domingo, 21 de abril de 2013

Exposição do 'blasfemo' León Ferrari no centro de tortura 21/04/2013

SYLVIA COLOMBO
DE BUENOS AIRES
Caminhar pelo imenso espaço da Esma (Escola Mecânica da Marinha) --composto de casas em meio a jardins numa área equivalente a 17 campos de futebol-- é uma experiência angustiante. O lugar ainda evoca os horrores que lá aconteceram, quando 5.000 pessoas foram torturadas ou mortas durante a ditadura argentina (1976-83).

 Obra de León Ferrari que esteve na exposição "Pop, Realismos e Política", em Buenos Aires

Obra de León Ferrari que esteve na exposição "Pop, Realismos e Política", em Buenos Aires

Da Esma, principal centro clandestino de detenção, partiam os condenados aos chamados "voos da morte", atirados nas águas do rio da Prata. A Esma hoje abriga um centro cultural e é sede de alguns grupos de militância kirchnerista. Sua utilização se transformou em alvo de uma polêmica na sociedade.
A oposição a Cristina Kirchner acusa o governo de usar politicamente o lugar, questionando ainda a pertinência de realizar ali shows e exposições, que consideram demasiado festivos. "Não tem nada de festa aqui, veja o que estamos fazendo", disse à Folha Reynaldo Gomez, militante do grupo H.I.J.O.S., que na última quinta-feira participava de uma coleta de roupas e alimentos a serem enviados à La Plata, cidade que sofreu uma grande enchente há duas semanas.
Enquanto isso, a Justiça argentina prepara-se para emitir uma sentença a repressores envolvidos nos crimes do lugar. Será a terceira e última parte do julgamento da chamada "causa Esma", que está previsto para terminar ainda neste semestre.
LEÓN FERRARI
Atualmente, a principal atração na Esma é o "Taller Ferrari", exposição curada por Andrés Duprat que reúne 500 obras, objetos e ambientes de trabalho de León Ferrari, 92, o mais importante artista plástico argentino vivo.
A mostra ocorre em lugar e momento cheios de significados para o artista. Por um lado, uma das condenações que a "causa Esma" anunciará será a dos responsáveis pelo desaparecimento de seu filho, Ariel, levado ao centro de detenção clandestina. Por outro, a mostra ocorre ao mesmo tempo em que o país ainda se comove com a escolha de um papa argentino.





Quando era cardeal, Jorge Mario Bergoglio chamou Ferrari de "blasfemo". Uma retrospectiva sua no Centro Cultural Recoleta, em 2004, foi invadida e trabalhos seus foram destruídos por radicais católicos.
Entre as peças em exposição estão as séries que mostram Cristo montado em tanques de guerra e colagens sobre frases do papa João Paulo 2º.
ADRIANA VAREJÃO
O Malba (Museo de Arte Latinoamericano de Buenos Aires) continua expondo sua sensibilidade para as obras de artistas brasileiras. Tendo entre seus destaques a célebre "Abaporu", de Tarsila do Amaral, agora o Malba emenda sua segunda exposição de porte de artistas contemporâneas.
Depois de exibir Beatriz Milhazes, em setembro, agora é a vez de Adriana Varejão. A panorâmica de seu trabalho reúne as peças que estiveram nas mostras do MAM do Rio, mas com novidades.
Até 10 de junho, podem ser vistas as séries "Pratos", "Mares e Azulejos", "Saunas", "Línguas e Incisões", "Ruínas de Carne Seca" e outras. Divididos em sete salas, as incisões, o sangue e a carne das obras tornam-se mais potentes ao transmitir sua mensagem.
À Folha Varejão reforçou que seus trabalhos com a carne vêm de Goya, Rembrant, Géricault e Francis Bacon. Disse também que vê a conexão entre seu trabalho e o hispano-americano por meio do barroco. Varejão encantou a mídia local e foi abordada pelo mito das artes argentinas, a artista experimental Marta Minujín.
BAFICI
Desde o último fim de semana, os cinéfilos estão em polvorosa. Acaba de começar o Bafici, festival de cinema independente de Buenos Aires, que leva 470 filmes a cinemas do centro, ao Village Recoleta, ao Planetário e ao parque Centenário, onde há exibições ao ar livre. Em sua 15ª edição, houve uma melhor organização da compra de entradas pela internet. Ainda assim, o público se acotovela em filas de que fazem lembrar as da Mostra de São Paulo.
Há retrospectivas, como a do coreano Hong Sang-soo e a do argentino Adolfo Aristarain. O Brasil está melhor representado do que a própria Argentina. Além de "O Som Ao Redor", "Eu Receberia as Piores Notícias de Seus Lindos Lábios" e outros, há uma retrospectiva da obra de Júlio Bressane, com 17 filmes.
A ausência de filmes argentinos de relevo tem explicação política. A maioria da produção atual é financiada pelo Estado e tem se dedicado a explorar temas dos anos 70. Já o Bafici é organizado pelo governo da cidade, do opositor à Cristina, Maurício Macri.
Deixar de lado a produção nacional mais militante tem a ver com a tentativa de escantear o cinema panfletário e destacar a variedade de produções estrangeiras que dificilmente estreiam na Argentina.

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