilegalmente o plantio de 
algodão transgênico Bollgard BT, da companhia norte-americana de 
biotecnologia Monsanto, para uso comercial no Paraguai. Os protestos de 
camponeses e de organizações ambientalistas não se fizeram esperar. O 
gene deste algodão é misturado com o gene da Bacillus Thurigensis, uma 
bactéria tóxica que mata algumas pragas do algodão, como as larvas do 
pulgão, que bota ovos no casulo do têxtil. O Serviço Nacional de 
Qualidade, Saúde Vegetal e de Sementes, SENAVE, outra instituição do 
estado paraguaio, dirigido por Miguel Lovera, não registrou dita semente
 transgênica nos registros de cultivares, por carecer de análise do 
Ministério da Saúde e da Secretaria de Meio Ambiente, como exige a 
legislação.
Campanha midiática
Durante os meses posteriores, a Monsanto, através da União de Grêmios
 de Produção, UGP, estreitamente ligada ao Grupo Zuccolillo, que publica
 o diario ABC Color [o jornal mais importante do Paraguai], arremeteu 
contra o SENAVE e seu presidente por não inscrever a semente transgênica
 da Monsanto para uso comercial em todo o país.
A contagem regressiva decisiva se deu com uma nova denúncia por parte
 da pseudosindicalista do SENAVE, de nome Silvia Martínez, que acusou 
Lovera, em 7 de junho passado, de corrupção e nepotismo na instituição 
que dirige, através do ABC Color. Martínez é esposa de Roberto Cáceres, 
representante técnico de várias empresas agrícolas, entre elas a 
Agrosán, recentemente adquirida por 120 milhões de dólares pela 
Syngenta, outra multinacional, ambas sócias da UGP.
No dia seguinte, sexta-feira 8 de junho, a UGP publicou no [diário] 
ABC, em seis colunas: “12 razões para destituir Lovera”. Estes supostos 
argumentos foram apresentados ao vice-presidente da República, 
correligionário do ministro da Agricultura, o liberal Federico Franco, 
que neste momento desempenhava o papel de presidente do Paraguai, na 
ausência de Lugo, que viajava pela Ásia.
Na quinta-feira 15 do mês corrente, por ocasião de uma exposição 
anual organizada pelo Ministério da Agricultura e da Pecuária, o 
ministro Enzo Cardoso deixou escapar um comentário diante da imprensa 
sobre um suposto grupo de investidores da Índia, do setor de 
agroquímicos, que teria cancelado um projeto de investimento no Paraguai
 por suposta corrupção no SENAVE. Nunca esclareceu do que se tratava. 
Nessas horas daquele dia se registravam os acontecimentos trágicos de 
Curuguaty.
No marco da exposição preparada pelo citado ministério, a 
multinacional Monsanto apresentou outra variedade de algodão, duplamente
 transgênico: BT e RR, ou resistente ao Roundup, o herbicida fabricado e
 patenteado pela Monsanto. A pretensão da multinacional norte-americana 
era a inscrição no Paraguai de dita semente transgênica, assim como 
aconteceu na Argentina e em outros países do mundo.
Previamente a estes fatos, o diário ABC Color denunciou 
sistematicamente os supostos atos de corrupção da ministra da Saúde, 
Esperanza Martínez, e do ministro do Meio Ambiente, Oscar Rivas, dois 
funcionários que não deram decisões favoráveis à Monsanto.
A Monsanto faturou no ano passado 30 milhões de dólares, livre de 
impostos (porque não declara parte de sua renda) somente com os 
royalties pelo uso de sementes transgênicas de soja no Paraguai. A 
Monsanto também fatura com a venda de sementes transgênicas, de forma 
independente. Toda a soja cultivada no Paraguai é transgênica, numa 
extensão de cerca de 3 milhões de hectares, com uma produção em torno de
 7 milhões de toneladas em 2010.
Por outro lado, a Câmara dos Deputados já aprovou o projeto de Lei da
 Biossegurança, que contempla criar uma agência de biossegurança no 
Ministério da Agricultura, com amplo poder para a aprovação do cultivo 
comercial de todas as sementes transgênicas, sejam de arroz, mandioca, 
algodão e algumas hortaliças. Este projeto de lei contempla a eliminação
 da atual Comissão de Biossegurança, que é um ente colegiado de 
funcionários técnicos do Estado paraguaio.
