Simulador ‘Safo’ permite tiro virtual e economia real da Artilharia do Exército
Equipamento desenvolvido por empresa espanhola e militares brasileiros projeta cenários e condições climáticas diferentes, permite deslocamentos em helicópteros da tropa e avalia desempenho ao fim do exercício. Medida deve poupar R$ 40 milhões por ano em munição
Camuflado pela escuridão e deitado em uma
elevação, o integrante das Forças Especiais do Exército Brasileiro,
infiltrado em território inimigo, usa os binóculos de visão noturna para
localizar um conjunto de baterias de artilharia adversário, que pode
barrar o avanço das tropas. Auxiliado por um especialista em
comunicações, o observador dá as coordenadas por rádio para a
artilharia, a 15 km dali, atrás da cadeia de montanhas, neutralizar o
inimigo. Se o meio disponível fosse um bombardeio aéreo, o alvo poderia
ser marcado à distância com laser. Neste caso, o observador avaliou que o
alvo não justifica o alto custo da munição aérea. Segundos depois,
ouve-se o disparo dos tiros e o silvo da granada antes de explodir
precisamente sobre os alvos. Missão cumprida.
A partir de 2014, os militares poderão
praticar missões virtuais como esta antes de ir efetivamente a campo, na
Academia Militar das Agulhas Negras, em Resende e no Centro de
Instrução Blindada de Santa Maria (RS). O Exército terá o Safo
(Simulador de Apoio de Fogo), um dos mais modernos do gênero no mundo. O
software do equipamento, customizado para a artilharia nacional, está
em fase final de desenvolvimento conjunto, com a empresa espanhola de
defesa Tecnobit.
Seguindo as diretrizes da Estratégia Nacional
de Defesa, o contrato prevê a transferência de 100% da tecnologia para o
Exército e compensações do mesmo valor investido, 13,98 milhões de
euros (ou R$ 37,9 milhões, ao câmbio do dia 5).
O simulador vai ajudar na instrução de tiro de
artilharia, cuja munição real é muito cara e cuja prática enfrenta
restrições devido ao tamanho de áreas de treinamento. O Exército estima
uma economia de cerca de R$ 40 milhões em tiros de artilharia por ano,
com a adoção do simulador.
“A guerra é cara. Um tiro de granada
auto-explosiva custa mais de R$ 2 mil. Se for com fumígeno, esse valor
se eleva para R$ 5 mil, R$ 6 mil. O custo de uma granada inteligente,
então, varia de US$ 30 mil a US$ 70 mil. A artilharia do Exército
dispara entre mil e 1,5 mil tiros por ano, em orçamento da ordem de R$
49 milhões. Um estudo estimou a economia com munição em R$ 40 milhões
por ano, o que paga em um ano o investimento no simulador”, disse o
tenente-coronel Rubens Pierrutti, chefe do projeto.
O nome do simulador faz alusão ao jargão
militar “safo”, que descreve alguém desembaraçado, descomplicado, com
iniciativa. Por simular ainda fogos aéreos e navais – e não apenas de
artilharia – virou a abreviação de Simulador de Apoio de Fogo.
A Aman e o Centro de Instrução Blindada de
Santa Maria servirão como centros de simulação e prática para os
artilheiros do Exército e da Marinha de boa parte do País – abrangerá
76% das unidades de Artilharia e 85% dos estabelecimentos de ensino da
arma. A estrutura física do primeiro, em Resende, já está quase pronta.
No segundo, o terreno passa por terraplenagem.
Os simuladores serão instalados em complexos
construídos para esse fim, com auditório, salas de briefings, e um
galpão para a instalação dos obuseiros da chamada “linha de fogo” –– de
grupos de artilharia de campanha. Diferentemente de outros simuladores
existentes, que atuam apenas na chamada “linha de fogo”, a ponta, o Safo
engloba todos os subsistemas da complexa arma de Artilharia: linha de
fogo, topografia, observação, comunicações, direção e coordenação,
logística, busca de alvos e meteorologia.
Ao lado do complexo que abrigará o Safo, haverá espaço
para um acampamento militar com 18 barracas – 15 para a tropa e três
para o “rancho” (refeitório) – e seis banheiros. O objetivo é que os
militares se sintam no front durante o exercício. Em Resende, toda a
infra-estrutura de eletricidade, água e esgoto e rede de fibra ótica
precisou ser construída, e o custo total de instalação foi de cerca de
R$ 6 milhões.
