A Revista Brasileiros
que está chegando agora, publica entrevista feita com o presidente
Lula, daquelas do tipo "sem medo de ser feliz". Foi feita quando ele
ainda estava na Etiópia, durante as comemorações dos 50 anos da União
Africana. Segue a entrevista:
Ecos na África
Nos 50 anos da União Africana, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva participa de encontro de combate à fome, tema de reportagem na próxima edição da Brasileiros. Em entrevista exclusiva, concedida na Etiópia, Lula defende manifestações no Brasil, fala sobre corrupção, consertação e de uma nova maneira de fazer política
texto e fotos Hélio Campos Mello e Luiza Villaméa, enviados especiais a Adis Abeba, na Etiópia
Em Adis Abeba, a capital da Etiópia, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva falou pela primeira vez em público sobre os protestos que se espalharam pelo Brasil e surpreenderam o mundo. Cercado por líderes políticos e comunitários ávidos para implementar em seus países programas criados quando ele estava à frente da Presidência da República, Lula lembrou dos tempos em que ele próprio ocupava as ruas como forma de pressionar mudanças. Para Lula, as manifestacões são, em parte, resultado do que foi feito no Brasil nos últimos dez anos: “Feliz é o povo que tem liberdade de se manifestar. E mais feliz ainda é o país que tem um povo que se manifesta e vai para as ruas querendo mais”.
Dois dias depois, em entrevista exclusiva à Brasileiros, ainda em Adis Abeba, Lula afirmou que o povo tem razão em reclamar. “As pessoas podem querer mais ou querer menos, podem até querer exageros, mas isso é positivo. É bom para que se faça nova consertação no País”, disse o ex-presidente, que tem acompanhado de perto as mudanças na forma de fazer política no cenário nacional e internacional. Não por acaso, ele defende que governos e políticos entrem em sintonia com as novas mídias e os tempos em que “as pessoas se comunicam sem pedir licença”. O ex-presidente estava em Adis Abeba para um encontro promovido pela União Africana (que comemora 50 anos em atividade), pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO) e pelo Instituto Lula.
Ecos na África
Nos 50 anos da União Africana, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva participa de encontro de combate à fome, tema de reportagem na próxima edição da Brasileiros. Em entrevista exclusiva, concedida na Etiópia, Lula defende manifestações no Brasil, fala sobre corrupção, consertação e de uma nova maneira de fazer política
texto e fotos Hélio Campos Mello e Luiza Villaméa, enviados especiais a Adis Abeba, na Etiópia
Em Adis Abeba, a capital da Etiópia, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva falou pela primeira vez em público sobre os protestos que se espalharam pelo Brasil e surpreenderam o mundo. Cercado por líderes políticos e comunitários ávidos para implementar em seus países programas criados quando ele estava à frente da Presidência da República, Lula lembrou dos tempos em que ele próprio ocupava as ruas como forma de pressionar mudanças. Para Lula, as manifestacões são, em parte, resultado do que foi feito no Brasil nos últimos dez anos: “Feliz é o povo que tem liberdade de se manifestar. E mais feliz ainda é o país que tem um povo que se manifesta e vai para as ruas querendo mais”.
Dois dias depois, em entrevista exclusiva à Brasileiros, ainda em Adis Abeba, Lula afirmou que o povo tem razão em reclamar. “As pessoas podem querer mais ou querer menos, podem até querer exageros, mas isso é positivo. É bom para que se faça nova consertação no País”, disse o ex-presidente, que tem acompanhado de perto as mudanças na forma de fazer política no cenário nacional e internacional. Não por acaso, ele defende que governos e políticos entrem em sintonia com as novas mídias e os tempos em que “as pessoas se comunicam sem pedir licença”. O ex-presidente estava em Adis Abeba para um encontro promovido pela União Africana (que comemora 50 anos em atividade), pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO) e pelo Instituto Lula.
Brasileiros – Como o senhor está vendo o Brasil? De repente, o índice de popularidade da presidenta Dilma Rousseff despencou.
