Entreouvido na Vila Vudu: Essa matéria publicada no Portal Globo omite praticamente tudo que a seguir se assiste e/ou lê. A rede Globo “noticiou” que “Assange ironiza Obama em videoconferência em evento na ONU”.
O “jornalismo” brasileiro [só
rindo!] faz mais uma vez o papel ridículo de DEMONSTRAR que existe
exclusivamente para desnoticiar os fatos e só “noticiar” opiniões ,
p.ex., da rede Globo [risos, risos].
Tradução completa do vídeo abaixo:
Ministro Patiño, das Relações Exteriores do Equador, companheiros delegados, senhores e senhoras.
Falo hoje como
homem livre, porque, apesar de preso há 659 dias sem qualquer acusação,
sou livre no mais básico e importante sentido da palavra. Sou livre para
dizer o que penso.
Essa liberdade
existe, porque a nação do Equador concedeu-me asilo político, e outras
nações reuniram-se em apoio àquela decisão.
E porque, graças ao
artigo 19 da Declaração Universal dos Direitos Humanos da Organização
das Nações Unidas, WikiLeaks pode “receber e divulgar informação
mediante qualquer meio, e sem considerar fronteiras”.
E porque, graças ao
artigo 14.1 da Declaração Universal dos Direitos Humanos da Organização
das Nações Unidas, que consagra o direito dos perseguidos a buscar
asilo, pela Convenção de 1951 dos Refugiados e outras convenções
produzidas pela ONU, posso ser protegido – como tantos outros – contra a
perseguição política.
E é graças à ONU
que posso exercer nesse caso meu inalienável direito de buscar proteção
contra ações arbitrárias e excessivas que alguns governos empreenderam
contra mim e contra funcionários e apoiadores da minha organização. E é
graças à proibição absoluta de qualquer prática de tortura, consagrada
na lei comum e na lei internacional e na Convenção da ONU Contra a
Tortura que continuamos a denunciar torturas e crimes, como organização
que somos, não importa quem sejam os criminosos torturadores.
Agradeço a cortesia
do Governo do Equador, que me garante esse espaço, aqui, hoje, para
outra vez falar à ONU, em circunstâncias muito diferentes de minha
intervenção na Conferência Revisora Periódica Universal, em Genebra.
Há quase dois anos,
falei naquela conferência sobre o trabalho que fizemos, de expor a
tortura e a matança de mais de 100 mil cidadãos iraquianos.
Mas, hoje, quero contar-lhes uma história USA-americana. Quero contar a história de um jovem soldado norte-americano no Iraque.
Esse soldado
nasceu em Crecent, Oaklahoma, de mãe galesa e pai que servia a Marinha
dos EUA. Os pais conheceram-se e apaixonaram-se quando o pai estava
alocado numa base militar dos EUA no país de Gales.
Menino, o soldado
mostrou talentos excepcionais, e em três anos consecutivos ganhou o
primeiro prêmio na Feira de Ciências de sua escola. Acreditava na
verdade e, como todos nós, odiava a hipocrisia.
Acreditava na
liberdade e no direito de todos de buscar a felicidade. Acreditava nos
valores sobre os quais se construíram os EUA independentes. Acreditava
em Madison, em Jefferson e em Paine. Como muitos adolescentes, não sabia
bem o que fazer da vida, mas sabia que queria defender seu país e
queria aprender sobre o mundo. Alistou-se no exército dos EUA e, como
seu pai, recebeu treinamento de analista de inteligência. No final de
2009, aos 21 anos, foi enviado ao Iraque.
Ali, pelo que
dizem, viu um exército dos EUA que nem sempre respeitava a lei e que, de
fato, praticava assassinatos e apoiava a corrupção política.
Pelo que dizem, lá,
em Bagdá, em 2010, ele teria entregado a WikiLeaks, a mim, e a todos os
cidadãos do mundo, detalhes que expuseram tortura de iraquianos,
assassinato de jornalistas e registros detalhados da matança de mais de
120 mil civis no Iraque e no Afeganistão. Também dizem que teria
entregado a WikiLeaks 251 mil telegramas diplomáticos dos EUA, que,
adiante, ajudariam a deflagrar a Primavera Árabe. O nome desse jovem
soldado dos EUA é Bradley Manning.
