Por Marino Boeira
Por que ser comunista nos dias de hoje? Não está mais do que provado que, quando aplicado, este sistema não deu certo? Não é verdade que o ser humano é individualista por natureza e jamais se adaptaria a um sistema que privilegia o coletivo? Os exemplos da antiga União Soviética e de Cuba, hoje, não são suficientes para demonstrar que na prática o comunismo não funciona?
Você já tentou responder mil vezes a estas questões, ora usando argumentos históricos, ora se socorrendo do que disseram grandes pensadores, buscando mostrar aos seus inquisidores que simplificar as idéias faz mal para a inteligência, mas sempre recebeu em troca olhares de desaprovação, na maioria das vezes, ou ainda pior, outras vezes, de comiseração por insistir em defender uma filosofia morta e enterrada.
Mas, você insiste.
A crise atual do capitalismo, a opção ao comunismo, é um bom argumento, mas fica longe de convencer seus detratores. Desde que a burguesia organizou de forma definitiva o sistema capitalista no final do século XVII, ele sempre enfrentou crises, mas sobreviveu, ao contrário do comunismo soviético que viveu pouco mais de 70 anos, dizem eles.
É verdade.
O capitalismo constrói e destrói tudo que cria num ritmo cada vez mais frenético, a um custo trágico para a humanidade, gerando miséria e destruição do meio ambiente.
Os mais tolerantes concordam com isso, mas perguntam: por que não teve êxito a experiência comunista na União Soviética?
Primeiro, você mostra a diferença entre o sistema imaginado por Marx e Engels de uma sociedade sem classes e o que ocorreu na Rússia depois de 1917: o socialismo, com sua proposta de economia planejada, como primeira etapa do processo para ser chegar ao estágio do comunismo, foi interrompido sem chegar ao seu final.
Depois, você tenta explicar porque isso ocorreu: houve um desvirtuamento da idéia inicial da ditadura de uma classe social, que se transformou na ditadura de um partido e depois de um homem (Stalin); a necessidade de investir em armamentos para enfrentar a ameaça americana, impediu a melhoria na qualidade de vida de todo o povo; a falta de uma democracia interna gerou grandes focos de oposição, contidas apenas pela coerção policial; o apoio internacional para a União Soviética, granjeado pela sua liderança na luta contra o nazismo e fascismo durante a segunda guerra mundial, se esvaiu pela ação permanente de desconstrução dessa imagem pelos Estados Unidos, pela mídia do mundo inteiro e pela Igreja.
É claro que seus adversários não vão concordar com isso. Então, você pode acrescentar que a curta existência do chamado “socialismo real” na União Soviética deixou pelo menos duas heranças importantes para quem vive nos países do “ocidente democrático”: a derrota do nazismo, que sem a resistência do Exército Vermelho, possivelmente teria se consolidado na Europa e o advento dos chamados “estados do bem estar social”, uma concessão dos governos capitalistas para afastar os trabalhadores dos “maus exemplos” do comunismo igualitário.
Aí, você chega ao ponto principal: o fato de não ter dado certo lá, não nos impede de pensar que se pode tentar de novo. O capitalismo levou quantos séculos para sobrepujar os antigos sistemas, escravagista e depois feudal? Quantas idas e vindas? E mesmo hoje, quando parece solidificado na América do Norte e na Europa Central, que tipo de benefícios ele traz para a maioria da população?
Esta é grande pergunta que deve ser feita: o capitalismo é capaz de levar a felicidade para a maioria das pessoas?
Nossa resposta será também de milhões de outras pessoas: não!
E o comunismo?
Talvez possa, corrigindo os erros do passado.
Rosa Luxemburgo disse uma vez que o dilema a ser enfrentado é: “socialismo ou barbárie”, complementado hoje por István Mészáros de que “barbárie … se tivermos sorte, porque o extermínio da humanidade é um elemento inerente ao curso do desenvolvimento destrutivo do capital”.
Então, respondendo as primeiras perguntas desse texto: você é comunista porque você não quer viver na barbárie e pela mesma questão ética proposta, quando a Revolução Francesa já se encaminhava para consolidação da ordem burguesa, por Babeuf e os “Sans-Culottes”, de que “o fim da sociedade é a felicidade comum e a Revolução deve assegurar a igualdade dos usufrutos”.
Líder da Conspiração dos Iguais, Babeuf foi executado na guilhotina em 1797, mas muitos de suas idéias serviram de inspiração para Marx e Engels formularem as bases de uma sociedade comunista que Lênin e Trosky tentaram colocá-la em prática na Rússia.
Marino Boeira é professor universitário
Sul 21
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