25/3/2013, Lawrence
Davidson, To the point analysis
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Lawrence Davidson |
Diz-se que o diabo arrasta com ele
um fedor de fogo e enxofre. Os feitos do diabo são frequentemente descritos como
“o mal mais alucinado” [1]. E quem pareça (seja ou não seja)
inocente é sempre descrito como “cheirando a rosas”. Parece haver, pois,
associação antiga entre feitos e fedores.
O
exército israelense recentemente se empenhou em demonstrar essa associação. Dia
6 de março, o Middle
East Monitor noticiou que:
...o
exército de Israel atacou casas de palestinos na vila de Nabi Saleh com jatos de
água podre de esgoto, como punição aos palestinos que organizavam protestos
semanais contra o Muro do Apartheid construído em terra roubada. O grupo de
defesa de direitos humanos B’Tselem publicou um vídeo (a seguir) no qual se veem
caminhões-tanques blindados israelenses, armados com “canhões d’água”, lançando
água podre de esgotos sobre casas de palestinos.
A
água podre de esgoto é líquido tão mal-cheiroso que não há quem não se afaste
para o mais longe que possa, de quem feda como fede aquela água podre. Não é a
primeira vez que o exército de Israel usa esse tipo de tática imunda.
Os
colonos sionistas orgulham-se muito da prática de lançar os
esgotos
bem longe das próprias colônias, quase sempre erguidas nas áreas mais altas,
diretamente nos campos e cidades palestinas, nos vales abaixo. Ao que tudo
indica, são práticas conhecidas e, muito provavelmente, aprovadas pelo estado de
Israel.
Duvido
que muitos dos israelenses envolvidos nessas manobras tenham algum dia lido O
Inferno, de Dante. Naquele poema épico, o inferno é lugar afogado em esgoto
e podridão: as ações dos israelenses parecem desejar reproduzir o mesmo cenário.
Estarão os israelenses dedicados a converter em inferno a Terra Santa?
Sim, pelo menos no que tenha a ver com os palestinos. Por isso os colonos e os
soldados copiam os passos dos amaldiçoados de Dante.
David Ward |
Até onde vai o fedor das ações dos
israelenses? Com certeza chega até Londres. Recentemente, o deputado David Ward,
do partido Democrático Liberal escreveu
num livro de visitas do Memorial do Holocausto que:
...tendo
visitado Auschwitz duas vezes (...) muito me entristece ver que os judeus,
vítimas de níveis inacreditáveis de perseguição durante o Holocausto, já
estivessem, poucos anos depois de libertados daqueles campos de morte, a
infligir tais atrocidades aos palestinos no novo Estado de Israel e que
continuem a fazer o mesmo até hoje, diariamente, na Cisjordânia e em Gaza.
A referência que Ward fez a “os
judeus” é qualificada, porque nem todos os judeus apoiam o sionismo, nem a ideia
de que Israel tenha algum direito a ocupar “Judéia e Samaria”, muito menos a comandar pogroms como se veem hoje, em ações de
limpeza étnica em áreas que o estado israelense controla. A verdade é que cada
dia mais e mais judeus norte-americanos
manifestam-se contra o que Israel faz na
Palestina.
Mas
Ward acerta no que diz do comportamento do “estado judeu”. E é possível que a
generalização errada, na frase de Ward, seja resultado da propaganda israelense,
que nunca se cansa de repetir que Israel representa(ria) todos os judeus do
mundo.
Mas
nem todos dão sinais de desgostar do fedor que emana do estado de Israel: há os
que gostam. O partido Liberal Democrático do deputado Ward chamou-o às falas,
pelo crime de ter denunciado que os crimes do mal mais alucinado continua a ser
praticados contra os palestinos, por autoproclamados representantes de todos os
judeus.
Teria bastado uma advertência
discreta, que lembrasse Ward de que, em todos os casos, devem-se evitar
generalizações. Mas, usando processo semelhante ao que se vê nos regimes
totalitários, o partido Liberal Democrático ordenou
que o deputado
...procure
a divisão do partido chamada Amigos de Israel, para informar-se sobre o correto
linguajar que os deputados devem empregar sempre que falarem sobre o conflito
Israel-palestinos.
O
deputado obedeceu e distribuiu as exigidas desculpas públicas. Meu nariz fareja
aí um horrível fedor de censura.