Enquanto transcorriam estes acontecimentos, a UGP vinha preparando um
 ato de protesto nacional contra o governo de Fernando Lugo no dia 25 de
 junho próximo. Trata-se de uma manifestação com máquinas agrícolas, 
fechando estradas em distintos pontos do país. Uma das reivindicações do
 denominado “tratoraço” era a destituição de Miguel Lovera do SENAVE, 
assim como a liberação de todas as sementes transgênicas para seu 
cultivo comercial.
As conexões
A UGP é dirigida por Héctor Cristaldo, apoiado por outros apóstolos 
como Ramón Sánchez — que tem negócios no setor de agroquímicos –, entre 
outros agentes multinacionais do agronegócio. Cristaldo integra a equipe
 de várias empresas do Grupo Zuccolillo, cujo principal acionista é Aldo
 Zuccolillo, diretor proprietário do diário ABC Color desde sua 
fundação, sob o regime de Stroessner, em 1967. Zuccolillo é dirigente da
 Sociedade Interamericana de Imprensa, SIP. O Grupo Zuccolillo é o 
principal sócio no Paraguai da Cargill, uma das maiores multinacionais 
de agronegócio do mundo. A sociedade construiu um dos mais importantes 
portos graneleiros do Paraguai, denominado Porto União, a 500 metros da 
tomada de água da empresa de distribuição de água do estado paraguaio, 
no rio Paraguai, sem qualquer restrição.
As multinacionais do agronegócio do Paraguai praticamente não pagam 
impostos, mediante a proteção férrea que conseguem no Congresso, 
dominado pela direita. A carga tributária do Paraguai é de apenas 13% do
 PIB. Sessenta por cento do imposto arrecadado pelo estado paraguaio é o
 IVA, Imposto sobre Valor Agregado. Os latifundiários não pagam 
impostos. O imposto imobiliário representa apenas 0,04% da arrecadação 
tributária, cerca de 5 milhões de dólares, segundo um estudo do Banco 
Mundial, ainda que o agronegócio produza cerca de 30% do PIB, que 
representam cerca de 6 bilhões de dólares anuais. O Paraguai é um dos 
países mais desiguais do mundo. Oitenta e cinco por cento das terras, 
cerca de 30 milhões de hectares, estão nas mãos de 2% dos proprietários,
 que se dedicam à produção meramemnte extrativista ou, no pior dos 
casos, à especulação com a terra.
A maioria destes oligarcas possui mansões em Punta del Este ou Miami e
 tem relações estreitas com as multinacionais do setor financeiro, que 
guardam seus bens ilegais em paraísos fiscais ou facilitam investimento 
no estrangeiro. Todos eles, de alguma maneira, estão ligados ao 
agronegócio e dominam o espectro político nacional, com ampla influência
 sobre o poder do estado. Ali reina a UGP, apoiada pela multinacionais 
do setor financeiro e do agronegócio.
Os fatos de Curuguaty
Curuguaty é uma cidade que fica na região oriental do Paraguai, a 200
 quilômetros de Assunção, capital do país. A alguns quilômetros de 
Curuguaty se encontra a fazenda Morombí, propriedade de Blas Riquelme, 
que tem mais de 70 mil hectares na região. Riquelme vem das entranhas da
 ditadura Stroessner (1954-1989), sob cujo regime juntou uma imensa 
fortuna, aliado ao general Andrés Rodríguez, que executou o golpe de 
estado de derrubou o ditador. Riquelme, que foi presidente do Partido 
Colorado por muitos anos e senador da República, dono de vários 
supermercados e frigoríficos, se apropriou usando subterfúgios legais de
 uma área de 2 mil hectares que pertencem ao estado paraguaio.
Esta área foi ocupada por camponeses sem terra que vinham solicitando
 ao governo de Fernando Lugo sua distribuição. Um juiz e uma promotora 
ordenaram o desalojamento dos camponeses, através do Grupo Especial de 
Operações, GEO, da Polícia Nacional, cujos membros de elite foram, em 
sua maioria, treinados na Colômbia, durante o governo Uribe, para a luta
 contrainsurgente.
