25/7/2012, Thomas C. Mountain, Counterpunch
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Thomas C. Mountain é o jornalista independente mais credenciado da África.
Vive e trabalha na Eritreia desde 2006. Suas entrevistas podem ser assistidas no
jornal Russia Today TV e PressTV (Irã). Recebe e-mails em: thomascmountain@yahoo.com
.
A
Líbia dá sinais de estar-se convertendo na próxima Somália, com grande parte do
país já controlado por milícias armadas de clãs ou tribos. Como se viu acontecer
na Somália, a Líbia está no processo de dividir-se, criando-se a leste a
Cirenaica, rica em petróleo, que já lançou sua proclamação de independência
de facto.
Trípoli,
a capital da Líbia, parece estar andando na direção de converter-se no que foi
Mogadishu, capital da Somália há 20 anos, com incontáveis milícias bem armadas,
de áreas das periferias urbanas, que se instalam nas cidades e envolvem-se em
infindáveis confrontos por território, disputando os restos de poder.
O
único governo nacional real e modernizante que a Líbia jamais conheceu foi o
governo de Gaddafi, assim como o único governo modernizante que houve na Somália
foi o governo de Siad Barre.
Os
dois países foram criados pelo colonialismo italiano e passaram a integrar o
Império Colonial Italiano na África. Nenhum dos dois jamais teve qualquer
unidade histórica. Antes do colonialismo italiano, a Líbia era algumas
cidades-estado e as tribos, a maioria das quais absolutamente nômades.
Antes
do colonialismo italiano, jamais existiu nem algum Rei da Somália nem alguma
Terra da Somália governada por conselho tribal ou clânico, chefes ou conselhos
de grandes chefes.
Nem
num país nem no outro jamais se constituiu nação, antes exatamente o contrário.
Mesmo assim, durante algum tempo, os dois países viveram bem – por difícil que
seja acreditar, no caso da Somália.
A Líbia antes e depois do"Bombardeio Humanitário" da OTAN (Clique na imagem para aumentar) |
Em
2011,
a Líbia foi destruída por bombardeio aéreo quase sem
precedentes, com mais de 10 mil ataques aéreos, que despejaram sobre os líbios
cerca de 40 mil peças explosivas de alto poder de destruição, durante cerca de
oito meses. 40 mil bombas, matando cada uma duas pessoas em média, e, só até aí,
já seriam 80 mil líbios mortos pela OTAN em 2011. De uma população muito
pequena, de cerca de 6 milhões.
A
destruição que a OTAN provocou na Líbia equivale a cerca de 100 mil ataques
aéreos sobre a Grã-Bretanha, com cerca de 400 mil bombas que matassem 800 mil
britânicos em oito
meses. Assim, afinal, se pode ter ideal realista da escala da
desgraça que a OTAN levou à Líbia.
A
Líbia hoje exporta mais de 90% de sua produção de petróleo e gás de antes da
guerra, quase 2 milhões de barris/dia, de um dos melhores tipos de petróleo que
há no planeta. Para onde vão os quase 200 milhões de dólares diários, 6 bilhões
por mês, mais de 70 bilhões de dólares ao final de 2012, permanece mistério
quase absoluto.
Abdelhakim Belhadj |
O
chefão da Al-Qaeda e dos rebeldes líbios que fez o serviço mais sujo depois do
bombardeio pela OTAN é o muitas vezes infame Abdelhakim Belhadj, ex-comandante da Al-Queda no
Iraque e capo da Al-Queda no Norte da África. Hoje, comanda a maior, a
mais militarmente bem organizada e a mais eficiente milícia que opera em
Trípoli. Sob seu comando, operam milícias tribais de diferentes tamanhos e
competências, entre as quais as milícias de Zintan que mantêm preso Saif al
Islam Gaddafi.
Em
relações de uma paz difícil com essas milícias, está o Conselho Nacional de
Transição, chefiado, pelo menos em parte, por vários dos ex-comandantes de
Gaddafi.
Eleições
comandadas por um “governo” lá implantado pela OTAN não passam de artifício para
encobrir a ilegitimidade do atual regime, cujo único projeto de governo é
receber os 70 bilhões anuais da renda do petróleo e os dividendos dos $100
bilhões do fundo soberano líbio depositado em bancos ocidentais.
No
campo oposto, contra, ao mesmo tempo, Belhaj e o Conselho Nacional de Transição,
está o que se conhece como “Resistência Verde”, que a imprensa-empresa ocidental
chama de “militantes pró-Gaddafi”. São grande parte da maior tribo que há na
Líbia, os Warfalla, tribo da mãe de Saif al Islam, e dos quais se diz que, aos
poucos, começam a organizar forças de autodefesa, para proteger suas comunidades
contra ataques de senhores-da-guerra e respectivas milícias.
Saif al Islam Gaddafi |
Belhaj
esteve preso na Líbia, onde foi torturado por gente que, hoje, circula entre os
capi do Conselho Nacional de Transição, entregue a eles como prisioneiro,
pela CIA-EUA, num dos programas pelos quais prisioneiros da CIA eram entregues a
outros países para serem interrogados. A tortura de Belhaj só acabou quando Saif
al Islam Gaddafi convenceu seu pai a perdoar Belhaj e seus chefes, em troca de
uma promessa de coexistência pacífica que Belhaj imediatamente traiu.
O
que se sabe é que Belhaj tem manifestado alguma espécie de benevolência
em relação a
Saif al Islam, o que pode explicar por que o filho de Gaddafi
continua vivo, mantido a salvo, longe do alcance, ao mesmo tempo, da Corte
Internacional de Justiça e do Conselho Nacional de Transição, entregue à
proteção de aliados de Belhaj em Zintan.
É
altamente provável que Belhaj esteja operando para assumir o controle sobre os
bilhões do petróleo, mantendo-os fora do alcance do governo imposto pela OTAN,
ao mesmo tempo em que trabalha para vingar-se de seus ex-torturadores, hoje no
Conselho Nacional de Transição confinados em Benghazi (quando não estão fora do
país).
Para
conseguir o que almeja, Belhaj pode bem se interessar por aceitar um acordo de
cessar-fogo com a Resistência Verde, a qual também quer o fim do governo do
Conselho Nacional de Transição fantoche da OTAN. Descartado o Conselho Nacional
de Transição, poder-se-á talvez cogitar de um acordo de paz entre Belhaj e Saif
al Islam, para tentar pôr fim ao fogo e ao sangue que ainda pinga dos sabres, na
Líbia.
Mas
isso também pode não passar de delírio desejante, e depende de a OTAN não
intervir militarmente para defender “seu” Conselho Nacional de Transição –
ameaça presente que, por sua vez, pode explicar a paciência de que Belhaj e seus
aliados têm dado várias provas.
Quem sabe? A verdade muitas vezes é
mais estranha que qualquer ficção. E o que hoje parece delírio desejante pode
converter-se em realidade, amanhã ou depois de amanhã. Mas, no que tenha a ver
com a Líbia estar caminhando na direção de converter-se numa nova Somália, sim,
a história indica precisamente esse rumo.
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