Do Outras Palavras
Culturas econômicas alternativas teriam sido reforçadas pela
crise. Mas sociólogo adverte: sistema não entrará em colapso por si
mesmo
Entrevista a Paul Mason | Tradução: Gabriela Leite | Imagem: Binho Ribeiro
O professor Manuel Castells é um dos sociólogos mais citados no
mundo. Em 1990, quando os mais tecnologicamente integrados de nós ainda
lutavam para conseguir conectar seus modens, o acadêmico espanhol já
documentava o surgimento da Sociedade em Rede e estudava a interação
entre o uso da internet, a contracultura, movimentos de protesto urbanos
e a identidade pessoal.
Paul Mason, editor de notícias econômicas da rádio BBC, entrevistou o
professor Castells na London School of Economics (Escola de Economia de
Londres) sobre seu último livro, “Aftermath: The Cultures of Economic
Crisis” (“Resultado: as Culturas da Crise Econômica”), ainda sem
tradução para português.
Castells sugere que talvez estejamos prestes a ver o surgimento de um
novo tipo de economia. Os novos estilos de viver dão sentido à
existência, mas a mudança tem também um segundo motor: consumidores que
não têm dinheiro para consumir.
São práticas econômicas não motivadas pelo lucro, tais como o
escambo, as moedas sociais, as cooperativas, as redes de agricultura e
de ajuda mútua, com serviços gratuitos – tudo isso já existe e está se
expandindo ao redor do mundo, diz ele. Se as instituições políticas vão
se abrir para as mudanças que acontecem na sociedade – é cedo para
saber. Seguem trechos da conversa.
O que é surgimento de novas culturas econômicas?
Quando
menciono essa Cultura Econômica Alternativa, é uma combinação de duas
coisas. Várias pessoas têm feito isso já há algum tempo, porque não
concordam com a falta de sentido em suas vidas. Agora, há algo mais — é a
legião de consumidores que não podem consumir. Como não consomem — por
não terem dinheiro, nem crédito, nem nada — tentam dar sentido a suas
vidas fazendo alguma coisa diferente. Portanto, é por causa das
necessidades e valores — as duas coisas juntas — que isso está se
expandindo.
Você escreveu que as economias são culturais. Pode falar mais sobre isso?
Se
queremos trabalhar para ganhar dinheiro, para consumir, é porque
acreditamos que comprando um carro novo ou uma nova televisão, ou um
apartamento melhor, seremos mais felizes. Isso é uma forma de cultura.
As pessoas estão revertendo essa noção. Pelo contrário: o que é
importante em suas vidas não pode ser comprado, na maioria dos casos.
Mas elas não têm mais escolha porque já foram capturadas pelo sistema. O
que acontece quando a máquina não funciona mais? As pessoas dizem “bem,
eu sou mesmo burro. Estou o tempo todo correndo atrás de coisa
nenhuma”.
Qual a importância dessa mudança cultural?
É
fundamental, porque desencadeia uma crise de confiança nos dois maiores
poderes do mundo: o sistema político e o financeiro. As pessoas não
confiam mais no lugar onde depositam seu dinheiro, e não acreditam mais
naqueles a quem delegam seu voto. É uma crise dramática de confiança – e
se não há confiança, não há sociedade. O que nós não vamos ver é o
colapso econômico per se, porque as sociedades não conseguem
existir em um vácuo social. Se as instituições econômicas e financeiras
não funcionam, as relações de poder produzem transformações favoráveis
ao sistema financeiro, de forma que ele não entre em colapso. As pessoas
é que entram em colapso em seu lugar.
A ideia é
que os bancos vão ficar bem, nós não. Aí está a mudança cultural. E
grande: uma completa descrença nas instituições políticas e financeiras.
Algumas pessoas já começam a viver de modo diferente, conforme
conseguem – ou porque desejam outras formas de vida, ou porque não têm
escolha. Estou me referindo ao que observei em um dos meus últimos
estudos sobre pessoas que decidiram não esperar pela revolução para
começar a viver de outra maneira – o que resulta na expansão do que eu
chamo de “práticas não-capitalistas”.
São
práticas econômicas, mas que não são motivadas pelo lucro – redes de
escambo, moedas sociais, cooperativas, autogestão, redes de agricultura,
ajuda mútua, simplesmente pela vontade de estar junto, redes de
serviços gratuitos para os outros, na expectativa de que outros também
proverão você. Tudo isso existe e está se expandindo ao redor do mundo.
