por Richard D. Wolff
[*]
Capitalismo e democracia real nunca tiveram muito a ver um com o outro. Em
contrapartida, a votação formal em eleições tem
funcionado lindamente para o capitalismo. Afinal de contas,
eleições raramente puseram em causa, muito menos decidiram, a
questão do capitalismo: se os eleitores preferem isto ou um sistema
económico alternativo. Os capitalistas têm mantido com êxito
as eleições centradas alhures, sobre questões e
opções não sistémicas. Este êxito lhes
permitiu em primeiro lugar igualar democracia a eleições e a
seguir celebrar eleições em países capitalistas como prova
da sua democracia. Naturalmente, eleições imparciais foram e
são permitidas apenas
fora
das empresas capitalistas. Eleições democráticas
dentro
delas – onde os empregados são maioria – nunca acontecem.
Democracia real significa que importantes decisões que afectam as vidas das pessoas são tomadas genuinamente e igualmente pelas pessoas afectadas. A organização capitalista das empresas portanto contradiz a democracia real. No interior das corporações que dominam o capitalismo moderno, uma minúscula minoria – os accionistas principais e os conselhos de administram que eles elegem – tomam decisões chave que afectam os que estão abaixo deles na hierarquia corporativa, os empregados. Aquela pequena minoria decide que produtos a corporação produzirá, que tecnologias serão utilizadas, onde ocorrerá a produção e como serão distribuídas as receitas líquidas da corporação. A maioria é afectada, muitas vezes profundamente, por todas essas decisões, mas não participa na elaboração delas.
Dentro das modernas corporações capitalistas típicas, a democracia real (assim como a eleitoral) está excluída. Sociedades que celebram o compromisso com a democracia e justificam políticas do governo (incluindo guerras) como promotoras da democracia também excluem a democracia dos seus lugares de trabalho. Esta contradição absoluta provoca graves problemas. Conscientemente ou inconscientemente, os trabalhadores percebem, sentem e exprimem insatisfações que reflectem essa contradição.
Exemplo: os trabalhadores percebem o desrespeito que baixa das alturas do comando das corporações. Frequentemente sentem que suas capacidades e criatividades não são reconhecidas, não são utilizadas e/ou são desvalorizadas. Expressões de tais sentimentos incluem absenteísmo, tensões inter-pessoais e disfunções relacionadas com o trabalho (alcoolismo, insubordinação, furto, etc). A exclusão da democracia dos lugares de trabalho muitas vezes provoca ressentimentos dos trabalhadores e resistências que reduzem a produtividade e os lucros. As corporações desde há muito respondem com a contratação de múltiplas camadas de supervisores custosos no lugar de trabalho e proporcionando grandes orçamentos para eles. Aquelas despesas corporativas estão entre os custos que o capitalismo desperdiça: somas desviadas do investimento, do crescimento económico, do progresso técnico e de outras utilizações sociais preferíveis.
As eleições fora do lugar de trabalho mantêm-se numa relação ambivalente com a exclusão de democracia real interna do capitalismo. Por um lado, eleições distraem o povo das suas inquietações conscientes e inconscientes com as condições de trabalho. As eleições centram-se, ao invés, em candidatos políticos, partidos e políticas alternativas em torno de questões diferentes do que capitalismo versus sistemas económicos alternativas e diferentes também das suas respectivas condições de trabalho. Eis porque os apoiantes do capitalismo apreciam eleições. Eleições bem controladas não questionam, e muito menos ameaçam, o capitalismo. Por outro lado, elas sempre contém um risco, o potencial causar grandes problemas ao capitalismo.
Os trabalhadores a quem é negada democracia no emprego podem concluir que problemas tão cruciais como salários inadequados, segurança de emprego e benefícios e estão conscientes desta negação. Dada a enaltecida equivalência do capitalismo entre democracia e eleições, os trabalhadores podem voltar-se para eleições como um meio de responder à ausência de democracia no lugar de trabalho. Sabendo que eles incluem a maioria eleitoral, os trabalhadores podem encarar eleições como o meio para mudar as suas condições económicas. A política eleitoral poderá tornar-se o seu caminho para desfazer as consequências de um sistema económico capitalista. A maioria podia por em causa, numa decisão eleitoral, a escolha entre a organização capitalista e a democrática no local de trabalho. Os trabalhadores poderiam utilizar eleições fora das empresas para finalmente trazer eleições e democracia real para dentro delas. A política convencional deixa aquela possibilidade em aberto, um risco perpétuo para capitalistas ansiosos.
