(O cachorro é fiel a quem o alimenta: "Sim, mas Cuba confiscou propriedades dos Estados Unidos")
Nesta
entrevista a Salim Lamrani, as contradições e incoesão do discurso da
marqueteira estadunidense vêm à tona de maneira clara. Não é preciso ter
estudado letras, jornalismo ou ser ótimo leitor para notar seu discurso
inconsistente e prolixo.
Essa direita ocidental (os EUA e seu amor louco a Cuba) realmente perdeu a mão - não presta nem pra aplicar golpe...
Poderiam ao menos ter escolhido alguém um pouco mais inteligente!
Essa direita ocidental (os EUA e seu amor louco a Cuba) realmente perdeu a mão - não presta nem pra aplicar golpe...
Poderiam ao menos ter escolhido alguém um pouco mais inteligente!
Salim
Lamrani – Comecemos pelo incidente ocorrido em 6 de novembro de 2009 em
Havana. Em seu blog, a senhora explicou que foi presa com três amigos
por “três robustos desconhecidos” durante uma “tarde carregada de
pancadas, gritos e insultos”. A senhora denunciou as violências de que
foi vítima por parte das forças da ordem cubanas. Confirma sua versão
dos fatos?
Yoani Sánchez - Efetivamente,
confirmo que sofri violência. Mantiveram-me sequestrada por 25 minutos.
Levei pancadas. Consegui pegar um papel que um deles levava no bolso e o
coloquei em minha boca. Um deles pôs o joelho sobre meu peito e o
outro, no assento dianteiro, me batia na região dos rins e golpeava
minha cabeça para que eu abrisse a boca e soltasse o papel. Por um
momento, achei que nunca sairia daquele carro.
SL
– O relato, em seu blog, é verdadeiramente terrorífico. Cito
textualmente: a senhora falou de “golpes e empurrões”, de “golpes nos
nós dos dedos”, de “enxurrada de golpes”, do “joelho sobre o [seu]
peito”, dos golpes nos “rins e [...] na cabeça”, do “cabelo puxado”, de
seu “rosto avermelhado pela pressão e o corpo dolorido”, dos “golpes
[que] continuavam vindo” e “todas essas marcas roxas”. No entanto,
quando a senhora recebeu a imprensa internacional em 9 de novembro,
todas as marcas haviam desaparecido. Como explica isso?
YS - São profissionais do espancamento.
SL – Certo, mas por que a senhora não tirou fotos das marcas?
YS - Tenho as fotos. Tenho provas fotográficas.
SL – Tem provas fotográficas?
YS - Tenho as provas fotográficas.
SL
– Mas por que não as publicou para desmentir todos os rumores segundo
os quais a senhora havia inventado uma agressão para que a imprensa
falasse de seu caso?
YS - Por
enquanto prefiro guardá-las e não publicá-las. Quero apresentá-las um
dia perante um tribunal, para que esses três homens sejam julgados.
Lembro-me perfeitamente de seus rostos e tenho fotos de pelo menos dois
deles. Quanto ao terceiro, ainda não está identificado, mas, como se
tratava do chefe, será fácil de encontrar. Tenho também o papel que
tirei de um deles e que tem minha saliva, pois o coloquei na boca. Neste
papel estava escrito o nome de uma mulher.
SL
– Certo. A senhora publica muitas fotos em seu blog. Para nós é difícil
entender por que prefere não mostrar as marcas desta vez.
YS - Como já lhe disse, prefiro guardá-las para a Justiça.
SL – A senhora entende que, com essa atitude, está dando crédito aos que pensam que a agressão foi uma invenção.
YS - É minha escolha.
SL
– No entanto, até mesmo os meios ocidentais que lhe são mais favoráveis
tomaram precauções oratórias pouco habituais para divulgar seu relato. O
correspondente da BBC em Havana, Fernando Ravsberg, por exemplo,
escreve que a senhora “não tem hematomas, marcas ou cicatrizes”. A
agência France Presseconta a história esclarecendo com muito cuidado que
se trata de sua versão, sob o título “Cuba: a blogueira Yoani Sánchez
diz ter sido agredida e detida brevemente”. O jornalista afirma, por
outro lado, que a senhora “não ficou ferida”.
YS -
Não quero avaliar o trabalho deles. Não sou eu quem deve julgá-lo. São
profissionais que passam por situações muito complicadas, que não posso
avaliar. O certo é que a existência ou não de marcas físicas não é a
prova do fato.
SL – Mas a presença de marcas demonstraria que foram cometidas violências. Daí a importância da publicação das fotos.
YS -
O senhor deve entender que tratamos de profissionais da intimidação. O
fato de três desconhecidos terem me levado até um carro sem me
apresentar nenhum documento me dá o direito de me queixar como se
tivessem fraturado todos os ossos do corpo. As fotos não são importantes
porque a ilegalidade está consumada. A precisão de que “me doeu aqui ou
me doeu ali” é minha dor interior.
SL
– Sim, mas o problema é que a senhora apresentou isso como uma agressão
muito violenta. A senhora falou de “sequestro no pior estilo da Camorra
siciliana”.
YS - Sim,
é verdade, mas sei que é minha palavra contra a deles. Entrar nesse
tipo de detalhes, para saber se tenho marcas ou não, nos afasta do tema
verdadeiro, que é o fato de terem me sequestrado durante 25 minutos de
maneira ilegal.
SL
– Perdoe-me a insistência, mas creio que é importante. Há uma diferença
entre um controle de identidade que dura 25 minutos e violências
policiais. Minha pergunta é simples. A senhora disse, textualmente:
“Durante todo o fim de semana fiquei com a maçã do rosto e o supercílio
inflamados.” Como tem as fotos, pode agora mostrar as marcas.
YS - Já lhe disse que prefiro guardá-las para o tribunal.
SL – A senhora entende que, para algumas pessoas, será difícil acreditar em sua versão se a senhora não publicar as fotos.
YS - Penso
que, entrando nesse tipo de detalhes, perde-se a essência. A essência é
que três bloggers acompanhados por uma amiga dirigiam-se a um ponto da
cidade que era a Rua 23, esquina G. Tínhamos ouvido falar que um grupo
de jovens convocara uma passeata contra a violência. Pessoas
alternativas, cantores de hip hop, de rap, artistas. Eu compareceria
como blogueira para tirar fotos e publicá-las em meu blog e fazer
entrevistas. No caminho, fomos interceptados por um carro da marca
Geely.
