13/11/2012, Juliet Jacques, NewStateman (com intervenções)
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Barricadas frente à Madeleine, na Comuna de Paris. Imagem via WikiCommon |
Epígrafe
acrescentada pelo pessoal da Vila
Vudu:
Tese
8: “Os
teóricos que reconstituem a história deste movimento, colocando-se do ponto de
vista omnisciente de Deus que caracterizava o romance clássico, mostram sem
dificuldade que a Comuna estaria objetivamente condenada, que não teria
superação possível. Mas para os que viveram o acontecimento, a superação estava
ali”.
Tese
13:
“A guerra social de que a Comuna constitui um momento continua sempre (por muito
que tenham mudado algumas condições superficiais). Sobre o trabalho de “tornar
conscientes as tendências inconscientes da Comuna” (Engels) ainda não foi dita a
última palavra”.
Guy
Debord em: “14
Teses sobre a Comuna de Paris”, Internationale
Situationiste,
n. 7, Abril de 1962
Émile Zola |
Apesar do
curto período de existência, de março a maio de 1871, a Comuna de Paris inspirou um
romance de Émile Zola (La Débâcle, 1892), filmes de Grigori Kozintsev e Peter
Watkins, e várias análises propostas por pensadores socialistas, a começar por
A
Guerra Civil na França, de Karl Marx, sobre o que o curto sucesso e
o estrondoso fracasso da Comuna têm a ensinar aos muitos, sobre como reorganizar
a sociedade.
De fato, a única
correção que Marx e Engels fizeram ao Manifesto
Comunista brotou de lição da Comuna, a qual, escreveram eles, demostrara que
“a classe trabalhadora não pode apenas ocupar a máquina já existente do Estado
para usá-la para seus próprios objetivos”.
Prosper-Olivier Lissagaray |
A narrativa da Comuna tornou-se
profundamente ideologizada, depois que as tropas da 3ª República francesa a
esmagaram, ainda furiosas pela derrota da França na guerra franco-prussiana
e pelo acordo
punitivo de janeiro de 1871.
Agora,
já praticamente em 2013,
a editora Verso volta a editar a seminal História da Comuna de Paris (em português) do communard Prosper-Olivier
Lissagaray (1838-1901), publicada em francês pela primeira vez em 1876, com
Lissagaray ainda exilado na Bélgica, e traduzida
ao inglês por sua
mulher, Eleonora Marx [filha de Marx].
Com
essa história detalhadíssima, Lissagaray visava a combater “as mentiras e
calúnias burguesas” que se seguiram à supressão da Comuna, para extrair lições e
demarcar os fatos para historiadores futuros.
Eleonora Marx |
O
que os leitores contemporâneos aprendem da história de Lissagaray?
A palavra “comuna” sugere
“comunismo”, mas já era usada para designar o conselho da cidade, como
autoridade local autônoma. A denominação tem raízes na Revolução Francesa, e já
houvera uma comuna de Paris entre 1789 e 1795, a qual, sob controle dos
jacobinos, recusara-se a obedecer ordens do governo central depois de
1792. A
Comuna de 1871 aconteceu depois de Paris ter sido sitiada pelos prussianos,
cerco que começou em setembro de 1870, depois do colapso do Segundo Império de
Napoleão III. Preparando para o ataque iminente,
a Guarda Nacional Francesa foi aberta para a classe trabalhadora parisiense, que
elegeu seus próprios líderes do Comitê Central da Guarda. Muitos desses líderes
eram radicais, republicanos ou socialistas jacobinos, sobretudo no norte, os
mesmos que, adiante, tornaram-se líderes da Comuna.
Essa
guarda parisiense destinava-se a defender a cidade contra a invasão prussiana e
pela restauração da monarquia, sobretudo depois que, nas eleições para a
Assembleia Nacional, em fevereiro de 1871, os monarquistas perderam a maioria.
Cada dia mais radical, a Guarda Nacional parisiense acumulou armamento pesado;
até que, no dia 18/3/1871, Adolphe Thiers, eleito recentemente “Autoridade
Executiva” do novo governo, e temeroso das consequências de a municipalidade em
Paris estar tão pesadamente armada, ordenou que os soldados confiscassem toda a
munição que havia em Montmartre. Os parisienses revoltaram-se; dois generais
foram assassinados; Thiers recolheu-se, com todo o gabinete administrativo, para
o Palácio de Versailles, deixando um vácuo de poder, que foi rapidamente
preenchido pelo Comitê Central da Guarda Nacional parisiense.
A
Comuna nasceu sitiada, o que tornou absolutamente urgente e necessário
distribuir comida, dinheiro e armas entre os communards; nasceu também
constituída de trabalhadores; e a constituição operária do Comitê Central da
Comuna de Paris tornou-o excepcionalmente interessante para Marx e seus
seguidores. Embora separasse estado e igreja; tenha cancelado aluguéis a pagar
durante o sítio; tenha abolido o trabalho noturno nas padarias e todos os tipos
de juros sobre dívidas; e admitisse que os operários ocupassem lojas e fábricas
abandonadas, a Comuna nunca foi formalmente socialista – as ideias de Marx ainda
não haviam penetrado na esquerda francesa; e, em 1871, os teóricos utopistas,
como Charles Fourier, já haviam saído de moda.