Luiz Inácio Lula da Silva – Não é a presidenta. O terremoto que aconteceu no País pegou tudo. Pegou desde a imprensa, que estava perplexa e depois virou apoiadora do movimento, até o Congresso Nacional. Pegou todo mundo, os políticos, os prefeitos, como se fosse um vulcão em erupção. Quem estava ali na frente foi se queimando. Como temos de encarar isso? Primeiro, é inegável a evolução que aconteceu no Brasil nos últimos dez anos. Teve crescimento do emprego, do salário e do PIB, além de controle da inflação. Durante dez anos seguidos, o salário mínimo aumentou. Durante dez anos seguidos, as pessoas tiveram mais crédito, viraram consumidoras. Na campanha, Fernando Haddad dizia uma frase que eu achei genial.
Brasileiros – Qual?
Lula – Ele falava “da porta para dentro de suas casas as coisas melhoraram. Da porta para fora, as coisas não melhoraram”. É lógico que o povo tem razão de reclamar do transporte. E não é pelo preço não. É pela qualidade do transporte. Basta pegar um ônibus para sentir o problema. O metrô era chique em São Paulo, quando andava meio vazio. Agora, que entra três vezes mais gente do que cabe no vagão, acabou. À medida que a sociedade evolui, ela quer mais, exige mais. Então, nada de ficar nervoso ou irritado porque os movimentos estão acontecendo. Vamos agradecer que a sociedade está viva, querendo coisas. As pessoas podem querer mais ou querer menos, podem até querer exageros, mas isso é positivo.
Brasileiros – Como?
Lula – É bom para que se faça uma nova consertação no País, para que se façam novos acordos. As pessoas criticam a Copa do Mundo… Eu fico muito feliz que a Copa do Mundo venha para o Brasil. Fiquei felicíssimo com a vitória do Brasil contra a Espanha. Se as pessoas entendem que tem custo a mais, vamos explicar para as pessoas se não tem, se tem a mais ou a menos. Quem é responsável por fazer os estádios tem de explicar. Manda os empresários se explicarem, os governadores se explicarem por que custou 100, 200 ou 300. O governo federal está muito à vontade porque não tem dinheiro para estádio. Tem financiamento do BNDES, como qualquer outro financiamento. Quem toma o empréstimo tem de dar garantia e tem de pagar. O governo tem investimento para obra de infraestrutura, que é outra coisa. Precisa ser feito. Como diz o Andrés Sanchez, do Corinthians, o estádio é do Corinthians, não é da Copa. Se a Copa quiser utilizar, tudo bem. E, no caso das obras públicas, elas têm de ser feitas. No Brasil, todos nós sabemos que faltam coisas. Não precisa nem fazer manifestação. É só acompanhar as pesquisas de opinião pública. E todo mês os políticos têm pesquisa. Todo santo dia tem pesquisa mostrando o que está bom e o que não está bom na percepção do povo. Nisso não há nenhuma novidade. A novidade é que o povo resolveu dizer “olha, nós existimos”.
Brasileiros – Em discurso para líderes políticos e comunitários no Centro de Convenções da União Africana, o senhor considerou os protestos saudáveis para o País.
Lula – Considero saudável, primeiro, porque o povo está fazendo uma manifestação pacífica. Nas greves do passado, mesmo quando a gente pedia para os trabalhadores “olha, não queremos que vocês estourem pneus de ônibus”, sempre aparecia um engraçadinho para quebrar o vidro de um ônibus. Sempre aparecia um engraçadinho com um alicate para tirar a válvula e esvaziar o pneu. Eu dizia “não peçam para fazer piquete que eu não vou fazer”. Eles faziam e depredavam. É sempre assim. Separando isso, as manifestações são legítimas e devem ser encaradas como normais. Aliás, a Dilma tem tido um comportamento muito digno com relação a isso. Mas o mundo não sabe que a polícia é estadual, não é federal. No Brasil, você tem a educação básica, que é municipal e estadual. Há uma mistura. O mundo não sabe disso. Em dez anos, conseguimos mais do que dobrar o número de jovens na universidade. Em dez anos, nós fizemos mais do que foi feito desde 1920, quando foi criada a primeira universidade no Brasil. O ProUni foi uma revolução no ensino brasileiro. Colocou para estudar um milhão e 300 mil pessoas que não teriam condições de entrar para a faculdade se não fosse o programa.
Brasileiros – Ainda há muitas demandas.
