Em conferência em Brasília nesta terça-feira (23), ex-presidente enaltece a “política” como única solução possível para a democracia, defende a agenda proposta pela presidenta Dilma e acusa a elite de exacerbar contra ela o preconceito histórico contra a mulher trabalhadora.
Rosa Lux
Ovacionado por uma plateia de cerca de 2 mil jovens, Lula defendeu a política como o único caminho possível para a democracia. “Eu nasci fazendo manifestações. Não me peçam para condená-las. Mas eu me preocupo quando essas manifestações começam a negar a política, porque a negação da política é a ditadura. Fora da política não há solução”, afirmou o ex-presidente, reforçando o conselho dado na semana passada aos estudantes da Universidade Federal do ABC, em Santo André (SP).
Convidado para debater as desigualdades de gênero e de raça, Lula falou sobre as conquistas das mulheres negras, latino-americanas e africanas nos últimos dez anos. Ressaltou o significado de se ter, hoje, três presidentas latino-americanas e duas africanas, além da presidenta da União Africana. Ele também associou o propósito do festival - que debate a realidade das mulheres latino-americanas, africanas e caribenhas – à política externa que iniciou no seu mandato, protagonizando a criação de organismos multilaterais com países pobres e emergentes.
Falou com especial carinho do incremento das relações bilaterais com países africanos. “Não foi por acaso que estive 33 vezes à África como presidente e outras 12 após o fim do meu mandato. (...) O Brasil tem uma dívida imensurável com aquele continente”, justificou. E, com orgulho, sobre a criação da Celac (Comunidade de Estados Latino-americanos e Caribenhos). “Pela primeira vez em 500 anos de história, todos os países da América Latina e Caribe se reuniram sem a presença dos Estados Unidos e do Canadá. A gente já tem idade para andar sozinho, para se reunir sem essa gente que agora fica ouvindo o que falamos no celular”, brincou.
Em relação ao Brasil, destacou a elevação da renda dos mais pobres em 66% nos últimos dez anos. “Alteramos a lógica que considerava os pobres um problema estatístico. Eles se transformaram na solução”. Destacou que, segundo o Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (IPEA), a renda média da população negra cresceu 45% no período, enquanto a da branca cresceu 21%. Como principais conquistas dessa população, elencou a edição da Lei Maria da Penha, o reconhecimento das terras quilombolas e o Estatuto da Igualdade Racial.
Preconceito
O ex-presidente, em contrapartida, foi bastante enfático ao afirmar que “ainda há um longo percurso pela frente”, quando o assunto é desigualdade de raça ou de gênero. Como exemplo, citou o que classifica como “forma desrespeitosa com que a elite vem tratando a presidenta Dilma”. “Eles estão com um preconceito com a Dilma maior do que tinham contra mim. Será por que ela é mulher? Será que eles têm esse mesmo preconceito com a mãe deles, com a mulher deles?”, provocou, arrancando mais aplausos da plateia de maioria feminina e negra.
Lula reafirmou que o governo Dilma é a continuidade do seu projeto popular e democrático, e defendeu a agenda proposta pela presidenta após o início das manifestações: reforma política, plebiscito e, com muita ênfase, a contratação de médicos estrangeiros. “Todo mundo sabe que é preciso melhorar a saúde no Brasil. E que, para diminuir os impostos dos ricos, a oposição tirou os R$ 350 bilhões que iriam para a saúde nos últimos dez anos, via CPMF. Mas o plano de saúde dos ricos é descontado no imposto de renda. Então, quem paga é o Brasil. E se nós pagamos a saúde dos ricos, temos que pelo menos melhorar a dos pobres”, provocou.
Ele também criticou a proposta de reforma ministerial apresentada pelo principal partido aliado do PT no governo, o PMDB, que propõe o corte de 14 das 39 pastas. “Fiquem espertos porque ninguém vai querer acabar com o Ministério da Fazenda, com o Ministério da Defesa. Vão tentar mexer é no Ministério da Igualdade Racial, no das Mulheres, no dos Direitos Humanos", advertiu.
Críticas à imprensa
O ex-presidente não prescindiu do seu velho hábito de criticar a imprensa convencional, embora não tenha se pronunciado especificamente sobre uma das mais recorrentes pautas da ruas: a democratização da mídia. Contou histórias de quando lançava projetos estratégicos para o país e, no dia seguinte, era ridicularizado pelos jornais. E observou que a mesma postura é usada contra a Dilma. “Eu vi o papa beijar a nossa Dilma nas duas bochechas e não vi isso em jornal nenhum. A gente não tem que ficar com raiva porque Deus estava vendo".
Também partiu para o constrangimento. Ressaltou que, de 1999 a 2009, o tempo médio de educação da mulher negra saltou de 5,6 para 7,8 anos, enquanto o da branca ainda era de 9,7 anos. “Quantas mulheres negras nós temos aqui fazendo esta cobertura? Espero que, daqui a alguns anos, o Prouni [o Programa Universidade para Todos, que financia bolsas de estudo para os mais pobres] possa mudar isso”, arrematou, dirigindo os olhos da plateia pra a tribuna de imprensa, majoritariamente branca.
Festival Latinidades
Na 6ª edição, o Festival Latinidades 2013 promove capacitação, afro-empreendedorismo, economia criativa e comunicação, no sentido de discutir e propor políticas públicas para mulheres negras, por meio de painéis, debates e mesas redondas. E oferece, ainda, ampla programação artística com shows, oficinas, exposições e lançamentos literários. Tal como o restante do evento, a conferência do ex-presidente Lula foi gratuita e aberta a qualquer interessado.
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