21/8/2012, **MK Bhadrakumar, Indian Punchline
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
“Deus nos
livre de mordida de cobra, garra de tigre e vingança de afegão” (provérbio
afegão)*
Os incidentes “verde [atira] em
azul” [1] no Afeganistão serão chamados de
“ataques internos” pelos comandantes do Pentágono. É firme decisão de chamar
pedra de pedra. Fato é que os afegãos estão cobrando sangue americano nas
circunstâncias mais inesperadas, e os soldados dos EUA não têm meios para sabem
quem é “afegão do bem” e quem não é.
Em terrível incidente 6ª-feira
passada na província ocidental de Farah [2] (em região tida como relativamente
calma), numa cerimônia de formatura de novos policiais afegãos integrados à
força policial local, no instante em que um dos policiais recém-formados recebeu
fuzil oficial AK-47, ele engatilhou o fuzil, virou-se e atirou a queima-roupa
contra dois de seus instrutores militares norte-americanos, que morreram no ato.
Só
em 2012 já se registraram 35 incidentes desse tipo. A frequência desses
incidentes “verde – policiais afegãos em uniforme verde de treinamento – [atira]
em azul” – está aumentando. Só na última quinzena, foram mortos 10 soldados
norte-americanos.
A
coisa está atingindo tais proporções, que os incidentes “verde em azul” podem
converter-se em problema de campanha para o presidente Barack Obama nas eleições
de novembro. Como poderia funcionar alguma “transição” da OTAN-EUA (transferir a
responsabilidade às forças afegãs) em clima de desconfiança geral e crescente
sobre quem é quem entre os aliados?
Obama falou longamente sobre esse
assunto em conferência de imprensa na Casa Branca, na 2ª-feira. Admitiu que está
“profundamente preocupado” com o aumento no número de baixas entre os soldados.
E revelou que os altos comandantes norte-americanos estão mantendo “discussões
intensivas (...) para garantir que controlemos o problema”. No momento em que
Obama falava, os principais comandantes militares norte-americanos estavam
reunidos em Cabul. [3].
Mas
Obama não tinha qualquer solução efetiva a oferecer. Falou, em termos genéricos
sobre a importância de “melhor contrainteligência, que garanta mais eficácia no
processo de vetar afegãos candidatos ao serviço policial”; providências para
garantir que “nossos soldados não sejam postos em situações de vulnerabilidade”,
etc..
A melhor aposta que resta a
Obama [4] é que, quando acabar a “transição”,
e instrutores e soldados dos EUA já não tenham de manter contato direto com
soldados afegãos, “o número de baixas diminua entre o nosso pessoal”.
Muito
evidentemente, essa é uma das situações desesperantes sempre endêmicas
em guerras
assimétricas. Não é verdade que se possam atribuir os “ataques
internos” inteiramente a infiltração pelos Talibã. Há um veio de
“antiamericanismo” ativo aí, entre afegãos que podem não ser simpatizantes dos
Talibã, mas se opõem por inúmeras razões à ocupação norte-americana.
O
melhor modo de prevenir que se repitam os “ataque internos” será manter longe os
soldados afegãos, a distância segura, é claro. Mas, nesse caso, o déficit de
confiança só aumentará, se os soldados dos EUA passarem a exibir sempre armas
carregadas (providência já autorizada e vigente), em atitude de quem vê com
suspeitas todos os afegãos.
Obama
tem razão. A melhor solução está mesmo na “indigenização” da guerra, de modo que
os afegãos sejam deixados lá, a matarem-se uns os outros o quanto queiram,
enquanto as forças norte-americanas de ocupação resguardam-se, na segurança e no
conforto das bases militares, só deixando o abrigo para empreender ataques
aéreos e operações clandestinas das forças especiais, ações que, como se sabe,
não demandam qualquer contato direto com os pouco confiáveis soldados (e
cidadãos em geral) afegãos.
Notas
dos tradutores
*Nos
“Comentários”de: “Obama
returns to Afghan war”
**MK
Bhadrakumar foi diplomata de
carreira do Serviço Exterior da Índia. Prestou serviços na União Soviética,
Coreia do Sul, Sri Lanka, Alemanha, Afeganistão, Paquistão, Uzbequistão e
Turquia. É especialista em questões do
Afeganistão e Paquistão e escreve
sobre temas de energia e segurança para várias publicações, dentre as
quais The
Hindu, Asia Online e Indian
Punchline. É o filho mais
velho de MK Kumaran (1915–1994), famoso escritor, jornalista, tradutor e
militante de Kerala.
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Notas
de rodapé
[1]
Lit. “verde (atira)
em azul”; é variante da expressão blue on blu [lit. “azul (atira) em
azul”], tradicionalmente usada pelos soldados da OTAN, nos casos que os
militares dos EUA (e a imprensa-empresa de repetição e propaganda a eles
associada) falam de “fogo amigo”. A OTAN usa a expressão “azul atira em azul”,
tradicionalmente, na literatura sobre exercícios de treinamento militar, desde o
Pacto de Varsóvia; naqueles exercícios, as forças “amigas” vestiam azul; e as
forças “inimigas” vestiam laranja. No Afeganistão, os militares norte-americanos
são os “verdes”, atualmente levando bala também de soldados afegãos, chamados
“azuis”.
[2] 17/8/2012, Associated
Press em: “Infiltration
Or Bad Blood Behind Afghan Attacks?”
[3] 20/8/2012, NBC – Southern
California, Sam Schulz em: “Top
U.S. Brass Meet in Kabul After String of Insider
Attacks”.
[4] 20/8/2012, White House, James S. Brady Press Briefing Room em:
“Remarks
by the President to the White House Press Corps”.
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