SL – Para impedi-los de participar do evento?
YS -
A razão, evidentemente, era esta. Eles nunca me disseram formalmente,
mas era o objetivo. Disseram-me que entrasse no carro. Perguntei quem
eles eram. Um deles me pegou pelo pulso e comecei a ir para trás. Isso
aconteceu em uma zona bastante central de Havana, em um ponto de ônibus.
SL – Então havia outras pessoas. Havia testemunhas.
YS - Há testemunhas, mas não querem falar. Têm medo.
SL
– Nem mesmo de modo anônimo? Por que a imprensa ocidental não as
entrevistou preservando seu anonimato, como faz muitas vezes quando
publica reportagens críticas sobre Cuba?
YS - Não
posso lhe explicar a reação da imprensa. Posso lhe contar o que
aconteceu. Um deles era um homem de uns cinquenta anos, musculoso como
se tivesse praticado luta livre em algum momento da vida. Digo-lhe isso
porque meu pai praticou esse esporte e tem as mesmas características.
Tenho os pulsos muito finos e consegui escapar, e lhe perguntei quem
era. Havia três homens além do motorista.
SL – Então havia quatro homens no total, e não três.
YS -
Sim, mas não vi o rosto do motorista. Disseram-me: “Yoani, entre no
carro, você sabe quem somos.” Respondi: “Não sei quem são os senhores.” O
mais baixo me disse: “Escute-me, voce sabe quem sou, você me conhece.”
Retruquei: “Não, não sei quem é você. Não o conheço. Quem é você?
Mostre-me suas credenciais ou algum documento.” O outro me disse:
“Entre, não torne as coisas mais difíceis.” Então comecei a gritar:
“Socorro! Sequestradores!”
SL – A senhora sabia que se tratava de policiais à paisana?
YS - Imaginava, mas eles não me mostraram seus documentos.
SL – Qual era seu objetivo, então?
YS -
Queria que as coisas fossem feitas dentro da legalidade, ou seja, que
me mostrassem seus documentos e me levassem depois, embora eu
suspeitasse que eles representavam a autoridade. Ninguém pode obrigar um
cidadão a entrar em um carro particular sem apresentar suas
credenciais. Isso é uma ilegalidade e um sequestro.
SL – Como as pessoas no ponto de ônibus reagiram?
YS -
As pessoas no ponto ficaram atônitas, pois “sequestro” não é uma
palavra que se usa em Cuba, não existe esse fenômeno. Então se
perguntaram o que estava acontecendo. Não tínhamos jeito de
delinquentes. Alguns se aproximaram, mas um dos policiais lhes gritou:
“Não se metam, que são contrarrevolucionários!”
Esta
foi a confirmação de que se tratava de membros da polícia política,
embora eu já imaginasse por causa do carro Geely, que é chinês, de
fabricação atual, e não é vendido em nenhuma loja em Cuba. Esses carros
pertencem exclusivamente a membros do Ministério das Forças Armadas e do
Ministério do Interior.
SL – Então a senhora sabia desde o início, pelo carro, que se tratava de policiais à paisana.
YS -
Intuía. Por outro lado, tive a confirmação quando um deles chamou um
policial uniformizado. Uma patrulha formada por um homem e uma mulher
chegou e levou dois de nós. Deixou-nos nas mãos desses dois
desconhecidos.
SL – Mas a senhora já não tinha a menor dúvida sobre quem eles eram.
YS -
Não, mas não nos mostraram nenhum documento. Os policiais não nos
disseram que representavam a autoridade. Não nos disseram nada.
SL
– É difícil entender o interesse das autoridades cubanas em agredi-la
fisicamente, sob o risco de provocar um escândalo internacional. A
senhora é famosa. Por que teriam feito isso?
YS - Seu objetivo era radicalizar-me, para que eu escrevesse textos violentos contra eles. Mas não conseguirão.
SL – Não se pode dizer que a senhora é branda com o governo cubano.
YS -Nunca
recorro à violência verbal nem a ataques pessoais. Nunca uso adjetivos
incendiários, como “sangrenta repressão”, por exemplo. Seu objetivo,
então, era radicalizar-me.
SL
– No entanto, a senhora é muito dura em relação ao governo de Havana.
Em seu blog, a senhora diz: “o barco que faz água a ponto de naufragar”.
A senhora fala dos “gritos do déspota”, de “seres das sombras, que,
como vampiros, se alimentam de nossa alegria humana, nos incutem o medo
por meio da agressão, da ameaça, da chantagem”, e afirma que
“naufragaram o processo, o sistema, as expectativas, as ilusões. [É um]
naufráfio [total]“. São palavras muito fortes.
YS -
Talvez, mas o objetivo deles era queimar o fenômeno Yoani Sánchez,
demonizar-me. Por isso meu blog permaneceu bloqueado por um bom tempo.
SL – Contudo, é surpreendente que as autoridades cubanas tenham decidido atacá-la fisicamente.
YS -
Foi uma torpeza. Não entendo por que me impediram de assistir à
passeata, pois não penso como aqueles que reprimem. Não tenho
explicação. Talvez eles não quisessem que eu me reunisse com os jovens.
Os policiais acreditavam que eu iria provocar um escândalo ou fazer um
discurso incendiário.
Voltando
ao assunto da detenção, os policiais levaram meus amigos de maneira
enérgica e firme, mas sem violência. No momento em que me dei conta de
que iriam nos deixar sozinhos com Orlando, com esses três tipos,
agarrei-me a uma planta que havia na rua e Claudia agarrou-se a mim pela
cintura para impedir a separação, antes de os policiais a levarem.
SL
– Para que resistir às forças da ordem uniformizadas e correr o risco
de ser acusada disso e cometer um delito? Na França, se resistimos à
polícia, corremos o risco de sofrer sanções.
YS -
De qualquer modo, eles nos levaram. A policial levou Claudia. As três
pessoas nos levaram até o carro e comecei a gritar de novo: “Socorro! Um
sequestro!”
