Da Folha
Paul Krugman
Duas semanas atrás o nordeste dos Estados Unidos estava passando por 
uma grave onda de calor. Quando escrevo este texto, porém, está fazendo 
friozinho em Nova Jersey, considerando que estamos no final de julho. O 
tempo é assim: muda sempre.
E essa observação banal pode ser o que nos condena à catástrofe 
climática, de duas maneiras. Por um lado, a variabilidade das 
temperaturas de dia a dia e de ano a ano torna fácil ignorar, deixar de 
perceber ou obscurecer a tendência de mais longo prazo de aquecimento. 
Por outro lado, mesmo uma alta bastante modesta nas temperaturas médias 
se traduz numa frequência muito maior de eventos extremos que causam 
danos maiores, como a seca devastadora que assola a região central dos 
EUA neste momento.
Com relação ao primeiro ponto: mesmo com a maior boa vontade do 
mundo, seria difícil para a maioria das pessoas permanecerem focadas no 
quadro mais amplo, diante de flutuações de curto prazo. Quando o 
termômetro assinala alta temperatura e as plantações estão ficando 
ressecadas, todo o mundo comenta o assunto, e algumas pessoas fazem a 
ligação com o aquecimento global. Mas basta os dias refrescarem um pouco
 e chover, e, inevitavelmente, a atenção das pessoas se volta a outras 
coisas.
O que agrava as coisas em muito, é claro, é o papel exercido por 
atores que não têm a maior boa vontade do mundo. A negação das mudanças 
climáticas é uma verdadeira "indústria" em grande escala financiada 
lautamente pela Exxon, os irmãos Koch e outros que têm interesse 
financeiro na continuidade da queima de combustíveis fósseis. E explorar
 a variabilidade é um dos truques básicos desse setor. Os exemplos disse
 vão desde o bordão constante da Fox News --"está fazendo frio lá fora! 
Al Gore estava enganado!"-- até as constantes alegações de que estamos 
passando por um esfriamento global, não um aquecimento, porque neste 
momento não está fazendo tanto calor quanto alguns anos atrás.
Como devemos enxergar a relação entre mudanças climáticas e nossa 
experiência cotidiana? Quase um quarto de século atrás, James Hansen, o 
cientista da Nasa que fez mais que qualquer outra pessoa para inserir as
 mudanças climáticas na pauta de discussão, sugeriu a analogia de dados 
manipulados (para uso em um jogo de dados). Imagine, sugeriram ele e 
seus colegas, representar as probabilidades de um verão quente, médio ou
 frio, segundo os padrões históricos, por um dado com dois lados 
vermelhos, dois brancos e dois azuis. Eles previram que no início no 
século 21 seria como se quatro dos lados do dado fossem vermelhos, um, 
azul, e um, branco. Os verões quentes teriam ficado muito mais 
frequentes, mas ainda ocorreriam verões frios de vez em quando.
E a tese deles está se comprovando. Conforme documentado em um novo 
artigo de Hansen e outros, ainda ocorrem verões frios pelos padrões 
históricos, mas raramente, enquanto os verões quentes ficaram duas vezes
 mais frequentes. E nove dos dez anos mais quentes na história 
registrada ocorreram desde 2000.
Mas não é só isso: temperaturas altas realmente extremas, o tipo de 
coisa que acontecia muito raramente no passado, tornaram-se bastante 
comuns. Pense nisso como se estivesse rolando dados e ocorressem duas 
sequências de seis, algo que acontece menos de 3% do tempo com dados 
normais, mas mais frequentemente quando os dados foram fraudados. E essa
 incidência crescente de eventos radicais, refletindo a mesma 
variabilidade de tempo que pode obscurecer a realidade das mudanças 
climáticas, significa que os custos das mudanças climáticas não são uma 
perspectiva distante décadas no futuro. Pelo contrário, eles já estão 
aqui, embora por enquanto as temperaturas globais estejam apenas cerca 
de um grau Fahrenheit acima das médias históricas --ou seja, uma pequena
 fração do que podem vir a subir se não tomarmos uma atitude.
A grande seca do meio-oeste americano é um caso em pauta. Esta seca 
já levou os preços do milho a alcançarem o nível mais alto da história. 
Se isso continuar, pode desencadear uma crise alimentar mundial, porque a
 região central dos Estados Unidos ainda é o celeiro do mundo. E a seca 
está ligada às mudanças climáticas, sim: fatos como esse já aconteceram 
antes, mas sua probabilidade é hoje muito maior do que era.
É possível que esta seca acabe em tempo de ser evitado o pior. Mas 
haverá mais eventos como este. Joseph Romm, influente blogueiro sobre 
questões climáticas, cunhou um termo para designar a perspectiva de 
períodos extensos de seca extrema em regiões agrícolas antes produtivas.
 Ele vem argumentando há algum tempo que esse fenômeno, com seus efeitos
 desastrosos sobre a segurança alimentar, deve representar o início dos 
danos provocados pelas mudanças climáticas, ocorrendo ao longo das 
próximas décadas; a submersão da Flórida pela elevação do mar, e tudo 
isso, se dará mais tarde.
E o fenômeno já está acontecendo.
A seca atual finalmente levará à adoção de medidas sérias com relação
 ao clima? A história não é encorajadora. Os negadores com certeza vão 
continuar a negar, especialmente porque admitir, no ponto em que 
estamos, que a ciência que eles vêm desancando estava certa desde o 
início equivaleria a reconhecer sua própria culpa no desastre que se 
avizinha. E o público tem grandes chances de perder interesse pelo 
assunto novamente na próxima vez em que o dado cair com o lado azul ou 
branco para cima.
Esperemos que desta vez seja diferente, porém. Pois os danos em 
grande escala resultantes das mudanças climáticas não são mais um 
desastre esperando para acontecer. São um desastre que está acontecendo 
agora.
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