Estrutura interna
Na sala de simulação, os postos de observação
serão três diferentes, de acordo com o cenário escolhido, projetado nos
telões à frente, de 180 graus: casamata (já pronto), trincheira e
combate urbano, com áudio 5.1 ao redor, de modo que os militares se
sintam efetivamente no campo de batalha.
O instrutor define no simulador as variáveis do exercício
– terreno, meteorológica, inimigo, etc –, que pode ocorrer em meio a
uma tempestade de neve, granizo, de dia ou à noite, dependendo do
objetivo. Os instrutores observam a atuação dos alunos por vidros
espelhados e câmeras, da sala de controle. O Safo funcionará com
armamento real, com sensores, e os militares vão manusear o obuseiro e
disparar o tiro efetivamente, mas a munição não é real. “É como se
estivesse executando o tiro, só que não destruímos o alvo de fato”,
explica Pierrutti.
O equipamento é capaz de simular todos os tipos
de obuseiro, apoio de fogo aos níveis de batalhão, região militar e
divisão, apoio de fogo adicional de artilharia aérea e integra as
manobras com inteligência. Na instrução, o militar pode usar binóculos
de visão noturna, rádios, bússolas, telêmetro laser – basta programar o
material desejado para a instrução. O observador se desloca virtualmente
no terreno simulado a pé, embarcado em viatura, ou em avião ou
helicóptero. Até mesmo um Vant (Veículo Aéreo Não-Tripulado) pode ser
enviado para obter informações.
“O simulador respeita as leis da física, de
velocidade e som e condições meteorológicas. Se tiver ventando, a fumaça
vai balançar de acordo com o vento, por exemplo”, disse o
tenente-coronel Pierrutti.
O equipamento é capaz de simular ainda a
resposta do inimigo e a movimentação das tropas, uma vez alvejadas – e
pode servir para testar doutrinas novas, como um “laboratório
operacional”. Ao fim do exercício, que abrange todas as fases e
componentes de um tiro real, o software faz a avaliação do exercício.
“Melhora muito o adestramento, porque podemos
repetir o procedimento e avaliá-lo. O Safo acrescenta uma etapa ao
adestramento: em vez da instrução técnica e do adestramento na unidade
militar, acrescentamos o simulador como terceira etapa, antes do
exercício real, no terreno. Quando o militar chega a esse ponto, já
consegue melhor desempenho, porque já praticou no simulador”, explica
Pierrutti, que coordena desenvolvimento do projeto e já atuou no
programa que resultou no computador palmar militar da Imbel.
Para inserir informações de novos terrenos para
treinamento, basta um mapa em 2D, que o software o transforma em um novo
local de treinos. Assim, em caso de uma missão real na Amazônia, por
exemplo, os militares já poderão se familiarizar e ambientar com o local
exatamente retratado na simulação.Contrato
O contrato, no valor de 13,98 milhões de euros
(R$ 37,9 milhões) foi assinado em outubro de 2010, entre o Exército e a
espanhola Tecnobit, responsável pelo Simaca (Simulador de Artilharia de
Campanha) do Exército espanhol, modelo com dez anos de uso e menos
sofisticado que o Safo, segundo a empresa e o Exército.
“Desenvolvemos um produto novo, com a doutrina
do Exército. Não é um pacote fechado, mas customizado e permitirá
adaptações futuras, além de a tecnologia ser transferida integralmente
para o Brasil, que se tornará teoricamente capaz de criar novos
simuladores militares – entrando para um restrito grupo de países com
essa capacidade”, disse Marcus Bispo, engenheiro de sistemas da
Tecnobit.
O acordo de compensação comercial prevê investimentos da
empresa espanhola em valor equivalente ao do Exército, inclusive com a
instalação de um laboratório de simulação no CTEx (Centro Tecnológico do
Exército). Se o equipamento for vendido a outro cliente, o Brasil terá
direito a royalties, dado o desenvolvimento conjunto.
Embora ainda esteja em fase de implantação, o
Safo na Aman já recebeu visitas de militares de 11 países, como cadetes
de West Point (Academia de formação de oficiais do Exército dos Estados
Unidos), Colômbia, Argentina, Chile e outros países da América Latina. O
Brasil pretende usar o simulador para promover intercâmbio regional.
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