Dentre as soluções encontradas para este problema, capitalistas financiam candidatos e partidos nas campanhas eleitorais e entre elas. Em contrapartida, responsáveis eleitos apoiam desejos dos seus financiadores, especialmente quanto ao que é o que não é apresentado aos eleitores para decidir. Empresas capitalistas também financiam think tanks, programas académicos, mass media e campanhas de relações públicas que moldam a opinião pública em favor do capitalismo. No último meio século emergiu ainda outra solução: manter o estado na defensiva não só ideologicamente como também financeiramente por meio de défices orçamentais e dívidas.
Exemplo (obrigado a Doug Korty por este apontamento): os défices totais do governo federal [dos EUA] de 1950 a 2009 foram de US$6,6 milhões de milhões (trillion). Durante aqueles anos, três presidentes republicanos (Bush1, Reagan e Bush 2) foram responsáveis por mais de 92% daqueles défices. Todos os outros presidentes (Truman, Eisenhower, Kennedy, Johnson, Nixon/Ford, Carter e Clinton) somados foram responsáveis por 12%. Os três presidentes republicanos felizes com défices foram os mais conservadores e subservientes aos principais interesses capitalistas. Todos eles aumentaram os gastos (principalmente para actividade militar e objectivos de contenção de crise) enquanto cortavam impostos (especialmente para corporações e os indivíduos mais ricos). Tais políticas obrigaram a enormes défices federais e a subidas rápidas da dívida nacional. Pelo seu enorme estímulo ao gasto e às guerras custosas não compensadas por aumentos de impostos, a administração Obama também incide em défices muito grandes e ascende a dívida nacional.
Seguem-se as previsíveis tempestades ideológicas: (1) défices e dívidas federais foram definidos como os problemas urgentes; e (2) programas de austeridade para cortar despesas do governo eram a solução apropriada. Republicanos e democratas desempenharam os seus papéis previsíveis argumentando sobre o ritmo, dimensão e objectivos da austeridade. Todos os seus argumentos mantêm a questão do capitalismo fora da agenda para o debate popular e político apesar da crise do sistema.
Quando soluções convencionais fracassam e cada vez mais pessoas começam a questionar, desafiar e opor-se ao capitalismo, os capitalistas geralmente apoiam a polícia e a repressão militar. Em situações extrema, eles acabam com a democracia eleitoral por meio de um golpe militar, ditadura ou qualquer outro. Contudo, acabar com a democracia eleitoral habitualmente provoca ansiedade mesmo entre os capitalistas que a apoiam. A sua preocupação é de que o fim da democracia eleitoral provoque crítica social e oposição sistémica que possa se expandir de modo a incluir um sistema de produção não democrático. Eles não desejam perder o benefício chave de eleições adequadamente controladas: distrair os trabalhadores afastando-os da questão do capitalismo em si. Tais eleições são o modo mais barato e menos perigoso para assegurar a distância que o capitalismo mantém entre ele próprio e a democracia real.
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Professor emérito da Universidade de Massachusetts – Amherst. Seu
sítio web é
www.rdwolff.com
.
Democracia real significa que importantes decisões que afectam as vidas das pessoas são tomadas genuinamente e igualmente pelas pessoas afectadas. A organização capitalista das empresas portanto contradiz a democracia real. No interior das corporações que dominam o capitalismo moderno, uma minúscula minoria – os accionistas principais e os conselhos de administram que eles elegem – tomam decisões chave que afectam os que estão abaixo deles na hierarquia corporativa, os empregados. Aquela pequena minoria decide que produtos a corporação produzirá, que tecnologias serão utilizadas, onde ocorrerá a produção e como serão distribuídas as receitas líquidas da corporação. A maioria é afectada, muitas vezes profundamente, por todas essas decisões, mas não participa na elaboração delas.
Dentro das modernas corporações capitalistas típicas, a democracia real (assim como a eleitoral) está excluída. Sociedades que celebram o compromisso com a democracia e justificam políticas do governo (incluindo guerras) como promotoras da democracia também excluem a democracia dos seus lugares de trabalho. Esta contradição absoluta provoca graves problemas. Conscientemente ou inconscientemente, os trabalhadores percebem, sentem e exprimem insatisfações que reflectem essa contradição.
Exemplo: os trabalhadores percebem o desrespeito que baixa das alturas do comando das corporações. Frequentemente sentem que suas capacidades e criatividades não são reconhecidas, não são utilizadas e/ou são desvalorizadas. Expressões de tais sentimentos incluem absenteísmo, tensões inter-pessoais e disfunções relacionadas com o trabalho (alcoolismo, insubordinação, furto, etc). A exclusão da democracia dos lugares de trabalho muitas vezes provoca ressentimentos dos trabalhadores e resistências que reduzem a produtividade e os lucros. As corporações desde há muito respondem com a contratação de múltiplas camadas de supervisores custosos no lugar de trabalho e proporcionando grandes orçamentos para eles. Aquelas despesas corporativas estão entre os custos que o capitalismo desperdiça: somas desviadas do investimento, do crescimento económico, do progresso técnico e de outras utilizações sociais preferíveis.