Lula – As pessoas querem mais mesmo. É normal. Isso é até dentro da casa da gente. E, depois, tem também o jeito moderno de fazer política. Hoje, eu não preciso ir num comício. Não preciso ouvir um carro de som. Hoje, monta-se uma rede. O que o governo precisa fazer? Tem de se atualizar, ter política de informação por meio de rede também. É um debate cotidiano. Os partidos, os sindicatos têm de se modernizar. Tenho feito reunião com muita gente. Um pouco com a preocupação de compreender, mas também sem precisar compreender. Quando acontece um negócio desses, fica todo mundo querendo adivinhar o que está por trás. Eu me lembro que na greve de 1978 na Scania também havia a curiosidade de saber quem estava por trás … Eu nunca tinha ouvido falar no Almino Affonso (político que tinha chegado do exílio dois anos antes). Aí, diziam: “É o Almino Affonso que está fazendo a greve”.
Brasileiros – Desta vez o senhor ouviu o quê?
Lula – Ouvi gente chamar de fascista, de não sei das quantas. Vamos supor que nas manifestações tenha um cara de direita, outro de extrema esquerda, mas tem muita gente do povo, que está ali porque entende que também pode gritar.
Brasileiros – E o senhor também está tentando entender as novas mídias, não é verdade?
Lula – Mais do que entender, nós temos de nos preocupar e nos modernizar. O jeito de fazer política está mudando no mundo. Não é no Brasil. É no mundo. Hoje, as pessoas se comunicam sem pedir licença. Antigamente, na porta de uma empresa, eu tinha de conversar com o segurança para ver se deixavam entrar o carro de som. Hoje, milhares de jovens se comunicam, sentados no sofá (Lula começa a tamborilar na mesa o som de teclas), comendo batatinha. É um negócio fantástico. Onde isso vai parar no mundo eu não sei. O fato concreto é que a comunicação mudou. E nós temos de evoluir. De qualquer forma, sempre que a sociedade alerta é muito importante prestar atenção. A Dilma agiu rapidamente. No Brasil, o problema do transporte é crônico. Não é um problema de hoje.
Brasileiros – O que mudou?
Lula – A juventude tem outra linguagem hoje. Eu fui conversar com o companheiro Capilé (o produtor cultural Pablo Capilé, do Casa Fora do Eixo). Depois de meia hora de conversa, falei para o Capilé: “Vou ter de arrumar um tradutor para conversar com você”. A linguagem é nova, mas não temos de reclamar. Temos de trabalhar nesse mesmo campo. Estamos fazendo isso dentro do instituto (Instituto Lula). Como é que um partido do tamanho do PT não tem estrutura para conversar com essa meninada em tempo real? Não dá para conversar com essa juventude pelos jornais, pelas vias tradicionais. Tudo isso acabou. Eu vejo lá em casa. Meus filhos não veem televisão, não leem jornal. Eles passam o dia na internet. Tenho um neto de 16 anos que passa o dia conectado. Então, a palavra de ordem agora é: “Vamos nos conectar! Vou me conectar!”.
Brasileiros – Corrupção e reforma política.
Lula – Não sei se haverá grandes mudanças se a reforma política for feita pelos mesmos que hoje estão no Congresso. Quando eu estava na Presidência, cheguei a discutir com a minha equipe política sobre uma Constituinte soberana. Uma Constituinte só para fazer a reforma política. Mas não se consegue passar isso no Congresso. Muita gente prefere que fique do jeito que está. É preciso conhecer as perguntas que serão feitas no plebiscito para saber o que mudará de concreto. De qualquer forma, só o debate já é importante. O problema da corrupção também é crônico. Quanto mais se combater, mais ela vai aparecer. E tem duas formas de combater a corrupção.
Brasileiros – Quais?
Lula – Uma delas é alguém denunciar e você ir atrás do denunciado. Outra é ter mecanismos de investigação. Eu me sinto muito à vontade. Posso dizer que nunca antes na história do País um presidente criou tantos mecanismos para investigar como nós criamos. Nenhum país do mundo tem a transparência que o Brasil tem hoje. Se quiserem acompanhar os gastos do governo, as pessoas podem fazer isso pela internet.
Brasileiros – Como?