Na Catalunha, 97% das pessoas que você pesquisou estavam engajadas em atividades econômicas não-capitalistas.Bem,
estão entre 30-40 mil os que são engajados quase completamente em modos
alternativos de vida. Eu distinguo pessoas que organizam a vida
conscientemente através de valores alternativos de pessoas que têm vida
normal, mas que têm costumes que podem ser vistos como diferentes, em
muitos aspectos. Por exemplo, durante a crise, um terço das famílias de
Barcelona emprestaram dinheiro, sem juros, para pessoas que não são de
sua família.
O que é a Sociedade em Rede?
É uma sociedade em
que as atividades principais nas quais as pessoas estão engajadas são
organizadas fundamentalmente em rede, ao invés de em estruturas
verticais. O que faz a diferença são as tecnologias de rede. Uma coisa é
estar constantemente interagindo com pessoas na velocidade da luz,
outra é simplesmente ter uma rede de amigos e pessoas. Existe todo tipo
de rede, mas a conexão entre todas elas – sejam os mercados financeiros,
a política, a cultura, a mídia, as comunicações etc –, é nova por causa
das tecnologias digitais.
Então, nós vivemos numa Sociedade em Rede. Podemos deixar de viver nela?Podemos
regredir a uma sociedade pré-eletricidade? Seria a mesma coisa. Não,
não podemos. Apesar de agora muitas pessoas estarem dizendo “por que não
começamos de novo?” É um grande movimento, conhecido como
“decrescimento”. Algumas pessoas querem tentar novas formas de
organização comunitária etc.
No entanto, o
interessante é que, para as pessoas se organizarem e debaterem e se
mobilizarem pelo decrescimento e o comunitarismo, elas têm que usar a
internet. Não vivemos numa cultura de realidade virtual, mas de real
virtualidade, porque nossa virtualidade – significando as redes da
internet – é parte fundamental da nossa realidade. Todos os estudos
mostram que as pessoas que são mais sociáveis na internet são também
mais sociáveis pessoalmente.
Existem diversos grupos que
hoje protestam sobre o assunto A, amanhã sobre o assunto B, e à noite
jogam World of Warcraft (jogo RPG online de aventura). Mas será que eles
vão conseguir o que Castro e Guevara conquistaram?O
impacto nas instituições políticas é quase insignificante, porque elas
são hoje impermeáveis a mudanças. Mas, se você olhar para o que está
acontecendo em termos de consciência… há coisas que não existiam três
anos, como o grande debate sobre a desigualdade social.
Em
termos práticos, o sistema é muito mais forte do que os movimentos
nascentes… você atinge a mente das pessoas por um processo de
comunicação, e esse processo, hoje, acontece fundamentalmente pela
internet e pelo debate. É um processo longo, que vai das mentes das
pessoas às instituições da sociedade. Vamos usar um exemplo histórico: a
partir do fim do século XIX, na Europa, existiam basicamente os
Conservadores e os Liberais, direita e esquerda. Mas então alguma coisa
aconteceu – a industrialização, os movimentos da classe trabalhadora,
novas ideologias. Nada disso estava no sistema político. Depois de vinte
ou trinta anos, vieram os socialistas e depois a divisão dos
socialistas… e os liberais basicamente desapareceram. Isso mudará a
política, mas não por meio de ações políticas organizadas da mesma
maneira. Por quê? Porque as redes não necessitam de organizações
hierárquicas.
Onde isso vai dar?Tudo isso
não vai virar uma grande coalizão eleitoral, não vai virar nenhum novo
partido, nenhum novo coisa nenhuma. É simplesmente a sociedade contra o
Estado e as instituições financeiras – mas não contra o capitalismo,
aliás, contra insitituições financeiras, o que é diferente.
Com
esse clima, acontece que nossas sociedades se tornarão cada vez mais
ingovernáveis e, em consequência, poderá ocorrer todo tipo de fenômeno –
alguns muito perigosos. Veremos muitas expressões de formas
alternativas de política, que escaparão das correntes principais de
instituições políticas tradicionais. E algumas, é claro, voltando ao
passado e tentando construir uma comunidade primitiva e nacionalista
para atacar todos os outros movimentos e, finalmente, conseguir ter uma
sociedade excluída do mundo, que oprime seu próprio povo.
Mas
acontece que, em qualquer processo de mudança social desorganizada e
caótica, todos esses fenômenos coexistem. E o modo como atuam uns contra
os outros vai depender, em última análise, de as instituições políticas
abrirem suficientemente seus canais de participação para a energia de
mudança que existe na sociedade. Então talvez elas possam superar a
resistência das forças reacionárias que também estão presentes em todas
as sociedades.
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