Mas
uma coisa é punir alguém por chamar a atenção para o abjeto comportamento de
Israel. Outra, diferente, é insistir no desatino de pretender que o que é insano
e abjeto seria justo e bom. Haveria alguém suficientemente cínico, impiedoso, a
ponto de impor a outros seres humanos esse tipo de castigo nauseabundo e em
seguida elogiar o castigo e todo o fedor, ante as câmeras de televisão de todo
mundo? Parece que há. Parece que vive em Washington, onde negar os fedores que
emanam de Israel é prática quase unânime. Parece que é presidente dos EUA.
Dia 15/3, antes de partir para
visitar Israel, o presidente Obama disse, em entrevista ao Canal 2 da
televisão israelense (ver a seguir, em inglês e legendado em ídiche), que admira muito “os valores centrais” de
Israel.
Em análise que publicou depois, o
jornalista
israelense Gideon Levy – que tem nariz honesto e fareja
podridões onde as haja – perguntou:
Gideon Levy |
...de
que valores Obama falava? De desumanizar os palestinos? Da atitude contra
migrantes africanos? Da arrogância? Do racismo? Do nacionalismo? Obama admira
isso? Será que jamais, antes,
ouviu falar de ônibus segregados (palestinos não entram)? Será que jamais antes
ouviu falar de comunidades convivendo no mesmo território, uma com todos os
direitos, a outra sem nenhum direito? Terá esquecido... tudo?!
Dizer que admira “os valores
centrais” de um dos países mais racistas do mundo, onde há muro e políticas de
apartheid, significa, isso sim, trair todos os valores centrais do movimento
pelos direitos civis nos EUA – o movimento que tornou possível o
milagre-Obama.
O caso é que, chegado a Israel, o
presidente Obama disse que o apoio dos EUA àquela Israel que Levy descreve será “eterno”,
forever. Deve-se acrescentar que, ao mesmo tempo, o
presidente insistiu que os palestinos parem de querer o fim das construções nas
colônias em território ocupado e das correspondentes políticas de esgoto
podre... ou jamais terão qualquer conversação de “paz” com os israelenses.
No
que tenha a ver com Israel, nem o presidente Obama, nem a maior parte dos
políticos no Congresso dos EUA são capazes de ver a diferença entre o certo e o
errado, entre o justo e o “mal mais alucinado”. Por isso vivem num mundo à
parte, estanque, só deles, cujos parâmetros e “valores” são definidos e
“ensinados” a eles por um lobby sionista ao qual se deram poderes orwellianos.
Nesse
mundo excepcional, abunda o duplipensar. Racismo, apartheid, limpeza étnica e o
uso tático de água podre de esgotos e Skunk desaparecem, substituídos por
imaginários “valores centrais” que cheiram a rosas.
O presidente, se quiser, que se
afogue o quanto queira, privadamente, nos fedores mais nauseabundos, e chame-os
de cheiro de rosa o quanto queira. Mas quando tenta vender a nós todos a
falcatrua, é a credibilidade de seus discursos que se vai pelo esgoto. Lembremos
o que George Orwell ensinou
sobre o mau uso do discurso político.
Usada
para o mal mais desatinado, a fala política torna possível “defender o
indefensável” e “foi construída para fazer mentiras soarem como verdades, para
tornar respeitável o assassinato e para dar ao vento aparência de solidez”. A
isso está reduzida a fala da maioria dos políticos, no que tenha a ver com
Israel/Palestina.
Que isso continuará
forever, como quer o presidente Obama, é puro exagero, hipérbole.
Considere-se um recente
relatório da CIA, que questiona a capacidade do estado sionista
para conseguir sobreviver outros vinte anos.
A
verdade é que o fedor que emana de Israel indica podridão sociopolítica
intestina, tão podre quanto as táticas podres que Israel usa contra moradores
não judeus. Mais cedo ou mais tarde, qualquer homem, qualquer mulher que ainda
preserve boa consciência humana (e melhor se mantiverem também nariz honesto e
em funcionamento) passarão a recusar a ter qualquer associação ou contato com
esse estado, na prática, já estado de apartheid.
Nota
dos tradutores
[1]
Orig.
“most
foul”. A expressão aparece em Hamlet, ato 1, cena 5, quando o
espectro do rei assassinado conta a Hamlet sobre o crime de que foi vítima:
Murder most foul, as in the best it is, but this most foul, strange and
unnatural” [aprox. “Assassinato é sempre [o mal] mais alucinado, mas esse do
qual falo é o mais alucinado de todos, estranho, contra a natureza”].
Foul sempre significa “mau”, em algum sentido. O espectro
diz a Hamlet que, dentre os assassinatos, sempre o pior dos crimes, assassinar o
próprio irmão é o crime pior.
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