Lula – É só entrar no site do Ministério do Planejamento. Com a Lei da Transparência, as pessoas acompanham tudo o que quiserem. Em 2003, quando eu cheguei à Presidência, a Controladoria Geral da União era uma peça de ficção. Depois, virou um órgão de investigação. Grande parte das denúncias surge de nossa própria Controladoria. A Polícia Federal foi equipada e preparada para investigar. Ou se faz isso ou joga-se para baixo do tapete. Quando estava na Presidência, cansei de dizer: “Só tem um jeito de as pessoas não serem denunciadas. É serem decentes, honestas”. Se a pessoa roubar, um dia será descoberta. Quanto mais transparência houver, quanto mais debate a gente fizer, mais será importante. Às vezes, é cansativo. Às vezes, é desagradável. Não tem problema nenhum. O importante é que a gente está a caminho de construir uma nação muito forte democraticamente e mais consciente politicamente. Eu vejo muito os jovens. Muitas vezes, percebo que falta uma coordenação política melhor. Cansei de fazer discurso nesses últimos dez anos. Foi um ministro do Trabalho da direita, o Júlio Barata que disse: “O trabalhador que está satisfeito com o que tem, não merece o que tem”. Em minhas palestras, cansei de me dirigir ao jovem que protesta muito, que radicaliza muito. Na hora que o jovem estiver desanimado, na hora que ele achar que não tem nenhum político que preste no mundo, na hora que ele achar que todo mundo é ladrão, em vez de ficar desanimado, ele tem de entrar na política. O político perfeito que ele quer pode estar dentro dele.
Brasileiros – O senhor se enxerga nesses jovens?
Lula – Eu não sou mais jovem. Eu já me enxerguei nesse processo. Por isso, criei um partido político. Em 1978, quando o Geisel (o ex-presidente Ernesto Geisel) mandou para o Congresso Nacional uma lei criando as categorias essenciais, tentando proibir as categorias de fazer greve, eu fui conversar com os deputados. Quando cheguei lá, percebi: “Peraí, como é que eu quero que esses caras votem numa lei de interesse dos trabalhadores, se não tem trabalhador aqui?”. É assim. Prefiro que as pessoas descubram a necessidade de fazer política do que neguem a política. Não há exemplo na história de que a negação da política deu em coisa melhor. Sempre deu em coisa pior. Aí sim, pode-se fortalecer o fascismo, pode-se fortalecer coisas que não queremos. Precisamos fortalecer a política e a democracia. Quanto mais participação, melhor. Não vejo nenhum problema em o povo ir para a rua dizer o que quer. Na hora que ele disser uma coisa que não é correta, que se discuta com ele. O debate tem de ser livre. A democracia tem de ser respeitada. E vamos tocar o barco.
Brasileiros – O senhor falou em consertação. Até onde vai a sua consertação?
Lula – A minha não vai a lugar nenhum porque não sou prefeito, não sou deputado, não sou governador, não sou presidente da República. Estou fora da mesa de negociação. Não sou nem presidente do PT. Acho que a Dilma deu um passo importante. Ela conversou com amplos setores da sociedade. Conversou com os sindicatos, com os partidos, com os jovens, com o Movimento Passe Livre. E, como a Dilma é muito inteligente, ela certamente vai tomar as medidas que precisa tomar. Se algum jovem estiver fazendo uma coisa equivocada, é preciso debater com ele, mostrar que ele está equivocado. Se as pessoas querem o passe livre, é necessário dizer quem vai pagar. Alguém tem de pagar.
Brasileiros – A ex-prefeita de São Paulo Luiza Erundina tentou, mas não conseguiu.
Lula – A prefeitura não produz dinheiro, ela arrecada. É o seguinte: na hora de defender o passe livre, tem de dizer quem vai financiar. Quem vai assumir isso? Vai estatizar o transporte?
Brasileiros – Fala-se em sua volta. Onde o senhor vai estar em 2014?
Lula – Eu nem gosto de comentar esse assunto. Faz dois anos e meio que deixei a Presidência da República. Cumpri oito anos de Presidência. Se não fiz tudo, fiz muito do que achava que era preciso fazer. Temos de ter outras pessoas. A Dilma é uma excelente presidenta da República. Conheço muita gente neste País. Conheço muito político neste País. E conheço pouquíssimas pessoas com a competência da Dilma. Portanto, ela será minha candidata em 2014. E eu serei seu cabo eleitoral. É isso que vai acontecer.