Louis-Auguste Blanqui |
Louis-Auguste
Blanqui – que tentara assumir o poder em outubro de 1870; que viu seu projeto
sobreviver apenas 12 horas; e que foi preso um dia antes de as tropas chegarem a
Montmartre para desarmar a guarnição local – era, então, ainda, o pensador mais
influente. Por isso os Communards fizeram várias tentativas para
libertá-lo, tentando uma troca de prisioneiros: Blanqui, em troca de padres que
os Communards tomavam como reféns. Thiers rejeitou todas as propostas.
Mas
eram poucos, entre os Communards, os que partilhavam o desejo blanquista
de implantar uma ditadura do proletariado; a maioria tendia a eleger membros
para o Comitê e o novo Conselho Executivo. Para Lissagaray, o principal problema
parecia ser a falta de ideologia e de organização. As eleições elegeram
radicais, moderados e conservadores, e não havia qualquer linha partidária por
trás da atividade da Comuna; os líderes consumiam tempo precioso em infindáveis
discussões, quando o mais urgente seria agir contra a mobilização dos soldados
de Thiers em Versailles.
Lissagaray
aponta, logo à primeira página, para a divisão insuperável entre a esquerda
radical e a esquerda parlamentar (a esquerda parlamentar já aliada, de fato, a
Thiers). A desunião tornar-se-ia afinal pública, entre o Comitê Central e o
Conselho Executivo da Comuna; separação provocada, pelo menos em parte, por o
Comitê não se decidir a assumir o controle sobre Banco da França.
“Naqueles
cofres (...) há 4,6 milhões de francos” – Lissagaray lamenta – “mas as chaves
estão em Versailles; e, dada a tendência do movimento para conciliar-se com os
prefeitos [delegados Varlin e Jourde, do Comitê Central da Comuna], ninguém se
atreve a arrombar os ferrolhos e fechaduras”.
Essa
decisão tornou-se a mais amplamente criticada em todas as histórias que se
escreveram depois. Foi bem claramente a decisão, considerada isoladamente, que
Lissagaray mais profundamente lamenta. Escreveu que o governo da Comuna optou
por “submeter-se ao Banco da França”, opção que potencializou o fracasso mais
amplo de só fazer aprovar “legislação insignificante (...), sem plano militar,
sem programa (...), deixando-se arrastar em discussões em que nada se decide e a
partir das quais nada se faz”.
O
caos assim gerado – que se percebe no tom de absoluta urgência que há no texto
de Lissagaray e, até, na dificuldade que o leitor encontrará, ainda hoje, para
compreender e acompanhar as rápidas modificações na estrutura da Comuna – levou
à ditadura.
Em
pouco tempo, um novo Comitê de Segurança Pública sobrepujou o Conselho, que
cometeu o erro de não admitir que o povo participasse de suas reuniões, o que
gerou a imagem de que seria paranoico e antidemocrático; e assumiu a
responsabilidade pela defesa de Paris.
Daí
em diante, a Comuna ficou à mercê dos líderes militares, cuja negligência e
insuficiente competência tática – sobretudo ao instalar barricadas, já tornadas
inúteis depois que o Barão Haussmann reformara Paris nos anos 1860s – a
condenaram à derrota.
A
retaliação foi violenta: 3.000 parisienses mortos ou feridos nas batalhas de
maio de 1871; e Lissagaray estima que cerca de 20 mil morreram até meados de
junho – três mil a mais do que admitidos pela justiça militar do governo. Muitos
mais foram presos, na França e nas colônias; só foram anistiados em julho de
1880.
Guy Debord |
Os Situacionistas Guy Debord,
Attila Kotányi e Raoul Vaneigem, em suas Teses
sobre a Comuna de Paris
publicadas em março de 1962,
procuraram separar a experiência da Comuna, de tentativas anteriores, para
inferir dela uma teoria de como poderia funcionar uma ditadura do proletariado.
Escreveram
que “A Comuna de Paris foi vencida menos pela força das armas que pela força do
hábito. O exemplo prático mais escandaloso foi a recusa em recorrer ao canhão
para tomar o Banco de França, quando o dinheiro fazia tanta falta. Enquanto
durou o poder da Comuna, a banca permaneceu como um enclave em Paris, defendida
por algumas espingardas e pelo mito da propriedade e do roubo. Os restantes
hábitos ideológicos foram desastrosos sob todos os pontos de vista (a
ressurreição do jacobinismo, a estratégia derrotista das barricadas em memória
de 48, etc.)” (Tese n. 8).
Escreveram
que “Há que retomar o estudo do movimento operário clássico de uma forma
desenfeudada e em primeiro lugar desenfeudada das diversas classes de herdeiros
políticos ou pseudo-teóricos, pois não possuem mais que a herança do seu
fracasso. Os êxitos aparentes deste movimento são os seus fracassos fundamentais
(o reformismo ou a instalação no poder de uma burocracia estatal) e os seus
fracassos (a Comuna ou a revolta das Astúrias) são até agora os seus êxitos
abertos, para nós e para o futuro”. (Tese 1).
Talvez
cada geração, posta ante diferentes crises do capitalismo, que as gerações
anteriores não conheceram, identifique diferentes lições na Comuna
(...)
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