Supostamente traído
por um informante, ele foi então preso em Bagdá, preso no Kuwait e
preso no estado da Virginia, onde permaneceu durante nove meses em cela
solitária e foi submetido a violência grave. O Relator Especial da ONU
para Torturas, Juan Mendez, investigou e formalmente acusou de
responsabilidade os EUA.
A porta-voz de
Hillary Clinton demitiu-se. Bradley Manning, destaque da feira de
ciência de sua escola, soldado e patriota, foi degradado, agredido,
psicologicamente torturado pelo próprio governo de seu país. Foi acusado
de crime para o qual a lei prevê a pena de morte. Passou por tudo isso,
tudo que o governo dos EUA fez contra Bradley Manning visou, sempre, a
conseguir obrigá-lo a testemunhar em processo contra WikiLeaks e contra
mim.
Bradley Manning
permaneceu preso, sem julgamento, por 856 dias. O prazo máximo para
prisão sem julgamento, pela lei militar dos EUA, é de 120 dias.
O governo dos EUA
tenta construir um regime nacional de clandestinidades e segredos,
opacidades, distorções e invisibilidades. Um regime no qual qualquer
funcionário do governo que passe informação sensível a organização de
imprensa pode ser condenado à morte, prisão perpétua ou por espionagem.
E, com o funcionário, também os jornalistas que recebam a informação.
Ninguém subestime a
escala da investigação que foi feita em WikiLeaks. Gostaria de poder
dizer que, no final, pelo menos, só Bradley Manning foi vítima da
violência dessa situação. Mas o ataque movido contra WikiLeaks em
relação a esse assunto e outros gerou uma investigação que diplomatas
australianos disseram ser sem precedentes, em escala e natureza. Foi o
que o governo dos EUA chamou de “investigação que envolveu todo o
governo”.
Agências já identificadas até agora, para registro na opinião pública, que operaram nessa investigação são, dentre outras: o Department of Defense, oCentcom, a Defence Intelligence Agency, a US Army Criminal Investigation Division, as United States Forces in Iraq, a First Army Division, a US Army Computer Crimes Investigative Unit, a CCIU, o Second Army Cyber-Command. E, nessas três investigações separadas de inteligência, o Department of Justice, significativamente, um seu US Grand Jury in Alexandria Virginia, o Federal Bureau of Investigation,
o qual, segundo depoimento ao juiz, no início desse ano, produziu
arquivo de 42.135 páginas sobre WikiLeaks, das quais menos de 8.000 têm
algo a ver com Bradley Manning. O Department of State, o Department of State’s Diplomatic Security Services. E mais recentemente fomos também investigados pelo Office of the Director General of National Intelligence, the ODNI, pelo gabinete do Director of National Counterintelligence Executive, pelaCentral Intelligence Agency, pelo House Oversight Committee, pelo National Security Staff Interagency Committee e pelo PIAB – o President’s Intelligence Advisory Board, Corpo de Aconselhamento de Inteligência do Presidente.
O porta-voz do Department of Justice, Dean Boyd, confirmou em julho de 2012 que a investigação sobre WikiLeaks prossegue, no Department of Justice.
Apesar de todas as
belas palavras de Barack Obama ontem, e foram muitas, belas palavras, é o
governo dele o responsável por essa campanha que quer criminalizar a
prática da livre expressão. O governo dele já agiu mais, na direção de
criminalizar a liberdade de expressão, que todos os presidentes dos EUA
antes dele, somados. Lembro da “audácia da esperança” [título de um dos
livros biográficos de Obama]... Quem pode negar que o presidente dos EUA
seja mesmo muito audacioso?!
Não é atitude de audácia, o atual governo dos EUA reivindicar os méritos pelos dois últimos anos de tanto progresso?
Não é muita audácia dizer, na 3ª-feira, que “os EUA apoiaram as forças da mudança” na Primavera Árabe?
A história da
Tunísia não começou em dezembro de 2010. Nem Mohammed Bouazizi pôs fogo
no próprio corpo exclusivamente para que Barack Obama seja reeleito.