SL – Por quê? A senhora sabia que se tratava de policiais à paisana.
YS -
Não me mostraram nenhum papel. Então começaram a me bater e me
empurraram em direção ao carro. Claudia foi testemunha e relatou isso.
SL – A senhora não acaba de me dizer que a patrulha a havia levado?
YS -
Ela viu a cena de longe, enquanto o carro de polícia se afastava.
Defendi-me e golpeei como um animal que sente que sua hora chegou. Deram
uma volta rápida e tentaram tirar-me o papel da boca.
Agarrei
um deles pelos testículos e ele redobrou a violência. Levaram-nos a um
bairro bem periférico, La Timba, que fica perto da Praça da Revolução. O
homem desceu, abriu a porta e pediu que saíssemos. Eu não quis descer.
Eles nos fizeram sair à força com Orlando e foram embora.
Uma
senhora chegou e dissemos que havíamos sido sequestrados. Ela nos achou
malucos e se foi. O carro voltou, mas não parou. Eles só me jogaram
minha bolsa, onde estavam meu celular e minha câmera.
SL – Voltaram para devolver seu celular e sua câmera?
YS - Sim.
SL
– Não lhe parece estranho que se preocupassem em voltar? Poderiam ter
confiscado seu celular e sua câmera, que são suas ferramentas de
trabalho.
YS - Bem, não sei. Tudo durou 25 minutos.
SL
– Mas a senhora entende que, enquanto não publicar as fotos, as pessoas
duvidarão de sua versão, e isso lançará uma sombra sobre a
credibilidade de tudo o que a senhora diz.
YS - Não importa.
A Suíça e o retorno a Cuba
SL
– Em 2002, a senhora decidiu emigrar para a Suíça. Dois anos depois,
voltou a Cuba. É difícil entender por que a senhora deixou o “paraíso
europeu” para regressar ao país que descreve como um inferno. A pergunta
é simples: por quê?
YS -
É uma ótima pergunta. Primeiro, gosto de nadar contra a corrente. Gosto
de organizar minha vida à minha maneira. O absurdo não é ir embora e
voltar a Cuba, e sim as leis migratórias cubanas, que estipulam que toda
pessoa que passa onze meses no exterior perde seu status de residente
permanente.
Em
outras condições eu poderia permanecer dois anos no exterior e, com o
dinheiro ganho, voltar a Cuba para reformar a casa e fazer outras
coisas. Então o surpreendente não é o fato de eu decidir voltar a Cuba, e
sim as leis migratórias cubanas.
SL
– O mais surpreendente é que, tendo a possibilidade de viver em um dos
países mais ricos do mundo, a senhora tenha decidido voltar a seu país,
que descreve de modo apocalíptico, apenas dois anos depois de sua saída.
YS -
As razões são várias. Primeiro, não pude ir embora com minha família.
Somos uma pequena família, mas minha irmã, meus pais e eu somos muito
unidos. Meu pai ficou doente em minha ausência e tive medo de que ele
morresse sem que eu pudesse vê-lo. Também me sentia culpada por viver
melhor do que eles. A cada vez que comprava um par de sapatos, que me
conectava à internet, pensava neles. Sentia-me culpada.
SL – Certo, mas, da Suíça, a senhora podia ajudá-los enviando dinheiro.
YS -
É verdade, mas há outro motivo. Pensei que, com o que havia aprendido
na Suíça, poderia mudar as coisas voltando a Cuba. Há também a saudade
das pessoas, dos amigos. Não foi uma decisão pensada, mas não me
arrependo.
Tinha
vontade de voltar e voltei. É verdade que isso pode parecer pouco
comum, mas gosto de fazer coisas incomuns. Criei um blog e as pessoas me
perguntaram por que eu fiz isso, mas o blog me satisfaz
profissionalmente.
SL
– Entendo. No entanto, apesar de todas essas razões, é difícil entender
o motivo de seu regresso a Cuba quando no Ocidente se acredita que
todos os cubanos querem abandonar o país. É ainda mais surpreendente em
seu caso, pois a senhora apresenta seu país, repito, de modo
apocalíptico.
YS -
Como filóloga, eu discutiria a palavra, pois “apocalíptico” é um termo
grandiloquente. Há um aspecto que caracteriza meu blog: a moderação
verbal.
SL
– Não é sempre assim. A senhora, por exemplo, descreve Cuba como “uma
imensa prisão, com muros ideológicos”. Os termos são bastantes fortes.
YS - Nunca escrevi isso.
SL – São as palavras de uma entrevista concedida ao canal francês France 24 em 22 de outubro de 2009.
YS - O senhor leu isso em francês ou em espanhol?
SL – Em francês.
YS -
Desconfie das traduções, pois eu nunca disse isso. Com frequência me
atribuem coisas que eu não disse. Por exemplo, o jornal espanhol ABC me
atribuiu palavras que eu nunca havia pronunciado, e protestei. O artigo
foi finalmente retirado do site na internet.
SL – Quais eram essas palavras?
YS - “Nos hospitais cubanos, morre mais gente de fome do que de enfermidades.” Era uma mentira total. Eu jamais havia dito isso.
SL – Então a imprensa ocidental manipulou o que a senhora disse?
YS - Eu não diria isso.
SL – Se lhe atribuem palavras que a senhora não pronunciou, trata-se de manipulação.
YS - O Granma manipula a realidade mais do que a imprensa ocidental ao afirmar que sou uma criação do grupo midiático Prisa.
SL
– Justamente, a senhora não tem a impressão de que a imprensa ocidental
a usa porque a senhora preconiza um “capitalismo sui generis” em Cuba?
YS -
Não sou responsável pelo que a imprensa faz. Meu blog é uma terapia
pessoal, um exorcismo. Tenho a impressão de que sou mais manipulada em
meu próprio país do que em outra parte. O senhor sabe que existe uma lei
em Cuba, a lei 88, chamada lei da “mordaça”, que põe na cadeia as
pessoas que fazem o que estamos fazendo.
SL – O que isso quer dizer?
YS - Que nossa conversa pode ser considerada um delito, que pode ser punido com uma pena de até 15 anos de prisão.
SL – Perdoe-me, o fato de eu entrevistá-la pode levá-la para a cadeia?