Luiz Inácio Lula da Silva – Não é a presidenta. O terremoto que aconteceu no País pegou tudo. Pegou desde a imprensa, que estava perplexa e depois virou apoiadora do movimento, até o Congresso Nacional. Pegou todo mundo, os políticos, os prefeitos, como se fosse um vulcão em erupção. Quem estava ali na frente foi se queimando. Como temos de encarar isso? Primeiro, é inegável a evolução que aconteceu no Brasil nos últimos dez anos. Teve crescimento do emprego, do salário e do PIB, além de controle da inflação. Durante dez anos seguidos, o salário mínimo aumentou. Durante dez anos seguidos, as pessoas tiveram mais crédito, viraram consumidoras. Na campanha, Fernando Haddad dizia uma frase que eu achei genial.
Brasileiros – Qual?
Lula – Ele falava “da porta para dentro de suas casas as coisas melhoraram. Da porta para fora, as coisas não melhoraram”. É lógico que o povo tem razão de reclamar do transporte. E não é pelo preço não. É pela qualidade do transporte. Basta pegar um ônibus para sentir o problema. O metrô era chique em São Paulo, quando andava meio vazio. Agora, que entra três vezes mais gente do que cabe no vagão, acabou. À medida que a sociedade evolui, ela quer mais, exige mais. Então, nada de ficar nervoso ou irritado porque os movimentos estão acontecendo. Vamos agradecer que a sociedade está viva, querendo coisas. As pessoas podem querer mais ou querer menos, podem até querer exageros, mas isso é positivo.
Brasileiros – Como?
Lula – É bom para que se faça uma nova consertação no País, para que se façam novos acordos. As pessoas criticam a Copa do Mundo… Eu fico muito feliz que a Copa do Mundo venha para o Brasil. Fiquei felicíssimo com a vitória do Brasil contra a Espanha. Se as pessoas entendem que tem custo a mais, vamos explicar para as pessoas se não tem, se tem a mais ou a menos. Quem é responsável por fazer os estádios tem de explicar. Manda os empresários se explicarem, os governadores se explicarem por que custou 100, 200 ou 300. O governo federal está muito à vontade porque não tem dinheiro para estádio. Tem financiamento do BNDES, como qualquer outro financiamento. Quem toma o empréstimo tem de dar garantia e tem de pagar. O governo tem investimento para obra de infraestrutura, que é outra coisa. Precisa ser feito. Como diz o Andrés Sanchez, do Corinthians, o estádio é do Corinthians, não é da Copa. Se a Copa quiser utilizar, tudo bem. E, no caso das obras públicas, elas têm de ser feitas. No Brasil, todos nós sabemos que faltam coisas. Não precisa nem fazer manifestação. É só acompanhar as pesquisas de opinião pública. E todo mês os políticos têm pesquisa. Todo santo dia tem pesquisa mostrando o que está bom e o que não está bom na percepção do povo. Nisso não há nenhuma novidade. A novidade é que o povo resolveu dizer “olha, nós existimos”.
Brasileiros – Em discurso para líderes políticos e comunitários no Centro de Convenções da União Africana, o senhor considerou os protestos saudáveis para o País.
Lula – Considero saudável, primeiro, porque o povo está fazendo uma manifestação pacífica. Nas greves do passado, mesmo quando a gente pedia para os trabalhadores “olha, não queremos que vocês estourem pneus de ônibus”, sempre aparecia um engraçadinho para quebrar o vidro de um ônibus. Sempre aparecia um engraçadinho com um alicate para tirar a válvula e esvaziar o pneu. Eu dizia “não peçam para fazer piquete que eu não vou fazer”. Eles faziam e depredavam. É sempre assim. Separando isso, as manifestações são legítimas e devem ser encaradas como normais. Aliás, a Dilma tem tido um comportamento muito digno com relação a isso. Mas o mundo não sabe que a polícia é estadual, não é federal. No Brasil, você tem a educação básica, que é municipal e estadual. Há uma mistura. O mundo não sabe disso. Em dez anos, conseguimos mais do que dobrar o número de jovens na universidade. Em dez anos, nós fizemos mais do que foi feito desde 1920, quando foi criada a primeira universidade no Brasil. O ProUni foi uma revolução no ensino brasileiro. Colocou para estudar um milhão e 300 mil pessoas que não teriam condições de entrar para a faculdade se não fosse o programa.
Brasileiros – Ainda há muitas demandas.
