Enviado por Luis Nassif
Por Assis Ribeiro
Do blog Bahia na Rede
Delmiro Gouveia (1863 – 1917), o Rei do Sertão
Por Josias Pires
A região circunvizinha à cidade de Paulo Afonso e da sua monumental cachoeira, cujas águas foram domadas pelo engenho humano e pela força das turbinas para a geração de energia elétrica, constitui-se território de características singulares. Ali desenrolaram-se acontecimentos protagonizados por personagens de alta relevância para a história brasileira, particularmente no século XX. Acontecimentos e personagens exemplares para a quadra atual em que vivemos.
No apêndice do livro “Quem foi Delmiro Gouveia” (Mauro Mota, Arquimedes Edições, 1967) foi republicada reportagem do jornalista e romancista sergipano Paulo Dantas, originalmente veiculada no jornal paulista O Tempo, em 4 de setembro de 1955, cujo título é “3 gigantes do Nordeste: Lampião, na valentia; Padre Cícero, na oração; e Delmiro no trabalho”, título tirado de um poeta popular delmirense, Antônio Rodrigues de Andrade, vulgo Mainha.“A síntese é maravilhosa. Através dela está expresso todo o inconsciente coletivo de um povo, de uma região. Delmiro Gouveia é cultuado como uma espécie de santo das máquinas, de profeta de realizações positivas”, comenta o jornalista.
Quase 60 anos depois é possível afirmar que no imaginário coletivo da região de Paulo Afonso tornou-se onipresente a figura de Lampião e a saga violenta e romanesca do bando de guerrilheiros, que soube enfrentar corajosamente o despotismo dos coronéis, especialistas em construir fortunas mandando matar desafetos. Aqueles governadores dos sertões cresceram tornando Lei as suas vontades pessoais.
Lampião, de fato, encarna o símbolo do bandido que se bateu contra este estado de coisas, contra o quadro de injustiças profundas que dominava o Nordeste. Bateu-se, igualmente, de modo violento e, muitas vezes, confundindo-se com a violência dos dominadores, como se espelho fosse do comportamento dominante.
Delmiro Gouveia é herói de outro quilate, é o “civilizador de terras, águas e gentes”, na definição do poeta pernambucano Mauro Mota. Delmiro é o gigante cearense, pioneiro e nacionalista, um dos primeiros a investir na industrialização do Brasil, responsável pela construção da primeira usina hidrelétrica do país – dentre outros feitos extraordinários – porém sobre a sua memória ainda paira inacreditável silêncio.
Enquanto sobre Lampião há centenas de livros publicados, milhares de reportagens veiculadas na imprensa e em meios audiovisuais, dezenas de filmes produzidos – inclusive uma película realizada em 1936 com a participação direta dos cangaceiros vivendo na caatinga – sobre Delmiro Gouveia a situação é bem diferente. São poucos os livros publicados, poucas as referencias em reportagens; da sua figura não há uma única imagem em movimento; e sobre a sua história apenas um filme foi realizado, “Coronel Delmiro Gouveia”, do cineasta baiano Geraldo Sarno, em 1977.
Delmiro Gouveia enfrentou em vida, com ousadia e intrepidez, a força do truste internacional que dominava o mercado de linhas de coser, levantou na caatinga alagoana, em meio a um deserto de terras áridas, a Fábrica da Pedra, construiu uma cidade e plantou uma nova mentalidade nas primeiras décadas do século XX. Apesar do gigantismo das suas ações, tendo sido o pioneiro na geração de energia elétrica de Paulo Afonso, sua atividade criadora passou em brancas nuvens quando da inauguração da CHESF (1954), pois nenhum dos oradores presentes ao ato citou, nos seus discursos, o nome do pioneiro.
A imperdoável omissão foi classificada, na época, pela filha de Delmiro Gouveia, Maria Gouveia, como resultado do “truste nacional do silêncio” que continuava atuante no sentido de tentar esconder do país e das novas gerações o papel revolucionário que Delmiro Gouveia exerceu nos sertões nordestinos. Um coronel que, em plena época do cangaço, jamais mandou matar um indivíduo.
Delmiro Gouveia era movido por larga visão social, fez fortuna vindo de baixo e revertendo para os mais pobres parcela considerável do que ganhava no comércio e na indústria. Isto pode ser comprovado na construção do Mercado do Derbi, em Recife, no final do século XIX, o primeiro shopping center do país, cujos produtos de primeira necessidade eram vendidos a preços abaixo do mercado. Assim como se viu na Fábrica da Pedra, onde implantou escolas para todas as faixas etárias e estimulava a formação e o crescimento pessoal de todos os que ali viveram.
Em janeiro de 2013 completaram-se 100 anos da implantação da primeira usina hidrelétrica do país, a usina de Angiquinho, no lado alagoano da cachoeira de Paulo Afonso. Em junho de 2014 fará um século a inauguração da Fábrica da Pedra, que disseminou para o país e para a América do Sul a marca da linha Estrela. 2017 completará um século do assassinato do pioneiro, colhido à bala aos 54 anos de idade, por pistoleiros à mando de seus inimigos, interrompendo a saga que deu início ao sonho de desenvolvimento para todo o Nordeste, que este era o projeto maior do Rei do Sertão.
Josias Pires é jornalista e documentarista
Complemeno 1:
A hidrelétrica do Angiquinho foi construída com 1.500HP para mover as
máquinas da Fábrica da Pedra (fábrica de linhas de costura, que hoje é
fábrica de tecidos), instalada a 24km do local da hidrelétrica, onde se
levantou uma vila operária (que deu origem à cidade de Delmiro Gouveia
(AL), iluminada pela energia de Angiquinho. A usina funcionou até 1954,
quando foi inaugurada a CHESF.
Ver o filme
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