YS - É claro!
SL
– Não tenho a impressão de que isso a preocupe muito, pois a senhora
está me concedendo uma entrevista em plena tarde, no saguão de um hotel
no centro de Havana Velha.
YS -
Não estou preocupada. Esta lei estipula que toda pessoa que denuncie as
violações dos direitos humanos em Cuba colabora com as sanções
econômicas, pois Washington justifica a imposição das sanções contra
Cuba pela violação dos direitos humanos.
SL
– Se não me engano, a lei 88 foi aprovada em 1996 para responder à
Lei-Helms Burton e sanciona sobretudo as pessoas que colaboram com a
aplicação desta legislação em Cuba, por exemplo fornecendo informações a
Washington sobre os investidores estrangeiros no país, para que estes
sejam perseguidos pelos tribunais norte-americanos. Que eu saiba,
ninguém até agora foi condenado por isso.
Falemos
de liberdade de expressão. A senhora goza de certa liberdade de tom em
seu blog. Está sendo entrevistada em plena tarde em um hotel. Não vê uma
contradição entre o fato de afirmar que não há nenhuma liberdade de
expressão em Cuba e a realidade de seus escritos e suas atividades, que
provam o contrário?
YS - Sim, mas o blog não pode ser acessado desde Cuba, porque está bloqueado.
SL – Posso lhe assegurar que o consultei esta manhã antes da entrevista, no hotel.
YS -
É possível, mas ele permanece bloqueado a maior parte do tempo. De todo
modo, hoje em dia, mesmo sendo uma pessoa moderada, não posso ter
nenhum espaço na imprensa cubana, nem no rádio, nem na televisão.
SL – Mas pode publicar o que tem vontade em seu blog.
YS - Mas não posso publicar uma única palavra na imprensa cubana.
SL
– Na França, que é uma democracia, amplos setores da população não têm
nenhum espaço nos meios, já que a maioria pertence a grupos econômicos e
financeiros privados.
YS - Sim, mas é diferente.
SL – A senhora recebeu ameaças por suas atividades? Alguma vez a ameaçaram com uma pena de prisão pelo que escreve?
YS -
Ameaças diretas de pena de prisão, não, mas não me deixam viajar ao
exterior. Fui convidada há pouco para um Congresso sobre a língua
espanhola no Chile, fiz todos os trâmites, mas não me deixam sair.
SL – Deram-lhe alguma explicação?
YS -
Nenhuma, mas quero dizer uma coisa. Para mim, as sanções dos Estados
Unidos contra Cuba são uma atrocidade. Trata-se de uma política que
fracassou. Afirmei isso muitas vezes, mas não se publica, pois é
incômodo o fato de eu ter esta opinião que rompe com o arquétipo do
opositor.
As sanções econômicas
SL – Então a senhora se opõe às sanções econômicas.
YS -
Absolutamente, e digo isso em todas as entrevistas. Há algumas semanas,
enviei uma carta ao Senado dos Estados Unidos pedindo que os cidadãos
norte-americanos tivessem permissão para viajar a Cuba. É uma atrocidade
impedir que os cidadãos norte-americanos viajem a Cuba, do mesmo modo
que o governo cubano me impede de sair de meu país.
SL
– O que acha das esperanças suscitadas pela eleição de Obama, que
prometeu uma mudança na política para Cuba, mas decepcionou muita gente?
YS -
Ele chegou ao poder sem o apoio do lobby fundamentalista de Miami, que
defendeu o outro candidato. De minha parte, já me pronunciei contra as
sanções.
SL – Este lobby fundamentalista é contra a suspensão das sanções econômicas.
YS - O senhor pode discutir com eles e lhes expor meus argumentos, mas eu não diria que são inimigos da pátria. Não penso assim.
SL
– Uma parte deles participou da invasão de seu próprio país em 1961,
sob as ordens da CIA. Vários estão envolvidos em atos de terrorismo
contra Cuba.
YS -
Os cubanos no exílio têm o direito de pensar e decidir. Sou a favor de
que eles tenham direito ao voto. Aqui, estigmatizou-se muito o exílio
cubano.
SL – O exílio “histórico” ou os que emigraram depois, por razões econômicas?
YS -
Na verdade, oponho-me a todos os extremos. Mas essas pessoas que
defendem as sanções econômicas não são anticubanas. Considere que elas
defendem Cuba segundo seus próprios critérios.
SL
– Talvez, mas as sanções econômicas afetam os setores mais vulneráveis
da população cubana, e não os dirigentes. Por isso é difícil ser a favor
das sanções e, ao mesmo tempo, querer defender o bem-estar dos cubanos.
YS - É a opinião deles. É assim.
SL – Eles não são ingênuos. Sabem que os cubanos sofrem com as sanções.
YS -
São simplesmente diferentes. Acreditam que poderão mudar o regime
impondo sanções. Em todo caso, creio que o bloqueio tem sido o argumento
perfeito para o governo cubano manter a intolerância, o controle e a
repressão interna.
SL – As sanções econômicas têm efeitos. Ou a senhora acha que são apenas uma desculpa para Havana?
YS - São uma desculpa que leva à repressão.
SL – Afetam o país de um ponto de vista econômico, para a senhora? Ou é apenas um efeito marginal?
YS -
O verdadeiro problema é a falta de produtividade em Cuba. Se amanhã
suspendessem as sanções, duvido muito que víssemos os efeitos.
SL
– Neste caso, por que os Estados Unidos não suspendem as sanções,
tirando assim a desculpa do governo? Assim perceberíamos que as
dificuldades econômicas devem-se apenas às políticas internas. Se
Washington insiste tanto nas sanções apesar de seu caráter anacrônico,
apesar da oposição da imensa maioria da comunidade internacional, 187
países em 2009, apesar da oposição de uma maioria da opinião pública dos
Estados Unidos, apesar da oposição do mundo dos negócios, deve ser por
algum motivo, não?
YS - Simplesmente porque Obama não é o ditador dos Estados Unidos e não pode eliminar as sanções.
SL
– Ele não pode eliminá-las totalmente porque não há um acordo no
Congresso, mas pode aliviá-las consideravelmente, o que não fez até
agora, já que, salvo a eliminação das sanções impostas por Bush em 2004,
quase nada mudou.
