Um importante livro de Shlomo Sand
31 Dezembro 2012,
Miguel
Urbano Rodrigues -
ODiário, Portugal
Enviado por Baby Siqueira
Abrão
Uma chuva de insultos fustigou Shlomo Sand quando publicou em
Israel um livro cujo título - “Como foi
inventado o povo judeu”- desmonta mitos bíblicos que são cimento do Estado
sionista de Israel.
Professor de Historia Contemporânea na Universidade de Tel- Aviv, ele
nega que os judeus constituam um povo com uma origem comum e sustenta que foi
uma cultura especifica e não a descendência de uma comunidade arcaica unida por
laços de sangue o instrumento principal da fermentação proto-
nacional.
Para ele o “Estado judaico de
Israel”, longe de ser a concretização do sonho nacional de uma comunidade étnica
com mais de 4 000 anos, foi tornado possível por uma falsificação da história
dinamizada no seculo XIX por intelectuais como Theodor Herzl.
Enquanto acadêmicos israelenses insistem em afirmar que os judeus são um
povo com um ADN próprio, Sand, baseado numa documentação exaustiva, ridiculariza
essa tese acientífica.
Não há, aliás, pontes biológicas entre os antigos habitantes dos reinos
da Judeia e de Israel e os judeus do nosso tempo.
Miguel Urbano Rodrigues |
O mito étnico contribuiu poderosamente para o imaginário cívico. As suas
raízes mergulham na Bíblia, fonte do monoteísmo hebraico. Tal como a Ilíada, o
Antigo Testamento não é obra de um único autor. Sand define a Bíblia como
“biblioteca extraordinária” que terá sido escrita entre os séculos 6º e 2º AC. O
mito principia com a invenção do “povo sagrado” a quem foi anunciada a terra
prometida de Canaã.
Carecem de qualquer fundamento histórico a interminável viagem de Moisés
e do seu povo rumo à Terra Santa e a sua conquista posterior. Cabe lembrar que o
atual território da Palestina era, então, parte integrante do Egito
faraônico.
A mitologia dos sucessivos exílios, difundida através dos séculos,
acabou por ganhar a aparência de verdade histórica. Mas foi forjada a partir da
Bíblia e ampliada pelos pioneiros do sionismo.
As expulsões em massa de judeus pelos Assírios são uma invencionice. Não
há registo delas em fontes históricas credíveis.
O grande exílio da Babilônia é tao falso como o das grandes diásporas.
Quando Nabucodonosor tomou Jerusalém destruiu o Templo e expulsou da cidade um
segmento das elites. Mas a Babilônia era, há muito, a cidade de residência, por
opção própria, de uma numerosa comunidade judaica. Foi ela o núcleo da
criatividade dos rabinos que falavam aramaico e introduziram importantes
reformas na religião mosaica.
Sublinhe-se que somente uma pequena minoria dessa comunidade voltou à
Judeia quando o imperador persa, Ciro, conquistou Jerusalém no século 6º AC.
A expansão abássida do século 8 dC ao fim do 9 dC |
Quando os centros da cultura
judaica de Babilônia se desagregaram, os judeus emigram para a Bagdad abássida e não para a “Terra Santa”.
Sand dedica atenção especial aos “Exílios” como mitos fundadores da
identidade étnica.
As duas “expulsões” dos judeus no período Romano, a primeira por Tito e
a segunda por Adriano, que teriam sido o motor da grande diáspora, são tema de
uma reflexão aprofundada pelo historiador israelense.
Os jovens judeus aprendem nas escolas que “a nação judaica” foi exilada
pelos Romanos após a destruição do 2º Templo por Tito em 70 dC,e posteriormente,
por Adriano, em 132 dC. Por si só o texto fantasista de Flavius Joseph,
testemunha da revolta dos zelotas, retira credibilidade a essa versão, hoje
oficial.
Segundo ele, os romanos massacraram então 1 100 000 judeus e prenderam
97 000.Isso numa época em que a população total da Galileia era segundo os
demógrafos atuais muito inferior a meio milhão…
As escavações arqueológicas das últimas décadas em Jerusalém e na
Cisjordânia criaram, aliás, problemas insuperáveis aos universitários e teólogos
sionistas que “explicam” a história do povo judeu tomando a Torá e a palavra
dos Patriarcas como referências infalíveis.
