A hipocrisia de ações ‘filantrópicas’ como o Criança Esperança
Imposto é um dos temas mais quentes do mundo moderno, e o Diário tem coberto o assunto intensamente.
Nos Estados
Unidos, por exemplo. Barack Obama usou isso como uma arma para atacar
seu adversário republicano Mitt Romney. Romney é um homem rico, mas tem
pagado bem menos imposto, proporcionalmente, do que um assalariado
comum.
Obama o
desafiou a publicar o quanto ele pagou nos últimos cinco anos. Se ele
fizesse isso, Obama jurou que não tocava mais no assunto. Romney não
fez, e se estrepou nas eleições.
No mundo,
agora. Um levantamento de um instituto independente chamado TJN mostrou,
em 2012, que mais de 30 trilhões de dólares estão escondidos em
paraísos fiscais, longe de tributação. Se aquela cifra descomunal fosse
declarada, ela geraria impostos de mais de 3 trilhões, considerada uma
taxa (modesta) de 10%.
Lembremos.
Imposto é chato e ninguém gosta, nem você e nem eu. Mas é com ele que
governos constroem escolas, estradas, hospitais etc. Logo, eles são do
mais absoluto interesse público.
Agora, o Brasil.
Uma notícia
espetacular, a despeito do número esquálido de linhas, foi publicada há
algum tempo na seção Radar, de Lauro Jardim, da Veja: a Globo, o Paraíso
dos “PJs” está sendo cobrada em 2,1 bilhões de reais pela Receita
Federal por impostos que alegadamente deveria recolher e não recolheu.
Segundo o
Radar, outras 69 empresas foram objeto do mesmo questionamento fiscal.
Todas acabaram se livrando dos problemas na justiça, exceto a Globo.
Chega a ser engraçado imaginar a Globo no papel de vítima solitária, mas
enfim.
Em nome do
interesse público, a Receita Federal tem que esclarecer este caso. É
mais do que hora de dar um choque de transparência na Receita – algo que
infelizmente o governo Lula não fez, e nem o de Dilma, pelo menos até
aqui.
Se o mundo
fosse perfeito, a mídia brasileira cobriria a falta de transparência
fiscal para o público. Mas não é. Durante anos, a mídia se ocupou em
falar do mercado paralelo.
Pessoalmente,
editei dezenas de reportagens sobre empresas sonegadoras. A sonegação
mina um dos pilares sagrados do capitalismo: a igualdade entre os
competidores do mercado. Há uma vantagem competitiva indefensável para
empresas que não pagam impostos. Elas podem investir mais, cobrar menos
pelos seus produtos etc.
Nos últimos
anos, o assunto foi saindo da pauta. Ao mesmo tempo, as grandes
corporações foram se aperfeiçoando no chamado “planejamento fiscal”. No
Brasil e no mundo. O NY Times, há pouco tempo, numa reportagem, afirmou
que o departamento contábil da Apple é tão engenhoso quanto a área de
criação de produtos. A Apple tem uma sede de fachada em Nevada, onde o
imposto corporativo é zero. Com isso, ela deixa de recolher uma quantia
calculada entre 3 e 5 bilhões de dólares por ano.
Grandes
empresas de mídia, no Brasil e fora, foram encontrando jeitos
discutíveis de recolher menos. Na Inglaterra, soube-se que a BBC
registrou alguns de seus jornalistas mais caros, como Jeremy Paxton,
como o equivalente ao que no Brasil se chama de “PJ”. No Brasil, muitos
jornalistas que escrevem catilinárias incessantes contra a corrupção são
“PJs” e, aparentemente, não vêem nenhum problema moral nisso. Não
espere encontrar nenhuma reportagem sobre os “PJs”.
Os brados
contra a sonegação deixaram de ser feitos pela mídia brasileira quando
as empresas aperfeiçoaram o ‘planejamento fiscal’ — uma espécie de
sonegação legalizada, mas moralmente imoral.
O dinheiro
cobrado da Globo – a empresa ainda pode e vai recorrer, afirma o Radar –
é grande demais para que o assunto fique longe do público. A Globo
costuma arrecadar 10 milhões de reais com seu programa “Criança
Esperança”. Isso é cerca de 0,5% do que lhe está sendo cobrado. Que o
caso saia das sombras para a luz, em nome do interesse público – quer a
cobrança seja devida ou indevida.
A Inglaterra
não apenas está publicando casos de empresas que pagam muito menos do
que deveriam, como Google e Starbucks, como, agora, nomeou os
escritórios de advocacia mais procurados por corporações interessadas na
evasão legal.
De resto, a
melhor filantropia que corporações e milionários podem fazer é pagar o
imposto devido. O resto, para usar a grande frase shakesperiana, é
silêncio.
Sobre o autor: Paulo Nogueira: O
jornalista Paulo Nogueira, baseado em Londres, é fundador e diretor
editorial do site de notícias e análises Diário do Centro do Mundo.
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