YS -
Não, não é verdade, pois ele também permitiu que as empresas de
telecomunicações norte-americanas fizessem transações com Cuba.
Os prêmios internacionais, o blog e Barack Obama
SL
– A senhora terá de admitir que é bem pouco, quando se sabe que Obama
prometeu um novo enfoque para Cuba. Voltemos a seu caso pessoal. Como
explica esta avalanche de prêmios, assim como seu sucesso internacional?
YS -
Não tenho muito a dizer, a não ser expressar minha gratidão. Todo
prêmio implica uma dose de subjetividade por parte do jurado. Todo
prêmio é discutível. Por exemplo, muitos escritores latino-americanos
mereciam o Prêmio Nobel de Literatura mais que Gabriel García Márquez.
SL
– A senhora afirma isso porque acredita que ele não tem tanto talento
ou por sua posição favorável à Revolução cubana? A senhora não nega seu
talento de escritor, ou nega?
YS - É minha opinião, mas não direi que ele obteve o prêmio por esse motivo nem vou acusá-lo de ser um agente do governo sueco.
SL
– Ele obteve o prêmio por sua obra literária, enquanto a senhora foi
recompensada por suas posições políticas contra o governo. É a impressão
que temos.
YS -
Falemos do prêmio Ortega y Gasset, do jornal El País, que suscita mais
polêmica. Venci na categoria “Internet”. Alguns dizem que outros
jornalistas não conseguiram, mas sou uma blogueira e sou pioneira neste
campo. Considero-me uma personagem da internet. O júri do prêmio Ortega y
Gasset é formado por personalidades extremamente prestigiadas e eu não
diria que elas se prestaram a uma conspiração contra Cuba.
SL
– A senhora não pode negar que o jornal espanhol El Paístem uma linha
editorial totalmente hostil a Cuba. E alguns acham que o prêmio, de
15.000 euros, foi uma forma de recompensar seus escritos contra o
governo.
YS -
As pessoas pensam o que querem. Acredito que meu trabalho foi
recompensado. Meu blog tem 10 milhões de visitas por mês. É um furacão.
SL – Como a senhora faz para pagar os gastos com a administração de semelhante tráfego?
YS -
Um amigo na Alemanha se encarregava disso, pois o site estava hospedado
na Alemanha. Há mais de um ano está hospedado na Espanha, e consegui 18
meses gratuitos graças ao prêmio The Bob’s.
SL – E a tradução para 18 línguas?
YS - São amigos e admiradores que o fazem voluntária e gratuitamente.
SL
– Muitas pessoas acham difícil acreditar nisso, pois nenhum outro site
do mundo, nem mesmo os das mais importantes instituições internacionais,
como as Nações Unidas, o Banco Mundial, o Fundo Monetário
Internacional, a OCDE, a União Europeia, dispõe de tantas versões de
idioma. Nem o site do Departamento de Estado dos EUA, nem o da CIA
contam com semelhante variedade.
YS - Digo-lhe a verdade.
SL – O presidente Obama inclusive respondeu a uma entrevista que a senhora fez. Como explica isso?
YS - Em primeiro lugar, quero dizer que não eram perguntas complacentes.
SL
– Tampouco podemos afirmar que a senhora foi crítica, já que não pediu
que ele suspendesse as sanções econômicas, sobre as quais a senhora diz
que “são usadas como justificativa tanto para o descalabro produtivo
quanto para reprimir os que pensam diferente”. É exatamente o que diz
Washington sobre o tema.
O
momento de maior atrevimento foi quando a senhora perguntou se ele
pensava em invadir Cuba. Como a senhora explica que o presidente Obama
tenha dedicado tempo a lhe responder apesar de sua agenda extremamente
carregada, com uma crise econômica sem precedentes, a reforma do sistema
de saúde, o Iraque, o Afeganistão, as bases militares na Colômbia, o
golpe de Estado em Honduras e centenas de pedidos de entrevista dos mais
importantes meios do mundo à espera?
YS -
Tenho sorte. Quero lhe dizer que também enviei perguntas ao presidente
Raúl Castro e ele não me respondeu. Não perco a esperança. Além disso,
ele agora tem a vantagem de contar com as respostas de Obama.
SL – Como a senhora chegou até Obama?
YS - Transmiti as perguntas a várias pessoas que vinham me visitar e poderiam ter um contato com ele.
SL – Em sua opinião, Obama respondeu porque a senhora é uma blogueira cubana ou porque se opõe ao governo?
YS - Não creio. Obama respondeu porque fala com os cidadãos.
SL – Ele recebe milhões de solicitações a cada dia. Por que lhe respondeu, se a senhora é uma simples blogueira?
YS - Obama é próximo de minha geração, de meu modo de pensar.
SL
– Mas por que a senhora? Existem milhões de blogueiros no mundo. Não
acha que foi usada na guerra midiática de Washington contra Havana?
YS -
Em minha opinião, ele talvez quisesse responder a alguns pontos, como a
invasão de Cuba. Talvez eu tenha lhe dado a oportunidade de se
manifestar sobre um tema que ele queria abordar havia muito tempo. A
propaganda política nos fala constantemente de uma possível invasão de
Cuba.
SL – Mas ocorreu uma, não?
YS - Quando?
SL
– Em 1961. E, em 2003, Roger Noriega, subsecretário de Estado para
Assuntos Interamericanos, disse que qualquer onda migratória cubana em
direção aos Estados Unidos seria considerada uma ameaça à segurança
nacional e exigiria uma resposta militar.
YS -
É outro assunto. Voltando ao tema da entrevista, creio que ela permitiu
esclarecer alguns pontos. Tenho a impressão de que há uma intenção de
ambos os lados de não normalizar as relações, de não se entender.
Perguntei-lhe quando encontraríamos uma solução.
SL – A seu ver, quem é responsável por este conflito entre os dois países?
YS - É difícil apontar um culpado.
SL – Neste caso específico, são os Estados Unidos que impõem sanções unilaterais a Cuba, e não o contrário.
YS - Sim, mas Cuba confiscou propriedades dos Estados Unidos.
SL – Tenho a impressão de que a senhora faz o papel de advogada de Washington.
YS - Os confiscos ocorreram.
