Pixação em muro de Osasco, SP, denuncia assassinato de morador
Em
poucos dias, centenas de pessoas foram assassinadas a tiros em uma
série de atentados em várias partes do estado de São Paulo, em especial
na capital e região metropolitana.
Entre os dias 24 e 26 de
outubro, cinco homicídios foram registrados na capital paulista e
bairros vizinhos. No fim de semana seguinte — dias 27 e 28 de outubro —
42 pessoas foram baleadas em bairros pobres e ao menos 26 delas
morreram. Na grande maioria dos casos, as vítimas foram alvejadas por
homens em motocicletas ou automóveis sem placa. Na região central, oito
pessoas foram atacadas a tiros e ao menos duas delas morreram. Na zona
Leste, foram 16 feridos e sete mortos. Na zona Norte, dois homens foram
baleados e, na zona Sul, um homem foi assassinado a tiros.
Na
zona Norte de Ribeirão Preto, interior de São Paulo, somente no dia 19
de outubro, 14 pessoas foram baleadas e cinco delas morreram. Nenhum
dos mortos tinha passagem pela polícia.
No dia 29 de outubro, o
Grupo Tortura Nunca Mais de São Paulo divulgou nas redes sociais uma
nota às autoridades cobrando uma posição a respeito desses
assassinatos.
"Não é possível que não se tenha notícia da prisão
dos criminosos ou esclarecimento policial quanto a essas mortes (...)
Gostaríamos de saber se para todos esses crimes foram abertos
inquéritos policiais, acompanhados pelo Ministério Público Estadual —
com investigações, exames necropsiais e de balística — com
encaminhamento ao poder Judiciário".
Muitos atribuem a onda de
ataques que já deixou centenas de mortos em São Paulo a grupos de
extermínio formados por policiais. Investigações das corregedorias de
polícia apontam a existência de, ao menos, cinco desses grupos nas
zonas Norte e Leste de São Paulo, na cidade de Guarulhos e na Baixada
Santista.
Uma investigação sobre esses grupos encontrou indícios
de que no dia 12 de julho, em Osasco, um desses grupos tenha
assassinado oito pessoas.
Além disso, alguns jornalistas que
denunciam as atrocidades cometidas pelo velho Estado têm sofrido
ameaças. Segundo carta enviada pelo Comitê Paulista pela Memória,
Verdade e Justiça aos ministros Eduardo Cardozo, da justiça; e Maria do
Rosário, Ministra-Chefe da Secretaria de Direitos Humanos; "o repórter
André Caramante, do jornal Folha de S. Paulo, e sua família tiveram
que deixar o país em razão das ameaças recebidas, muitas das quais
foram postadas em endereço digital pertencente ao tenente-coronel
reformado Paulo Telhada, ex-comandante da ROTA, batalhão da PM
responsável por diversas chacinas nos últimos anos. A repórter Lúcia
Rodrigues, da Rede Brasil Atual, também tem sofrido ameaças".
Na
última farsa eleitoral, o tenente-coronel Paulo Telhada se elegeu
vereador. O PM comandou a ROTA por dois anos e meio, período no qual
houve um aumento de 63,16% no número de mortes causadas pelo
grupamento. O coronel ainda é acusado de forjar ataques ao batalhão da
ROTA em 2010 para justificar a execução de criminosos. Como se não
fosse o bastante, Rafael Telhada, filho do coronel, também da Rota,
estaria sendo investigado em relatórios do DHPP por possível
envolvimento em assaltos a caixas eletrônicos. Rafael foi elogiado pelo
pai depois de ter participado da ação da PM que assassinou 9 pessoas
em Várzea Paulista, num suposto "tribunal do crime".
Além de
Telhada, Conte Lopes também foi eleito. Os dois juntos somam 77 mortes
no período em que comandavam a ROTA. O Coronel Álvaro Camilo é 1°
suplente e também deve assumir em janeiro de 2013.
Militarização chega à maior favela de SP
Soldados fazem policiamento na favela Paraisópolis
Não
é só no Rio de Janeiro que as populações das favelas e bairros pobres
têm sofrido com a militarização. Em São Paulo, na madrugada do dia 29
de outubro, cerca de 500 policiais militares levaram a cabo a chamada
"Operação Saturação" na favela de Paraisópolis, na zona Sul da capital.