Apenas uma sabotagem interna, dentro dos quadros de inteligência da 
polícia, com cumplicidade da Promotoria, explica a emboscada na qual 
morreram 6 policiais. Não se compreende como policiais altamente 
treinados, no marco do Plano Colômbia, puderam cair tão facilmente numa 
emboscada de camponeses, como quer fazer crer a imprensa dominada por 
oligarcas. Os colegas dos mortos reagiram e atacaram os camponeses, 
matando 11, com outros 50 feridos. Entre os policiais mortos estava o 
chefe do GEO, comissário Erven Lovera, irmão do tenente-coronel Alcides 
Lovera, chefe de segurança do presidente Lugo.
O plano consiste em criminalizar, promover o ódio extremo contra 
todas as organizações de camponeses, para empurrá-los a deixar o campo 
exclusivamente para o agronegócio. É um processo lento, doloroso, de 
retirada do campo paraguaio, que atenta diretamente contra a soberania 
alimentar, a cultura alimentar do povo paraguaio, por serem os 
camponeses os produtores e recriadores ancestrais de toda a cultura 
guaraní.
Tanto a Promotoria quanto o Ministério Público, o Poder Judiciário e a
 Polícia Nacional, assim como diversos organismos do estado paraguaio, 
estão sob controle externo através de convênios de cooperação com a 
USAID, a agência de cooperação dos Estados Unidos.
O assassinato do irmão do chefe de segurança do presidente da 
República foi uma mensagem direta a Fernando Lugo, cuja cabeça seria o 
próximo objetivo, provavelmente através de um juízo político, que em 
resposta endireitou ainda mais seu governo, tentando acalmar os 
oligarcas.  O que aconteceu em Curuguaty derrubou o ministro do Interior
 Carlos Filizzola, sendo nomeado Rubén Candia Amarilla, proveniente do 
partido opositor Colorado, ao qual Lugo derrotou nas urnas em 2008 
depois de 60 anos de ditadura, que incluiram a tirania de Alfredo 
Stroessner.
Candia foi ministro da Justiça do governo colorado de Nicanor Duarte 
(2003-2008) e desempenhou o papel de procurador-geral do Estado até o 
ano passado, quando foi substituído por outro colorado, Javier Díaz 
Verón, decisão do próprio Lugo.
Candia é acusado de ter promovido a repressão a dirigentes de 
organizações camponesas e movimentos populares. Sua nomeação para a 
Procuradoria Geral do Estado em 2005 foi aprovada pelo então embaixador 
dos Estados Unidos, John F. Keen. Candia foi responsável por um controle
 maior da USAID sobre o Ministério Público e foi acusado no início do 
governo Lugo de conspirar para afastar o presidente do poder.
Depois de assumir como ministro político de Lugo, o primeiro ato de 
Candia foi anunciar a eliminação do protocolo de diálogo com os 
camponeses que invadem propriedades. A mensagem é de que não haverá 
conversações, simplesmente a aplicação da lei, o que significa empregar a
 força policial repressiva sem contemplação.
Dois dias depois de Candia Amarilla assumir, os membros da UGP, 
encabeçados por Héctor Cristaldo, visitaram o ministro do Interior, a 
quem solicitaram garantias para a realização do chamado tratoraço. Na 
ocasião, Cristaldo disse que a manifestação poderia ser suspensa em caso
 de novos sinais favoráveis à UGP (leia-se a liberação das sementes 
transgênicas da Monsanto, a destituição de Lovera e de outros ministros,
 entre outras vantagens para o grande capital e os oligarcas), 
endireitando ainda mais o governo Lugo.
Cristaldo é pré-candidato a deputado nas eleições de 2013 por um 
movimento interno do Partido Colorado, liderado por Horacio Cartes, um 
empresário investigado em passado recente pelos Estados Unidos por 
lavagem de dinheiro e narcotráfico, segundo o próprio jornal ABC Color, 
que publicou vários telegramas do Departamento de Estado, divulgados 
pelo WikiLeaks, entre eles um que aludia diretamente a Cartes,em 15 de 
novembro de 2011.