SL
– É verdade, mas foram realizados conforme o direito internacional.
Cuba também confiscou propriedades da França, Espanha, Itália, Bélgica,
Reino Unido, e indenizou estas nações. O único país que recusou as
indenizações foram os Estados Unidos.
YS - Cuba também permitiu a instalação de bases militares em seu território e de mísseis de um império distante…
SL – …Como os Estados Unidos instalaram bases nucleares contra a URSS na Itália e na Turquia.
YS - Os mísseis nucleares podiam alcançar os Estados Unidos.
SL – Assim como os mísseis nucleares norte-americanos podiam alcançar Cuba ou a URSS.
YS - É verdade, mas creio que houve uma escalada no confronto por parte de ambos os países.
Os cinco presos políticos cubanos e a dissidência
SL
– Abordemos outro tema. Fala-se muito dos cinco presos políticos
cubanos nos Estados Unidos, condenados à prisão perpétua por infiltrar
grupelhos de extrema direita na Flórida envolvidos no terrorismo contra
Cuba.
YS - Não é um tema que interesse à população. É propaganda política.
SL – Mas qual é seu ponto de vista a respeito?
YS -
Tentarei ser o mais neutra possível. São agentes do Ministério do
Interior que se infiltraram nos Estados Unidos para coletar informações.
O governo de Cuba disse que eles não desempenhavam atividades de
espionagem, mas sim que haviam infiltrado grupos cubanos para evitar
atos terroristas. Mas o governo cubano sempre afirmou que esses grupos
estavam ligados a Washington.
SL – Então os grupos radicais de exilados têm laços com o governo dos Estados Unidos.
YS - É o que diz a propaganda política.
SL – Então não é verdade.
YS - Se é verdade, significa que os cinco realizavam atividades de espionagem.
SL – Neste caso, os Estados Unidos têm de reconhecer que os grupos violentos fazem parte do governo.
YS - É verdade.
SL – A senhora acha que os Cinco devem ser libertados ou merecem a punição?
YS -
Creio que valeria a pena revisar os casos, mas em um contexto político
mais apaziguado. Não acho que o uso político deste caso seja bom para
eles. O governo cubano midiatiza demais este assunto.
SL – Talvez por ser um assunto totalmente censurado pela imprensa ocidental.
YS -
Creio que seria bom salvar essas pessoas, que são seres humanos, têm
uma família, filhos. Por outro lado, contudo, também há vítimas.
SL – Mas os cinco não cometeram crimes.
YS - Não, mas forneceram informações que causaram a morte de várias pessoas.
SL
– A senhora se refere aos acontecimentos de 24 de fevereiro de 1996,
quando dois aviões da organização radical Brothers to the Rescue foram
derrubados depois de violar várias vezes o espaço aéreo cubano e lançar
convocações à rebelião.
YS - Sim.
SL – No entanto, o promotor reconheceu que era impossível provar a culpa de Gerardo Hernández neste caso.
YS - É verdade. Penso que, quando a política se intromete em assuntos de justiça, chegamos a isso.
SL – A senhora acha que se trata de um caso político?
YS - Para o governo cubano, é um caso político.
SL – E para os Estados Unidos?
YS -
Penso que existe uma separação dos poderes no país, mas é possível que o
ambiente político tenha influenciado os juízes e jurados. Não creio, no
entanto, que se trate de um caso político dirigido por Washigton. É
difícil ter uma imagem clara deste caso, pois jamais obtivemos uma
informação completa a respeito. Mas a prioridade para os cubanos é a
libertação dos presos políticos.
O financiamiento dos dissidentes cubanos pelos Estados Unidos
SL
– Wayne S. Smith, último embaixador dos Estados Unidos em Cuba,
declarou que era “ilegal e imprudente enviar dinheiro aos dissidentes
cubanos”. Acrescentou que “ninguém deveria dar dinheiro aos dissidentes,
muito menos com o objetivo de derrubar o governo cubano”.
Ele
explica: “Quando os Estados Unidos declaram que seu objetivo é derrubar
o governo cubano e depois afirmam que um dos meios para conseguir isso é
oferecer fundos aos dissidentes cubanos, estes se encontram de fato na
posição de agentes pagos por uma potência estrangeira para derrubar seu
próprio governo”.
YS -
Creio que o financiamento da oposição pelos Estados Unidos tem sido
apresentado como uma realidade, o que não é o caso. Conheço vários
membros do grupo dos 75 dissidentes presos em 2003 e duvido muito dessa
versão. Não tenho provas de que os 75 tenham sido presos por isso. Não
acredito nas provas apresentadas nos tribunais cubanos.
SL – Não creio que seja possível ignorar esta realidade.
YS - Por quê?
SL
– O próprio governo dos Estados Unidos afirma que financia a oposição
interna desde 1959. Basta consultar, além dos arquivos liberados ao
público, a seção 1.705 da lei Torricelli, de 1992, a seção 109 da lei
Helms-Burton, de 1996, e os dois informes da Comissão de Assistência
para uma Cuba Livre, de maio de 2004 e julho de 2006. Todos esses
documentos revelam que o presidente dos Estados Unidos financia a
oposição interna em Cuba com o objetivo de derrubar o governo de Havana.
YS: Não sei, mas…
SL
– Se me permite, vou citar as leis em questão. A seção 1.705 da lei
Torricelli estipula que “os Estados Unidos proporcionarão assistência às
organizações não-governamentais adequadas para apoiar indivíduos e
organizações que promovem uma mudança democrática não violenta em Cuba.”
A
seção 109 da lei Helms-Burton também é muito clara: “O presidente [dos
Estados Unidos] está autorizado a proporcionar assistência e oferecer
todo tipo de apoio a indivíduos e organizações não-governamentais
independentes para unir os esforços a fim de construir uma democracia em
Cuba”.
O
primeiro informe da Comissão de Assistência para uma Cuba Livre prevê a
elaboração de um “sólido programa de apoio que favoreça a sociedade
civil cubana”. Entre as medidas previstas há um financiamento de 36
milhões de dólares para o “apoio à oposição democrática e ao
fortalecimento da sociedade civil emergente”.
