Rancor, ressentimento e o velho ódio de
classes contra o retirante que se tornou operário, líder sindical,
presidente e um dos estadistas mais reconhecidos no mundo voltaram a
aflorar desde que Luiz Inácio Lula da Silva foi convidado a publicar uma
coluna mensal no The New York Times; Augusto Nunes, em Veja, já havia
dito que Lula não sabe redigir um "tanquiú"; Guilherme Fiúza, em Época,
agora afirma que os Estados Unidos decidiram "levar a sério o projeto de
decadência do império"; reconhecido pelo mundo inteiro e candidato
seríssimo ao Nobel da Paz, Lula deveria dizer apenas "sorry, periferia"
247 - A trajetória de Luiz Inácio
Lula da Silva é conhecida. Ex-retirante, tornou-se operário, líder
sindical, presidente e, depois disso, aprovado pela grande maioria do
seu povo, passou a ser também reconhecido internacionalmente. À
esquerda, pelo historiador Eric Hobsbawn, que afirmou que Lula "ajudou a
mudar o equilíbrio do mundo, ao trazer os países em desenvolvimento
para o centro das coisas". No mercado financeiro, por Jim O'Neill, da
Goldman Sachs, que criou a palavra BRICs (Brasil, Rússia, Índia e China)
e o definiu como o maior estadista do mundo nas últimas décadas.
Lula, portanto, é um ativo valioso, que interessa a
qualquer publicação no mundo. Além disso, com sua agenda internacional
focada, sobretudo, na África, ele é hoje seríssimo candidato ao Prêmio
Nobel da Paz. Por isso mesmo, recebeu um convite para publicar uma
coluna mensal no The New York Times, maior jornal do mundo, onde poderá
defender suas causas e bandeiras. A história de superação de Lula,
desprezada por analistas rancorosos e invejosos no Brasil, mas
reconhecida até por seus adversários políticos, hoje inspira líderes do
mundo inteiro.
Isso não significa, no entanto, que Lula está obrigado a
redigir de próprio punho seus artigos. Como colunista, Lula,
naturalmente, delegará a tarefa de produzir textos a algum escriba. É
assim, sempre foi e sempre será no mundo inteiro. Políticos são homens
de ação. Quando transplantam suas ideias para o papel, em geral, contam
com auxílio profissional. Afinal, é para isso que existem jornalistas e
ghost-writers. Tancredo Neves, por exemplo, que pronunciou alguns dos
mais memoráveis discursos da história brasileira, delegava a tarefa ao
jornalista Mauro Santayana. Bill Clinton e Barack Obama também têm
ghost-writers.
No entanto, de Lula, cobra-se o que jamais foi cobrado de
qualquer outro político brasileiro. Em Veja.com, Augusto Nunes
classifica o ex-presidente como uma espécie de analfabeto, incapaz de
pronunciar um "tanquiú" (leia mais aqui).
Escriba de luxo de seus patrões, Nunes já se prestou a todo tipo de
tarefa – entre elas, a de exaltar o "caçador de marajás" Fernando
Collor, como está bem detalhado no livro "Notícias do Planalto", de
Mario Sergio Conti, ex-diretor de Veja.
Estávamos, no 247, decididos a não comentar o texto de
Nunes, uma das peças mais insignificantes já publicadas por algum de
veículo de comunicação no Brasil. Mas não se trata, infelizmente, de um
movimento isolado. Neste domingo, em Época, Guilherme Fiúza, que se
notabilizou por biografias de personagens como Bussunda e Reynaldo
Giannechini, além do livro "Meu nome não é Johnny", consegue descer
ainda mais baixo do que seu concorrente em Veja.
Segundo ele, a coluna concedida a Lula é a prova de que
"os americanos estão levando a sério o projeto de decadência do império
americano". Diz ele ainda que Lula se tornou para o New York Times "um
suvenir da pobreza, desses que a esquerda americana ama". Fiúza sugere
que Lula escreva "Rose's story" e diz que ele poderá "narrar as
peripécias de Waldomiro, Valdebran, Gedimar, Vedoin, Bargas, Valério,
Delúbio, Silvinho, Erenice, Rosemary e grande elenco". Por último, pede a
Dilma que proíba a Polícia Federal de ler a sua coluna.
O que dizer de personagens como Augusto Nunes e Guilherme Fiúza? Nada, a não ser "sorry, periferia".
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