Julgamento político de Lugo
Nas últimas horas, enquanto eu redigia esta crônica, a UGP, alguns 
integrantes do Partido Colorado e os próprios integrantes do Partido 
Liberal Radical Autêntico, PLRA, dirigido pelo senador Blas Llano e 
aliado do governo, ameaçavam com um julgamento político de Fernando Lugo
 para destituí-lo da presidência da República do Paraguai.
Lugo depende do humor dos colorados para seguir como presidente da 
República, assim como de seus aliados liberais, que agora o ameaçam com 
julgamento político, com certeza buscando mais espaço no poder 
(dinheiro) em troca de paz. O Partido Colorado, aliado a outros partidos
 minoritários da oposição, tem a maioria necessária para destituir o 
presidente de suas funções.
Talvez esperem pelos “sinais favoráveis” de Lugo à UGP — em nome da 
Monsanto, da pátria financeira e dos oligarcas. Caso contrário, 
passariam à fase seguinte dos planos de controle deste governo, que 
nasceu progressista e lentamente terminou conservador, controlado por 
poderes de fato.
Entre alguns de seus feitos, Lugo é responsável pela aprovação da Lei
 Antiterrorista, promovida pelos Estados Unidos em todo o mundo depois 
do 11 de setembro. Autorizou a implementação da Iniciativa Zona Norte, 
que consiste na instalação e deslocamento de tropas e civis 
norte-americanos no norte da Região Oriental — no nariz do Brasil — 
supostamente para desenvolver atividades em favor de comunidades 
camponeses.
A Frente Guazú, coalizão de esquerda que apoia Lugo, não conseguiu 
unificar seu discurso e seus integrantes perderam a capacidade de 
análise do poder real, caindo em jogos eleitorais imediatistas. 
Infiltrados pela USAID, muitos integrantes da Frente Guazú participam da
 administração do Estado e sucumbem ante o canto de sereia do consumismo
 galopante, do neoliberalismo. Corrompem-se até o tutano e na prática se
 convertem em copiadores vaidosos dos novos ricos que integravam 
recentes governos do direitista Partido Colorado.
Curuguaty também encerra uma mensagem para a região, especialmente 
para o Brasil, em cuja fronteira se produziram os fatos sangrentos, 
claramente dirigidos pelos senhores da guerra, cujos teatros de operação
 se pode observar no Iraque, Líbia, Afeganistão e agora na Síria. O 
Brasil está construindo hegemonia mundial junto com a Rússia, Índia e 
China, denominados conjuntamente de BRICs. No entanto, os Estados Unidos
 não cedem seu poder de persuasão ao gigante da América do Sul. Já está 
em marcha o novo eixo comercial integrado por México, Panamá, Colômbia, 
Peru e Chile. É um muro de contenção aos desejos expansionistas do 
Brasil em direção ao Pacífico.
Enquanto isso, Washington segue sua ofensiva diplomática em Brasília,
 tratando de convencer o governo de Dilma Rousseff a estreitar vínculos 
comerciais, tecnológicos e militares. Entretanto, a Quarta Frota dos 
Estados Unidos, reativada há alguns anos depois de ficar fora de serviço
 depois da Segunda Guerra Mundial, vigia todo o Atlântico Sul, 
representando outro cerco ao Brasil, se o país não aceitar a persuasão 
diplomática.
O Paraguai é um país em disputa entre ambos países hegemônicos, 
dominado amplamente agora pelos Estados Unidos. Por isso, Curuguaty é 
também um pequeno sinal para o Brasil, no sentido de que o Paraguai pode
 se converter em um estopim que pode comprometer o desenvolvimento do 
sudoeste do Brasil.
Mas, acima de tudo, os mortos de Curuguaty são vítimas do capital, do
 grande capital, do extrativismo espoliador, que assola o Planeta e 
destrói a vida em todos os rincões da Terra em nome da civilização e do 
desenvolvimento. Por sorte, os povos do mundo também vão dando respostas
 a estes sinais de morte, com sinais de resistência, de dignidade e de 
respeito a todas as formas de vida do Planeta.
(*) Jornalista, investigador e analista. Membro da Sociedade de 
Economía Política do Paraguai, SEPPY. Autor do livro Os Herdeiros de 
Stroessner.
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