O
segundo informe da Comissão de Assistência para uma Cuba Livre prevê um
orçamento de 31 milhões de dólares para financiar ainda mais a oposição
interna. Além disso, está previsto para os anos seguintes um
financiamento anual de pelo menos 20 milhões de dólares, com o mesmo
objetivo, “até que a ditadura deixe de existir”.
YS - Quem lhe disse que esse dinheiro chegou às mãos dos dissidentes?
SL
– A Seção de Interesses Norte-americanos afirmou em um comunicado: “A
política norte-americana, faz muito tempo, é proporcionar assistência
humanitária ao povo cubano, especificamente a famílias de presos
políticos. Também permitimos que as organizações privadas o façam.”
YS - Bem…
SL
– Inclusive a Anistia Internacional, que lembra a existência de 58
presos políticos em Cuba, reconhece que eles estão detidos “por ter
recebido fundos ou materiais do governo norte-americano para realizar
atividades que as autoridades consideram subversivas e prejudiciais para
Cuba”.
YS - Não sei se…
SL
– Por outro lado, os próprios dissidentes admitem receber dinheiro dos
Estados Unidos. Laura Pollán, das Damas de Branco, declarou: “Aceitamos a
ajuda, o apoio, da ultradireita à esquerda, sem condições”. O opositor
Vladimiro Roca também confessou que a dissidência cubana é subvencionada
por Washington, alegando que a ajuda financeira recebida era “total e
completamente lícita”. Para o dissidente René Gómez, o apoio econômico
por parte dos Estados Unidos “não é algo a esconder ou de que precisemos
nos envergonhar”.
Inclusive
a imprensa ocidental reconhece. A agência France Presse informa que “os
dissidentes, por sua parte, reivindicaram e assumiram essas ajudas
econômicas”. A agência espanhola EFEmenciona os “opositores financiados
pelos Estados Unidos”. Quanto à agência de notícias britânica Reuters,
“o governo norte-americano fornece abertamente um apoio financeiro
federal às atividades dos dissidentes, o que Cuba considera um ato
ilegal”. E eu poderia multiplicar os exemplos.
YS -
Tudo isso é culpa do governo cubano, que impede a prosperidade
econômica de seus cidadãos, que impõe um racionamento à população. É
preciso fazer fila para conseguir produtos. É necessário julgar antes o
governo cubano, que levou milhares de pessoas a aceitar a ajuda
estrangeira.
SL
– O problema é que os dissidentes cometem um delito que a lei cubana e
todos os códigos penais do mundo sancionam severamente. Ser financiado
por uma potência estrangeira é um grave delito na Franca e no restante
do mundo.
YS - Podemos admitir que o financiamento de uma oposição é uma prova de ingerência, mas…
SL
– Mas, neste caso, as pessoas que a senhora qualifica de presos
políticos não são presos políticos, pois cometeram um delito ao aceitar
dinheiro dos Estados Unidos, e a justiça cubana as condenou com base
nisso.
YS -
Creio que este governo se intrometeu muitas vezes nos assuntos internos
de outros países, financiando movimentos rebeldes e a guerrilha.
Interveio em Angola e…
SL
– Sim, mas se tratava de ajudar os movimentos independentistas contra o
colonialismo português e o regime segregacionista da África do Sul.
Quando a África do Sul invadiu a Namíbia, Cuba interveio para defender a
independência deste país. Nelson Mandela agradeceu publicamente a Cuba e
esta foi a razão pela qual fez sua primeira viagem a Havana, e não a
Washington ou Paris.
YS - Mas muitos cubanos morreram por isso, longe de sua terra.
SL
– Sim, mas foi por uma causa nobre, seja em Angola, no Congo ou na
Namíbia. A batalha de Cuito Cuanavale, em 1988, permitiu que se pusesse
fim ao apartheid na África do Sul. É o que diz Mandela! Não se sente
orgulhosa disso?
YS -
Concordo, mas, no fim das contas, incomoda-me mais a ingerência de meu
país no exterior. O que faz falta é despenalizar a prosperidade.
SL – Inclusive o fato de se receber dinheiro de uma potência estrangeira?
YS - As pessoas têm de ser economicamente autônomas.
SL – Se entendo bem, a senhora preconiza a privatização de certos setores da economia.
YS - Não gosto do termo “privatizar”, pois tem uma conotação pejorativa, mas colocar em mãos privadas, sim.
Conquistas sociais em Cuba?
SL – É uma questão semântica, então. Quais são, para a senhora, as conquistas sociais deste país?
YS -
Cada conquista teve um custo enorme. Todas as coisas que podem parecer
positivas tiveram um custo em termos de liberdade. Meu filho recebe uma
educação muito doutrinária e contam-lhe uma história de Cuba que em nada
corresponde à realidade. Preferiria uma educação menos ideológica para
meu filho. Por outro lado, ninguém quer ser professor neste país, pois
os salários são muito baixos.
SL
– Concordo, mas isso não impede que Cuba seja o país com o maior número
de professores por habitante do mundo, com salas de 20 alunos no
máximo, o que não ocorre na França, por exemplo.
YS - Sim, mas houve um custo, e por isso a educação e a saúde não são verdadeiras conquistas para mim.
SL
– Não podemos negar algo reconhecido por todas as instituições
internacionais. Em relação à educação, o índice de analfabetismo é de
11,7% na América Latina e 0,2% em Cuba. O índice de escolaridade no
ensino primário é de 92% na América Latina e 100% em Cuba, e no ensino
secundário é de 52% e 99,7%, respectivamente. São cifras do Departamento
de Educação da Unesco.
YS -
Certo, mas, em 1959, embora Cuba vivesse em condições difíceis, a
situação não era tão ruim. Havia uma vida intelectual florescente, um
pensamento político vivo. Na verdade, a maioria das supostas conquistas
atuais, apresentadas como resultados do sistema, eram inerentes a nossa
idiossincrasia. Essas conquistas existiam antes.
SL
– Não é verdade. Vou citar uma fonte acima de qualquer suspeita: um
informe do Banco Mundial. É uma citação bastante longa, mas vale a pena.