Os desmentidos da arqueologia perturbaram os historiadores. Ficou
provado que Jericó era pouco mais do que uma aldeia sem as poderosas muralhas
que a Bíblia cita. As revelações sobre as cidades de Canaã alarmaram também os
rabinos. A arqueologia moderna sepultou o discurso da antropologia social
religiosa.
Em Jerusalém não foram encontrados sequer vestígios das grandiosas
construções que segundo o Livro a transformaram, no século 20, a
época dourada de David e Salomão na cidade monumental do “povo de Deus” que
deslumbrava quantos a conheceram. Nem palácios nem muralhas, nem cerâmica de
qualidade.
O desenvolvimento da tecnologia do carbono 14 permitiu uma conclusão. Os
grandes edifícios da região Norte não foram construídos na época de Salomão, mas
no período do reino de Israel.
Schlomo Sand |
“Não
existe na realidade nenhum vestígio” - escreve Shlomo Sand—“da existência desse
rei lendário cuja riqueza é descrita pela Bíblia em termos que fazem dele quase
o equivalente dos poderosos reis da Babilônia e da Pérsia”. “Se uma entidade
política existiu na Judeia do seculo 10 AC, acrescenta o historiador, somente
poderia ser uma microrealeza tribal e Jerusalém apenas uma pequena cidade
fortificada”.
É
também significativo que nenhum documento egípcio refira a “conquista” pelos
judeus de Canaã, território que então pertencia ao faraó.
O silêncio sobre as conversões
A historiografia oficial israelense, ao erigir em dogma a pureza da
raça, atribui a sucessivas diásporas a formação das comunidades judaicas em
dezenas de países.
A Declaração de Independência de Israel afirma que , obrigados ao exílio , os judeus esforçaram-se ao longo dos seculos por regressar ao país dos seus
antepassados. Trata-se de uma mentira que falsifica grosseiramente a
Historia.
A grande diáspora é ficcional, como as demais. Apos a destruição de
Jerusalém e a construção de Aelia Capitolina somente uma pequena minoria da
população foi expulsa. A esmagadora maioria permaneceu no
país.
Qual a origem, então, dos antepassados de uns 12 milhões de judeus hoje
existentes fora de Israel?
Na resposta a essa pergunta, o livro de Shlomo Sand, destrói
simultaneamente o mito da pureza da raça, isto é, da etnicidade judaica.
Uma abundante documentação reunida por historiadores de prestígio
mundial revela que nos primeiros seculos na Nossa Era houve maciças conversões
ao judaísmo na Europa, na Asia e na Africa.
Três delas foram particularmente importantes e incomodam os teólogos
israelenses.
O Alcorão esclarece que Maomé encontrou em Medina, na fuga de Meca,
grandes tribos judaicas com as quais entrou em conflito, acabando por
expulsá-las. Mas não esclarece que no extremo Sul da Península Arábica, no atual
Iêmen, o reino de Hymar adotou o judaísmo como religião oficial. Cabe dizer
que chegou
para ficar. No século 7º DC o Islã implantou-se na região, mas transcorridos
treze séculos, quando se formou o Estado de Israel, dezenas de milhares de
iemenitas falavam o árabe, mas continuavam a professar a religião judaica. A
maioria emigrou para Israel onde,alias,é discriminada.
No Império Romano, o judaísmo também criou raízes; mesmo na Itália. O
tema mereceu a atenção do historiador Dion Cassius e do poeta Juvenal.
Na Cirenaica, a revolta dos judeus da cidade de Cirene exigiu a
mobilização de várias legiões para a combater.
Mas foi sobretudo no extremo ocidental da Africa que houve conversões em
massa à religião rabínica. Uma parcela ponderável das populações berberes aderiu
ao judaísmo e a elas se deve a sua introdução no Al Andalus.
Foram esses magrebinos que difundiram na Península o judaísmo, os
pioneiros dos sefarditas que, após a expulsão de Espanha e Portugal, se exilaram
em diferentes países europeus, na Africa muçulmana e na Turquia.
Mais importante pelas suas consequências foi a conversão ao judaísmo dos
Khazars, um povo nômade turcófono, aparentado com os hunos, que, vindo do Altai,
se fixou no seculo 6º DC nas estepes do baixo Volga.
Os Khazars, que toleravam bem o cristianismo, construíram um poderoso
estado judaico, aliado de Bizâncio nas lutas do Império Romano do Oriente contra
os Persas Sassânidas.