Lula – As pessoas querem mais mesmo. É normal. Isso é até dentro da casa da gente. E, depois, tem também o jeito moderno de fazer política. Hoje, eu não preciso ir num comício. Não preciso ouvir um carro de som. Hoje, monta-se uma rede. O que o governo precisa fazer? Tem de se atualizar, ter política de informação por meio de rede também. É um debate cotidiano. Os partidos, os sindicatos têm de se modernizar. Tenho feito reunião com muita gente. Um pouco com a preocupação de compreender, mas também sem precisar compreender. Quando acontece um negócio desses, fica todo mundo querendo adivinhar o que está por trás. Eu me lembro que na greve de 1978 na Scania também havia a curiosidade de saber quem estava por trás … Eu nunca tinha ouvido falar no Almino Affonso (político que tinha chegado do exílio dois anos antes). Aí, diziam: “É o Almino Affonso que está fazendo a greve”.
Brasileiros – Desta vez o senhor ouviu o quê?
Lula – Ouvi gente chamar de fascista, de não sei das quantas. Vamos supor que nas manifestações tenha um cara de direita, outro de extrema esquerda, mas tem muita gente do povo, que está ali porque entende que também pode gritar.
Brasileiros – E o senhor também está tentando entender as novas mídias, não é verdade?
Lula – Mais do que entender, nós temos de nos preocupar e nos modernizar. O jeito de fazer política está mudando no mundo. Não é no Brasil. É no mundo. Hoje, as pessoas se comunicam sem pedir licença. Antigamente, na porta de uma empresa, eu tinha de conversar com o segurança para ver se deixavam entrar o carro de som. Hoje, milhares de jovens se comunicam, sentados no sofá (Lula começa a tamborilar na mesa o som de teclas), comendo batatinha. É um negócio fantástico. Onde isso vai parar no mundo eu não sei. O fato concreto é que a comunicação mudou. E nós temos de evoluir. De qualquer forma, sempre que a sociedade alerta é muito importante prestar atenção. A Dilma agiu rapidamente. No Brasil, o problema do transporte é crônico. Não é um problema de hoje.
Brasileiros – O que mudou?
Lula – A juventude tem outra linguagem hoje. Eu fui conversar com o companheiro Capilé (o produtor cultural Pablo Capilé, do Casa Fora do Eixo). Depois de meia hora de conversa, falei para o Capilé: “Vou ter de arrumar um tradutor para conversar com você”. A linguagem é nova, mas não temos de reclamar. Temos de trabalhar nesse mesmo campo. Estamos fazendo isso dentro do instituto (Instituto Lula). Como é que um partido do tamanho do PT não tem estrutura para conversar com essa meninada em tempo real? Não dá para conversar com essa juventude pelos jornais, pelas vias tradicionais. Tudo isso acabou. Eu vejo lá em casa. Meus filhos não veem televisão, não leem jornal. Eles passam o dia na internet. Tenho um neto de 16 anos que passa o dia conectado. Então, a palavra de ordem agora é: “Vamos nos conectar! Vou me conectar!”.
Brasileiros – Corrupção e reforma política.
Lula – Não sei se haverá grandes mudanças se a reforma política for feita pelos mesmos que hoje estão no Congresso. Quando eu estava na Presidência, cheguei a discutir com a minha equipe política sobre uma Constituinte soberana. Uma Constituinte só para fazer a reforma política. Mas não se consegue passar isso no Congresso. Muita gente prefere que fique do jeito que está. É preciso conhecer as perguntas que serão feitas no plebiscito para saber o que mudará de concreto. De qualquer forma, só o debate já é importante. O problema da corrupção também é crônico. Quanto mais se combater, mais ela vai aparecer. E tem duas formas de combater a corrupção.
Brasileiros – Quais?
Lula – Uma delas é alguém denunciar e você ir atrás do denunciado. Outra é ter mecanismos de investigação. Eu me sinto muito à vontade. Posso dizer que nunca antes na história do País um presidente criou tantos mecanismos para investigar como nós criamos. Nenhum país do mundo tem a transparência que o Brasil tem hoje. Se quiserem acompanhar os gastos do governo, as pessoas podem fazer isso pela internet.
Brasileiros – Como?