“Cuba
é internacionalmente reconhecida por seus êxitos no campo da educação e
da saúde, com um serviço social que supera o da maior parte dos países
em desenvolvimento e, em certos setores, comparável ao dos países
desenvolvidos. Desde a Revolução cubana de 1959 e do estabelecimento de
um governo comunista com partido único, o país criou um sistema de
serviços sociais que garante o acesso universal à educação e à saúde,
proporcionado pelo Estado. Este modelo permitiu que Cuba alcançasse uma
alfabetização universal, a erradicação de certas enfermidades, o acesso
geral à água potável e a salubridade pública de base, uma das taxas de
mortalidade infantil mais baixas da região e uma das maiores
expectativas de vida. Uma revisão dos indicadores sociais de Cuba revela
uma melhora quase contínua desde 1960 até 1980. Vários índices
importantes, como a expectativa de vida e a taxa de mortalidade
infantil, continuaram melhorando durante a crise econômica do país nos
anos 90… Atualmente, o serviço social de Cuba é um dos melhores do mundo
em desenvolvimento, como documentam numerosas fontes internacionais,
entre elas a Organização Mundial de Saúde, o Programa das Nações Unidas
para o Desenvolvimento e outras agências da ONU, e o Banco Mundial.
Segundo os índices de desenvolvimento do mundo em 2002, Cuba supera
amplamente a América Latina e o Caribe e outros países com renda média
nos mais importantes indicadores de educação, saúde e salubridade
pública.”
Além
disso, os números comprovam. Em 1959, a taxa de mortalidade infantil
era de 60 por mil. Em 2009, era de 4,8. Trata-se da taxa mais baixa do
continente americano do Terceiro Mundo; inclusive mais baixa que a dos
Estados Unidos.
YS - Bom, mas…
SL
– A expectativa de vida era de 58 anos antes da Revolução. Agora é de
quase 80 anos, similar à de muitos países desenvolvidos. Cuba tem hoje
67.000 médicos frente aos 6.000 de 1959. Segundo o diário ingles The
Guardian, Cuba tem duas vezes mais médicos que a Inglaterra para uma
população quatro vezes menor.
YS -
Certo, mas, em termos de liberdade de expressão, houve um recuo em
relação ao governo de Batista. O regime era uma ditadura, mas havia uma
liberdade de imprensa plural e aberta, programas de rádio de todas as
tendências políticas.
SL
– Não é verdade. A censura da imprensa também existia. Entre dezembro
de 1956 e janeiro de 1959, durante a guerra contra o regime de Batista, a
censura foi imposta em 630 de 759 dias. E aos opositores reservava-se
um triste destino.
YS - É verdade que havia censura, intimidações e mortos ao final.
SL
– Então a senhora não pode dizer que a situação era melhor com Batista,
já que os opositores eram assassinados. Já não é o caso hoje. A senhora
acha que a data de 1º de janeiro é uma tragédia para a história de
Cuba?
YS -
Não, de modo algum. Foi um processo que motivou muita esperança, mas
traiu a maioria dos cubanos. Fui um momento luminosos para boa parte da
população, mas puseram fim a uma ditadura e instauraram outra. Mas não
sou tão negativa como alguns.
Luis Posada Carriles, a lei de Ajuste Cubano e a emigração
SL
– O que acha de Luis Posada Carriles, ex-agente da CIA responsável por
numerosos crimes em Cuba e a quem os Estados Unidos recusam-se a julgar?
YS - É um tema político que não interessa às pessoas. É uma cortina de fumaça.
SL – Interessa, pelo menos, aos parentes das vítimas. Qual é seu ponto de vista a respeito?
YS - Não gosto de ações violentas.
SL – Condena seus atos terroristas?
YS -
Condeno todo ato de terrorismo, inclusive os cometidos atualmente no
Iraque por uma suposta resistência iraquiana que mata os iraquianos.
SL – Quem mata os iraquianos? Os ataques da resistência ou os bombardeios dos Estados Unidos?
YS - Não sei.
SL
– Uma palavra sobre a lei de Ajuste Cubano, que determina que todo
cubano que emigra legal o ilegalmente para os Estados Unidos obtém
automaticamente o status de residente permanente.
YS -
É uma vantagem que os demais países não têm. Mas o fato de os cubanos
emigrarem para os Estados Unidos deve-se à situação difícil aqui.
SL
– Além disso, os Estados Unidos são o país mais rico do mundo. Muitos
europeus também emigram para lá. A senhora reconhece que a lei de Ajuste
Cubano é uma formidável ferramenta de incitação à emigração legal e
ilegal?
YS - É, efetivamente, um fator de incitação.
SL – A senhora não vê isso como uma ferramenta para desestabilizar a sociedade e o governo?
YS -
Neste caso, também podemos dizer que a concessão da cidadania espanhola
aos descendentes de espanhóis nascidos em Cuba é um fator de
desestabilização.
SL
– Não tem nada a ver, pois existem razões históricas e, além disso, a
Espanha aplica esta lei a todos os países da América Latina e não só a
Cuba, enquanto a lei de Ajuste Cubano é única no mundo.
YS - Mas existem fortes relações. Joga-se beisebol em Cuba como nos Estados Unidos.
SL – Na República Dominicana também, mas não existe uma lei de ajuste dominicano.
YS - Existe, no entanto, uma tradição de aproximação.
SL – Então por que esta lei não foi aprovada antes da Revolução?
YS - Por que os cubanos não queriam deixar seu país. Na época, Cuba era um país de imigração, não de emigração.
SL
– É absolutamente falso, já que, nos anos 50, Cuba ocupava o segundo
lugar entre os países americanos em termos de emigração rumo aos Estados
Unidos, imediatamente atrás do México. Cuba mandava mais emigrantes
para os Estados Unidos que toda a América Central e toda a América do
Sul juntas, enquanto que atualmente Cuba só ocupa o décimo lugar apesar
da lei de Ajuste Cubano e das sanções econômicas.
YS - Talvez, mas não havia essa obsessão de abandonar o país.
SL
– As cifras demonstram o contrário. Atualmente, repito, Cuba só ocupa o
décimo lugar no continente americano em termos de fluxo migratório para
os Estados Unidos. Então a obsessão da qual você me fala é mais forte
en nove países do continente pelo menos.
YS - Sim, mas naquela época os cubanos iam e regressavam.
Fonte: Rebelión, reproduzido por Opera Mundi
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