A favela é a maior do estado e tem cerca de 80 mil moradores.
Logo após a entrada dos policiais em Paraisópolis, blitz
foram montadas em todos os acessos à favela e todos os moradores que
entravam e saiam eram revistados. Desde que a PM ocupou o local, foram
feitas 21,8 mil abordagens e 15,7 mil vistorias em carros. Segundo o
secretário de Segurança Pública, Antonio Ferreira Pinto, "a operação
visa trazer tranquilidade para os moradores" da favela, vizinha de um
dos bairros mais ricos do país, o Morumbi.
Segundo o secretário,
as ordens para as seguidas execuções de PMs nos meses de agosto e
setembro teriam partido de Paraisópolis. E de onde partiram as ordens
para a matança em andamento nas favelas e bairros pobres em todo o
estado? Essa é a pergunta que não quer calar.
Na internet, nas
redes sociais do grupo Mães de Maio, vários internautas criticavam a
militarização. Um deles é o jovem Thiago Vinícius, que não poupou
palavras.
"Operação Saturação na comunidade aqui ao lado do Campo
Limpo, Paraisópolis, é uma ação pontual. Mais uma vez a população vê o
Estado presente somente pela repressão. Se não fossem os movimentos
sociais de base e de verdade (porque lá chove de ONGs pilantrópicas) a
situação seria bem pior. Muitas crianças fora da escola, sem médicos,
sem lazer. Tudo isso ao lado do bairro com alto índice de
desenvolvimento: o nobre Morumbi."
Outro internauta, Bruno Pereira Bueno, denunciou um suposto toque de recolher nas escolas de Paraisópolis.
"Uma
tia minha dá aulas numa escola estadual lá em Paraisópolis onde a PM
está ocupando, e disse que a recomendação da polícia, ontem e hoje, foi
para que os professores não fossem dar aula, apesar de os principais
jornais relatarem que o dia está correndo normalmente."
"Suspeito: preto, pobre, da periferia"
Segundo
especialistas em sociologia e ciências políticas, a origem do problema
está na formação da polícia militar de São Paulo e nas condições
desumanas de sobrevivência impostas à crescente população carcerária de
São Paulo.
Em entrevista exclusiva ao AND, a socióloga Vera Malaguti —
professora de Criminologia da Universidade Cândido Mendes e Secretária
Geral do Instituto Carioca de Criminologia (ICC) — disse que um dos
motivos da atual escalada da violência contra os pobres em São Paulo
foi o descumprimento de acordos extraoficiais firmados entre o
gerenciamento estadual e a organização criminosa PCC — Primeiro Comando
da Capital.
— Uma hora, as autoridades vão ter que colocar as
cartas na mesa e dizer que está sendo feito um acordo entre o PCC e o
governo do estado de São Paulo desde os crimes de maio de 2006 e o
acordo foi quebrado pela polícia com essa matança de pobres que está
acontecendo. Inclusive, existe uma tese de antropologia da USP que
trata justamente desses acordos extraoficiais. O próprio PCC surgiu a
partir da opressão penitenciária, realidade que não mudou até os dias
de hoje. Os presídios estão superlotados, os parentes de presos não são
tratados com dignidade. Qual poderia ser o resultado dessa realidade
brutal? Outros estudos revelaram que os líderes do PCC ingressaram no
sistema penitenciário por pequenos delitos. Eu acredito que essa
escalada da matança de pobres que está acontecendo em São Paulo só vai
ser interrompida quando a discussão for feita com a verdade, com os
fatos — alerta.
O cientista político da USP Guaracy Mingardi
vai mais fundo ao apontar as raízes antipovo da polícia de São Paulo. O
especialista diz que, até a década de 70, havia três tipos de polícia
em São Paulo: Civil, Força Pública e Guarda Civil.