Lula – É só entrar no site do Ministério do Planejamento. Com a Lei da Transparência, as pessoas acompanham tudo o que quiserem. Em 2003, quando eu cheguei à Presidência, a Controladoria Geral da União era uma peça de ficção. Depois, virou um órgão de investigação. Grande parte das denúncias surge de nossa própria Controladoria. A Polícia Federal foi equipada e preparada para investigar. Ou se faz isso ou joga-se para baixo do tapete. Quando estava na Presidência, cansei de dizer: “Só tem um jeito de as pessoas não serem denunciadas. É serem decentes, honestas”. Se a pessoa roubar, um dia será descoberta. Quanto mais transparência houver, quanto mais debate a gente fizer, mais será importante. Às vezes, é cansativo. Às vezes, é desagradável. Não tem problema nenhum. O importante é que a gente está a caminho de construir uma nação muito forte democraticamente e mais consciente politicamente. Eu vejo muito os jovens. Muitas vezes, percebo que falta uma coordenação política melhor. Cansei de fazer discurso nesses últimos dez anos. Foi um ministro do Trabalho da direita, o Júlio Barata que disse: “O trabalhador que está satisfeito com o que tem, não merece o que tem”. Em minhas palestras, cansei de me dirigir ao jovem que protesta muito, que radicaliza muito. Na hora que o jovem estiver desanimado, na hora que ele achar que não tem nenhum político que preste no mundo, na hora que ele achar que todo mundo é ladrão, em vez de ficar desanimado, ele tem de entrar na política. O político perfeito que ele quer pode estar dentro dele.
Brasileiros – O senhor se enxerga nesses jovens?
Lula – Eu não sou mais jovem. Eu já me enxerguei nesse processo. Por isso, criei um partido político. Em 1978, quando o Geisel (o ex-presidente Ernesto Geisel) mandou para o Congresso Nacional uma lei criando as categorias essenciais, tentando proibir as categorias de fazer greve, eu fui conversar com os deputados. Quando cheguei lá, percebi: “Peraí, como é que eu quero que esses caras votem numa lei de interesse dos trabalhadores, se não tem trabalhador aqui?”. É assim. Prefiro que as pessoas descubram a necessidade de fazer política do que neguem a política. Não há exemplo na história de que a negação da política deu em coisa melhor. Sempre deu em coisa pior. Aí sim, pode-se fortalecer o fascismo, pode-se fortalecer coisas que não queremos. Precisamos fortalecer a política e a democracia. Quanto mais participação, melhor. Não vejo nenhum problema em o povo ir para a rua dizer o que quer. Na hora que ele disser uma coisa que não é correta, que se discuta com ele. O debate tem de ser livre. A democracia tem de ser respeitada. E vamos tocar o barco.
Brasileiros – O senhor falou em consertação. Até onde vai a sua consertação?
Lula – A minha não vai a lugar nenhum porque não sou prefeito, não sou deputado, não sou governador, não sou presidente da República. Estou fora da mesa de negociação. Não sou nem presidente do PT. Acho que a Dilma deu um passo importante. Ela conversou com amplos setores da sociedade. Conversou com os sindicatos, com os partidos, com os jovens, com o Movimento Passe Livre. E, como a Dilma é muito inteligente, ela certamente vai tomar as medidas que precisa tomar. Se algum jovem estiver fazendo uma coisa equivocada, é preciso debater com ele, mostrar que ele está equivocado. Se as pessoas querem o passe livre, é necessário dizer quem vai pagar. Alguém tem de pagar.
Brasileiros – A ex-prefeita de São Paulo Luiza Erundina tentou, mas não conseguiu.
Lula – A prefeitura não produz dinheiro, ela arrecada. É o seguinte: na hora de defender o passe livre, tem de dizer quem vai financiar. Quem vai assumir isso? Vai estatizar o transporte?
Brasileiros – Fala-se em sua volta. Onde o senhor vai estar em 2014?
Lula – Eu nem gosto de comentar esse assunto. Faz dois anos e meio que deixei a Presidência da República. Cumpri oito anos de Presidência. Se não fiz tudo, fiz muito do que achava que era preciso fazer. Temos de ter outras pessoas. A Dilma é uma excelente presidenta da República. Conheço muita gente neste País. Conheço muito político neste País. E conheço pouquíssimas pessoas com a competência da Dilma. Portanto, ela será minha candidata em 2014. E eu serei seu cabo eleitoral. É isso que vai acontecer.
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