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Esta imagem veio-me à memória na quarta-feira passada, no centro de Atenas. Desde o primeiro pacote de “resgate” que tenho aí ido com regularidade. Sempre a trabalho, sempre com uma agenda voltada para a discussão dos problemas comuns que enfrentamos nos países do sul da Europa, os países onde o rendimento de quem trabalha e as pensões de quem trabalhou uma vida se transformaram em alimento dos mercados financeiros, a pobreza disparou, as desigualdades são cada vez mais visíveis, o desemprego é a condição de cada vez mais pessoas. Sempre para procurar em conjunto com outros respostas solidárias a esta ofensiva dos mercados. Nos últimos três anos, Atenas mudou radicalmente. A cidade está pobre e não é preciso que ninguém o diga. Vê-se e sente-se. As lojas fecham e as que não fecham foram-se deprimindo.
A imagem do comerciante dos chapéus azuis veio-me à memória quando em conversa com uma emigrante luso-francesa ela me perguntou: não notas uma grande diferença em Atenas desde a última vez? Fiquei por uns segundos em silêncio, o silêncio envergonhado de quem já sabe que vai encontrar essa diferença. A mesma diferença que encontro nas ruas de Coimbra ou de Lisboa, das portas fechadas, das lojas deprimidas. Confessei-lho. Ela retorquiu que o sentimento por lá era o mesmo, que quase se naturalizou a diferença. Esta naturalização, é preciso dizê-lo, não é feita de resignação, pelo contrário. É apenas a constatação do facto de já não se sentir necessidade de falar, de cada vez que se ali vai, das lojas que fecharam, das ruas que estão pobres. E isso é um dos piores efeitos desta crise. O empobrecimento é já uma realidade estabelecida nos países onde entrou a Troika. Não tem nem pode ser o futuro, mas é o presente.
Desta vez a reunião foi para discutir o que se passou em Chipre. Parece que é muito longe, mas na realidade é ao virar da esquina. Questiono a financeirização da economia cipriota, opus-me sempre à lógica do paraíso fiscal, mas não podemos jamais aceitar o confisco e o precedente que se abriu. A ideia de taxar os depósitos, associada a um pacote de austeridade que colocará o país também numa situação insustentável, abre uma porta que se deixa escancarada para Portugal e para a Grécia. Quando já não houver coragem para aumentar mais impostos ou reduzir mais salários poderá sempre tentar-se a continuação do roubo indo diretamente às poupanças de cada um. A força do povo cipriota impediu que se fosse diretamente aos pequenos depositantes, mas essa porta ficou aberta. Mais uma vez, ninguém perguntou nada a ninguém. Todas as decisões importantes sobre as nossas vidas estão a ser tomadas à margem de todos nós. É urgente resgatar a democracia em Chipre, na Grécia, como aqui em Portugal.
Artigo publicado originalmente no jornal “As Beiras”
Sobre o/a autor/a
Eurodeputada, dirigente do Bloco de Esquerda, socióloga.
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