Enviado por luisnassif
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Luis Nassif Quando Ernesto Geisel assumiu a presidência, em 1975, passou a impressão de que traria uma lufada de civilização ao regime militar, após os trágicos anos da Junta Militar e do governo Médici. Tinha como conselheiro o general Golbery, incensado por parte da imprensa como democrata,
Os livros do Elio Gaspari, fundamentais para entender o período, desfizeram o mito que o próprio Gaspari ajudou a criar na época. Na essência, Geisel talvez fosse menos preocupado com direitos humanos que o próprio Médici.
Em todo caso, quando assumiu a presidência, herdando uma inflação camuflada deixada por Delfim Neto - Ministro da Fazenda de Médici - abriu uma brecha na frente militar, permitindo algum espaço para o jornalismo criticar o período anterior.
O novo Ministro da Fazenda Mário Henrique Simonsen, e o novo presidente do Banco Central Paulo Lyra, entraram endurecendo, liquidaram alguns bancos (Halles, Independência Decred), quase provocaram uma crise bancária e depois recuaram um pouco.
Começando no jornalismo econômico, consegui emplacar minha primeira matéria especial com a denúncia dos escândalos financeiros da era Médici. No Estadão, quem se valeu do espaço aberto foi Antonio Machado, amigo e em início de uma brilhante carreira.
Na época, as matérias mais críticas que levantávamos acabavam publicadas (com pseudônimo) no jornal Movimento. Com o espaço recém-aberto, tentei convencer a Veja a dar uma matéria sobre Jorge Wolney Atalla, presidente da Coopersucar.
Na época, Atalla tinha bancado a escuderia de Emerson Fittipaldi na Fórmula 1 e era considerado um dos principais financiadores da Operação Bandeirantes.
Correspondente do The Guardian, o Bernardo Kucinsky conseguiu informações importantes sobre Atalla, trocamos figurinha e levei a proposta de matéria para o Emilio Matsumoto, que dividia a editoria de Economia com o Paulo Henrique Amorim.
Matsu consultou "a casa" - ou seja, Roberto Civita -, que deu luz verde.
Saí a campo, recolhendo dados.
Dias depois, soube que Atalla tinha sido recebido pelo Roberto Civita. Fiquei preocupado. Mais ainda quando recebi um telefonema da secretária de Atalla, dizendo que ele queria conversar comigo.
Tendo algum contato com Paulo Belotti - o supertecnocrata, tido como homem de confiança de Geisel - telefonei para ele, atrás de alguma luz. Sua reação foi de temor de Atalla. Se o supertecnocrata temia Atalla, o que fazer?
Confesso que vi a viola em caco.
Na época, morava no mesmo prédio dos meus pais. Seu Oscar tinha sido derrubado por um derrame. Antes de sair para a reunião, conversei com dona Tereza, expliquei a situação, disse-lhe que não tinha ideia do teor da conversa. Mas, se eu não voltasse, que entrasse em contato com seu Aziz Nader.
O velho Aziz era o patriarca da colônia libanesa em São Paulo. O patriarca era o mediador dos conflitos da colônia. Aziz tinha sido padrinho de casamento de meu pai, e seu filho Fuad meu padrinho de crisma.
Cheguei à reunião com Atalla. Na sala, Ernani Donato, até algumas semanas antes relações públicas da Abril.
Antes de Atalla entrar na sala, Donato me contou os motivos da visita a Roberto Civita: acertar algumas capas de Veja. Contou-me para tirar qualquer veleidade que eu pudesse ter, a respeito do respaldo da Abril.
Atalla entrou e a primeira coisa que me disse foi estupenda, confirmando que minha intuição estava certa:
- Patricio não f... patrício. Então que negócio é esse de dizer que eu assassino pessoas?
Balbuciei algumas explicações, disse que as informações não eram minhas, mas do The Guardian, ele retrucou que era um jornal esquerdista.
Não me lembro de mais detalhes da conversa. Sei que saí dali bem inseguro, mas o caso não teve desdobramentos, a não ser no redirecionamento das campanhas publicitárias da Copersucar
Reencontrei Atalla muitos anos depois no Hotel Nacional, em Brasilia. Subimos no mesmo elevador, ele alquebrado, sem conseguir sequer levantar a cabeça. Reconheceu-me, cumprimentou-me e agradeceu menção que tinha feito, pouco antes, ao seu espírito empreendedor.
De fato, nos tempos do "milagre", foi o empresário brasileiro que mais ousou, ainda que escudado na Copersucar. Quebrou com o crédito fácil que lhe foi aberto pelo Banco do Desenvolvimento do Paraná
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