Estado Judaico dos Khazars (Khazaria) |
Esse
esquecido império medieval ocupava uma área enorme, do Volga à Crimeia e do Don ao atual
Uzbequistão. Desapareceu da Historia no seculo 13º quando os Mongóis invadiram a
Europa, destruindo tudo por onde passavam. Milhares de Khazars, fugindo das
Hordas de Batu Khan, dispersaram-se pela Europa Oriental. A sua principal
herança cultural foi inesperada. Grandes historiadores medievalistas como Renan
e Marc Bloch identificam nos Kahzars os antepassados dos asquenazes cujas
comunidades na Polonia, na Rússia e na Romenia viriam a desempenhar um papel
fulcral na colonização judaica da Palestina.
Um estado neofascista
Nathan Birbaum |
Segundo Nathan Birbaum, o intelectual judeu que inventou em 1891 o
conceito de sionismo, é a biologia e não a língua e a cultura quem explica a
formação das nações. Para ele, a raça é tudo. E o povo judeu teria sido quase o
único a preservar a pureza do sangue através de milênios.Morreu sem compreender
que essa tese racista, a prevalecer, apagaria o mito do povo sagrado eleito por
Deus.
Porque os judeus são um povo filho de uma cadeia de mestiçagens. O que
lhes confere uma identidade própria é uma cultura e a fidelidade a uma tradição
religiosa enraizada na falsificação da Historia.
Nos
passaportes do Estado Judaico de Israel não é aceita a nacionalidade israelense.
Os cidadãos de pleno direito escrevem “judeu”. Os palestinos devem escrever
“árabe”, nacionalidade inexistente.
Ser cristão, budista, mazdeista, muçulmano, ou hindu resulta de uma
opção religiosa, não é nacionalidade. O judaísmo também não é uma nacionalidade.
Em Israel não há casamento civil. Para os judeus, é obrigatório o
casamento religioso, mesmo que sejam ateus.
Essa aberração é inseparável de muitas outras num Estado confessional;
etnocracia liberal construída sobre mitos, um Estado que trocou o yiddish, falado pelos pioneiros do
“regresso a Terra Santa”, pelo sagrado hebraico dos rabinos, desconhecido do
povo da Judeia que se expressava em aramaico, a língua em que a Bíblia foi redigida na
Babilônia e não em Jerusalém.
O “Estado do Povo Judeu” assume-se como democrático. Mas a realidade
nega a lei fundamental aprovada pelo Knesset. Não pode ser democrático um Estado
que trata como párias de novo tipo 20 % da população do país, um Estado nascido
de monstruoso genocídio em terra alheia, um Estado cuja prática apresenta
matizes neofascistas.
O livro de Shlalom Sand sobre a Invenção do Povo Judeu é, além de um
lúcido ensaio histórico, um ato de coragem. Aconselho a sua leitura a todos
aqueles para quem o traçado da fronteira da opção de esquerda passa hoje pela
solidariedade com o povo mártir da Palestina e a condenação do
sionismo.
Vila
Nova de Gaia, 31 de Dezembro de 2012.
Leia mais
alguns artigos sobre “sionismo”:
- 19/11/2012, redecastorphoto, Lawrence Davidson em: “Uma visão sionista do mundo e o massacre em Gaza”
- 25/4/2011, redecastorphoto, Renen Belerovich (documentário) em: “A Historia Sionista”
- 7/12/2012, redecastorphoto, Philip Weiss em: “É hora de a imprensa informar sobre o sionismo”
- 3/6/2010, redecastorphoto, Laerte Braga em: “O Sionismo é um cancro”
- 3/6/2010, redecastorphoto, Passa Palavra, João Bernardo em: : “De perseguidos a perseguidores: a lição do sionismo”
- 1/1/2013, redecastorphoto, Paul R. Pillar em: EUA: Hagel e os sionistas “neo-McCarthyistas”
- 7/4/2012, redecastorphoto, Baby Abrão/Günter Grass em: “O poema que desmascarou Israel”
- 14/7/2011, redecastorphoto, Laerte Braga em: “OS FORNOS CREMATÓRIOS DE TEL AVIV”
- 11/6/2010, redecastorphoto, Manuel Freytas em: “O poder oculto: De onde nasce a impunidade de Israel”
- 26/7/2011, redecastorphoto, Vila Vudu em: “Israel é a “estrela” do livro do terrorista norueguês!”
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