As eleições fora do lugar de trabalho mantêm-se numa relação ambivalente com a exclusão de democracia real interna do capitalismo. Por um lado, eleições distraem o povo das suas inquietações conscientes e inconscientes com as condições de trabalho. As eleições centram-se, ao invés, em candidatos políticos, partidos e políticas alternativas em torno de questões diferentes do que capitalismo versus sistemas económicos alternativas e diferentes também das suas respectivas condições de trabalho. Eis porque os apoiantes do capitalismo apreciam eleições. Eleições bem controladas não questionam, e muito menos ameaçam, o capitalismo. Por outro lado, elas sempre contém um risco, o potencial causar grandes problemas ao capitalismo.
Os trabalhadores a quem é negada democracia no emprego podem concluir que problemas tão cruciais como salários inadequados, segurança de emprego e benefícios e estão conscientes desta negação. Dada a enaltecida equivalência do capitalismo entre democracia e eleições, os trabalhadores podem voltar-se para eleições como um meio de responder à ausência de democracia no lugar de trabalho. Sabendo que eles incluem a maioria eleitoral, os trabalhadores podem encarar eleições como o meio para mudar as suas condições económicas. A política eleitoral poderá tornar-se o seu caminho para desfazer as consequências de um sistema económico capitalista. A maioria podia por em causa, numa decisão eleitoral, a escolha entre a organização capitalista e a democrática no local de trabalho. Os trabalhadores poderiam utilizar eleições fora das empresas para finalmente trazer eleições e democracia real para dentro delas. A política convencional deixa aquela possibilidade em aberto, um risco perpétuo para capitalistas ansiosos.
Dentre as soluções encontradas para este problema, capitalistas financiam candidatos e partidos nas campanhas eleitorais e entre elas. Em contrapartida, responsáveis eleitos apoiam desejos dos seus financiadores, especialmente quanto ao que é o que não é apresentado aos eleitores para decidir. Empresas capitalistas também financiam think tanks, programas académicos, mass media e campanhas de relações públicas que moldam a opinião pública em favor do capitalismo. No último meio século emergiu ainda outra solução: manter o estado na defensiva não só ideologicamente como também financeiramente por meio de défices orçamentais e dívidas.
Exemplo (obrigado a Doug Korty por este apontamento): os défices totais do governo federal [dos EUA] de 1950 a 2009 foram de US$6,6 milhões de milhões (trillion). Durante aqueles anos, três presidentes republicanos (Bush1, Reagan e Bush 2) foram responsáveis por mais de 92% daqueles défices. Todos os outros presidentes (Truman, Eisenhower, Kennedy, Johnson, Nixon/Ford, Carter e Clinton) somados foram responsáveis por 12%. Os três presidentes republicanos felizes com défices foram os mais conservadores e subservientes aos principais interesses capitalistas. Todos eles aumentaram os gastos (principalmente para actividade militar e objectivos de contenção de crise) enquanto cortavam impostos (especialmente para corporações e os indivíduos mais ricos). Tais políticas obrigaram a enormes défices federais e a subidas rápidas da dívida nacional. Pelo seu enorme estímulo ao gasto e às guerras custosas não compensadas por aumentos de impostos, a administração Obama também incide em défices muito grandes e ascende a dívida nacional.
Seguem-se as previsíveis tempestades ideológicas: (1) défices e dívidas federais foram definidos como os problemas urgentes; e (2) programas de austeridade para cortar despesas do governo eram a solução apropriada. Republicanos e democratas desempenharam os seus papéis previsíveis argumentando sobre o ritmo, dimensão e objectivos da austeridade. Todos os seus argumentos mantêm a questão do capitalismo fora da agenda para o debate popular e político apesar da crise do sistema.
Quando soluções convencionais fracassam e cada vez mais pessoas começam a questionar, desafiar e opor-se ao capitalismo, os capitalistas geralmente apoiam a polícia e a repressão militar. Em situações extrema, eles acabam com a democracia eleitoral por meio de um golpe militar, ditadura ou qualquer outro. Contudo, acabar com a democracia eleitoral habitualmente provoca ansiedade mesmo entre os capitalistas que a apoiam. A sua preocupação é de que o fim da democracia eleitoral provoque crítica social e oposição sistémica que possa se expandir de modo a incluir um sistema de produção não democrático. Eles não desejam perder o benefício chave de eleições adequadamente controladas: distrair os trabalhadores afastando-os da questão do capitalismo em si. Tais eleições são o modo mais barato e menos perigoso para assegurar a distância que o capitalismo mantém entre ele próprio e a democracia real.
O original encontra-se em mrzine.monthlyreview.org/2013/wolff210613.html
Este artigo encontra-se em http://resistir.info/
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