A morte dele é bandeira do desespero que teve de suportar sob o governo de Ben Ali.
O mundo soube,
depois de ler o que WikiLeaks publicou, que o regime de Ben Ali e seu
governo foi beneficiado pela indiferença, quando não pelo apoio, dos EUA
– que sabia perfeitamente de seus excessos e crimes.
Por tudo isso, muito deve ter surpreendido os tunisianos a notícia de que os EUA apoiaram as forças da mudança no país deles.
Também deve ter
sido enorme surpresa para os jovens egípcios, que lavaram os olhos para
livrar-se do gás lacrimogêneo norte-americano, que o governo dos EUA
apoiaram a mudança no Egito.
Também com enorme
surpresa, muitos ouviram Hillary Clinton insistir que o regime de
Mubarak era “estável”. Sobretudo depois que todos já sabiam que não era,
e que seu odiado chefe de inteligência, Omar Suleiman – que nós
provamos que os EUA sabiam perfeitamente que era torturador – apareceu
para assumir o lugar de Mubarak.
Grande surpresa
deve ter sido para todos os egípcios, ouvir o vice-presidente Joseph
Biden declarar que Hosni Mubarak era bom democrata, e que Julian Assange
era terrorista high tech.
É faltar ao
respeito com os mortos e os encarcerados do levante do Bahrain dizer que
os EUA “apoiaram as forças da mudança.” Isso, sim, é audácia.
Quem pode dizer que
não é audacioso o presidente – interessado em posar como líder do mundo
– que olha para aquele mar de mudança – mudança que o povo fez – e
declara que a mudança é dele?
De bom, sim, a considerar, é que tudo isso significa que a Casa Branca já viu que esses avanços são inevitáveis.
Nessa “estação de
progresso”, o presidente viu, sim, de que lado o vento está soprando.
Melhor faria se não se pusesse a fingir que pensa que foi o governo dele
que mandou o vento soprar.
Muito bem. É
melhor, pelo menos, que a alternativa – ser deixado para trás, caído na
irrelevância, enquanto o mundo segue em frente.
Temos aqui de ser
bem claros. Os EUA não são o inimigo. O governo dos EUA não é igual nem
uniforme. Muita gente, do bom povo dos EUA apoiou, sim, as forças da
mudança. Talvez até Barack Obama, pessoalmente, estivesse nesse grupo.
Mas tomado como governo, todo ele, em grupo, e desde o início, o governo
dos EUA ativamente opôs-se à mudança.
Trata-se aqui de
fazer um registro acertado, para a história do mundo. E não é justo, nem
adequado, que o presidente distorça o registro histórico, buscando
ganhar eleições, ou só pelo prazer de dizer belas palavras. É importante
afirmar o mérito de quem tem mérito. E não se deve atribuir-se méritos a
quem não tem nenhum.
Vale o mesmo para
as belas palavras. São belas. E não há quem não concorde e recomende
aquelas belas palavras. Todos concordamos quando, ontem, o presidente
Obama disse que os povos podem resolver em paz as suas diferenças. Todos
concordamos que a diplomacia deve substituir a guerra.
Também concordamos
que o mundo é interdependente, que todos temos interesses e
responsabilidades nesse mundo. Também concordamos que a liberdade e a
autodeterminação não são valores só norte-americanos ou ocidentais, que
são valores universais.
E também
concordamos com o presidente, quando diz que temos de falar com
honestidade, se levamos a sério aqueles ideais. Mas belas palavras se
perdem, sem ações correspondentemente belas.
O presidente Obama
falou com firmeza a favor da liberdade de expressão. “Os que estão no
poder” – disse ele – “temos de resistir à tentação de atacar a opinião
dissidente”.
Há o tempo das palavras e há o tempo das ações. E o tempo das palavras já acabou.
É tempo hoje de os
EUA porem fim à perseguição contra WikiLeaks. De pararem de perseguir
nosso pessoal. De pararem de perseguir gente que eles supõem que sejam
nossas fontes.
É tempo hoje de o
presidente Obama fazer a coisa certa e unir-se às forças da mudança.
Não em belas palavras. Mas em ações belas.
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