— Em 69, o
regime militar disse ‘isso não dá certo porque a gente não controla a
polícia’. Então, eles juntaram no mesmo balde a Força Pública, a Guarda
Civil e criaram a Polícia Militar. E para manter aquilo sob controle, o
primeiro, segundo, terceiro comandantes foram coronéis ou generais do
Exército, pra militarizar aquela polícia. Ou seja, militarizou com base
no que o Exército achava que era o trabalho policial. A partir dos
anos 70 esse comando do Exército foi recriando a ideia do inimigo. É
nesse momento que vem a figura do suspeito: preto, pobre, da periferia,
porque, para um agrupamento militar é preciso ter a ideia do inimigo,
que deve ser identificável enquanto grupo que deve ser derrotado — explica o especialista à revista digital Carta Maior.
Matança de pobres em todo o país
Em
apenas 29 meses, 2.882 pessoas foram mortas pela polícia em favelas e
bairros pobres de quatro estados do país. Uma média de 3,3 mortos por
dia. São dados divulgados pela própria Secretaria de Direitos Humanos
da Presidência da República (SDH/PR) referentes ao período compreendido
entre janeiro de 2010 e junho de 2012. Os estados analisados foram
apenas quatro, já que os outros gerenciamentos estaduais não divulgam
números de homicídios cometidos por policiais.
Em Santa Catarina,
137 pessoas foram mortas no período analisado. No Mato Grosso do Sul,
foram 57, 1.590 no Rio de Janeiro e 1.098 em São Paulo. Segundo dados
da Anistia Internacional, em 2011, o número de pessoas mortas em
supostos "autos de resistência" — como são chamadas as mortes em
confronto com a polícia — foi 42,16% maior do que todas as penas de
morte executadas, após o devido processo legal, em 20 países. De acordo
com Débora Maria, coordenadora do movimento Mães de Maio e mãe de uma
das vítimas dos Crimes de Maio de 2006 em São Paulo, os gerenciamentos
de turno dão carta branca para a matança e fazem vista grossa para
grupos de extermínios formados por policiais.
— A gente sabe
que quem matou em 2006 aqui em São Paulo continua matando até os dias
de hoje, porque não foram punidos. Eles ganharam carta branca para
matar. O governo do estado é omisso, ele não admite que dentro das
corporações policiais existem grupos de extermínio, por exemplo — argumenta.
SP: polícia mata cada dia mais
Nos
últimos dias, o monopólio dos meios de comunicação estampou em suas
manchetes alertas para o crescimento do número de policiais
assassinados em São Paulo. Entretanto, pouco se fala sobre a disparada
no número de mortes cometidas pelas polícias do gerenciamento Alckmin
entre os meses de fevereiro e junho desse ano. Segundo dados da
ouvidoria de polícia do estado de São Paulo, em média, 36 pessoas foram
mortas por mês pela PM entre fevereiro e abril. Em maio, o índice
saltou para 52 casos, o que representa um aumento de 44% em comparação
com os meses anteriores. Em relação ao mesmo período de 2011, a alta
foi de 13%.
A maioria desses assassinatos é atribuída a ROTA —
Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar — a mais letal tropa da PM de São
Paulo. Somente no primeiro semestre desse ano, a ROTA foi reponsável
por 48 dessas mortes. Um aumento de 20% em relação ao mesmo período de
2011. Desde novembro do ano passado, a ROTA esteve sob o comando do
tenente-coronel Salvador Modesto Madia, que foi substituído no dia 26
de setembro pelo tenente-coronel Nivaldo César Restivo. Ambos são réus
no processo sobre o Massacre do Carandiru, ocorrido em 1992, quando 111
detentos foram mortos pela polícia sob o comando dos dois militares.
Em
2011, supostos confrontos envolvendo a ROTA em favelas e bairros
pobres de São Paulo deixaram 82 pessoas mortas, o que revela um
crescimento estarrecedor desde 2007, quando foram registradas 46
mortes. Desde 2001, o maior número de ‘autos de resistência’ envolvendo
a ROTA foi registrado em 2003, quando 124 pessoas foram assassinadas.
Além
disso, em 2012, o número de homicídios também subiu consideravelmente
no estado de São Paulo. Somente no mês de junho, 434 pessoas foram
assassinadas. No mesmo período do ano passado, o número de mortos foi
de 324. Em setembro, a discrepância foi ainda maior. Foram 135
assassinatos. Um aumento de 96% em relação ao mesmo período de 2011.
A Nova Democracia
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