Do Correio do Brasil
Siemens enfrenta processo por cartel e presidente pode perder o emprego
Por Redação, com agências internacionais e BdF - de São Paulo e Berlim
O presidente-executivo da Siemens,
Peter Loescher, planeja, ainda que em vão, lutar por seu cargo na
reunião do conselho de supervisão na quarta-feira, publicou um jornal
nesta segunda, depois do grupo industrial alemão ter dito no fim de
semana que iria demiti-lo. A pressão sobre Loescher aumentou depois do
executivo ter repetidamente interpretado erroneamente o desenvolvimento
da demanda nos principais mercados do grupo. A gota d’água parece ter
vindo na semana passada, quando a Siemens cortou sua meta de margem de
lucro para 2014.
Citando fontes da empresa, o jornal alemão Süddeutsche Zeitung
afirmou que Loescher só estava disposto a renunciar se o presidente do
conselho Gerhard Cromme, que o contratou há seis anos, também deixasse o
cargo. Caso contrário, Loescher esperava reunir a necessária maioria de
dois terços para evitar ser demitido, embora fontes da diretoria tenham
dito ao jornal que ele não tinha nenhuma esperança de sucesso. Fontes
disseram que vice-presidente financeiro Joe Kaeser, que passou toda
carreira na Siemens, era o candidato mais provável para substituir
Loescher, numa troca bem vista pelos analistas.
Denúncias graves
Loescher enfrenta, além do declínio financeiro, a denúncia de que a
empresa que dirige participou de um pesado esquema de corrução durante
sucessivos governos do PSDB, em São Paulo, em cumplicidade com outras
empresas internacionais na formação de um cartel para se apoderar de
licitações públicas no Metrô e trens. Há provas de crime, mas pouco que
sabe sobre a investigação. Há 20 anos, desde o governo Mário Covas e
mantido pelos governos de José Serra e Geraldo Alckmin, o esquema
envolve volumosas cifras pagas em propinas por aproximadamente 11
transnacionais, além do desvio de dinheiro público das obras do Metrô e
da Companhia Paulista de Transportes Metropolitano (CPTM).
A Siemens, que também fazia parte do esquema, revelou que as empresas
venciam concorrências com preços superfaturados para a manutenção e a
aquisição de trens e para a realização das obras de expansão de linhas
férreas tanto da CPTM, quanto do Metrô. Segundo investigações concluídas
na Europa, a teia criminosa também vinculada a paraísos fiscais, teria
onerado minimamente, até o momento, 50 milhões de dólares dos cofres
públicos paulistas.
Ademais, informações recentes de um inquérito realizado na França
apontam que parte da verba movimentada nas fraudes seria para manter a
base sólida do esquema no Brasil, formada pelos governadores tucanos,
funcionários de alto escalão do governo, autoridades ligadas ao PSBD e
diversas empresas de fachada montadas para atuar na trama. Dessa forma, o
financiamento de campanhas eleitorais aos governadores do PSDB foi
constante desde o início da fraude na tentativa de manter a
homogeneidade do esquema ilícito.
– Não dá para manter uma armação dessas sem uma base, um alicerce que
garanta a continuação das falcatruas. Por isso José Serra e Alckmin,
que se alteram no poder nos últimos anos, estão intimamente bancados e
ligados a essa tramoia – acusa Simão Pedro, secretário municipal de
Serviços.
Um dos executivos da Siemens, que prestou depoimentos ao Ministério Público paulista, confirma as acusações de Simão.
– Durante muitos anos, a Siemens vem subordinando políticos, na sua
maioria do PSDB e diretores da CPTM – relata ao jornal semanal Brasil de Fato (BdF).
Agora, diante de provas contundentes, sobre o que seria um dos
maiores crimes de corrupção da história envolvendo o transporte público
no Brasil, políticos da oposição, autoridades no assunto e parte dos
próprios metroviários questionam no momento a forma como a justiça
brasileira vem tratando o caso. Para eles, o episódio ganhou apenas mais
um capítulo com a delação da Siemens ao Conselho Administrativo de
Defesa Econômica (CADE), pois a situação já é investigada e denunciada
com vigor desde 2008 por países europeus. Porém, no Brasil, algo parece
amarrar o andamento dos 15 processos abertos pelo Ministério Público, só
em São Paulo.
A transnacional francesa Alstom, a canadense Bombardier, a espanhola
CAF e a japonesa Mitsui são algumas das que fazem parte do esquema
delatado pela Siemens. Após ganhar uma licitação, essas empresas
geralmente subcontratavam uma outra para simular os serviços, e por meio
da mesma realizar o pagamento da propina.
Em 2002, no governo de Geraldo Alckmin, a alemã Siemens venceu a
disputa para manutenção preventiva de trens da CPTM. Para isso,
subcontratou à época a MGE Transportes. A Siemens teria pagado a MGE R$
2,8 milhões em quatro anos. Desse montante, ao menos R$ 2,1 milhões
foram distribuídos a políticos do PSDB e diretores da CPTM.
Diversos nomes foram citados na delação da transnacional alemã que
fariam parte da lista de pagamento de propinas das diversas empresas de
fachada. São eles: Carlos Freyze David e Décio Tambelli, respectivamente
ex-presidente e ex-diretor do Metrô de São Paulo; Luiz Lavorente,
ex-diretor de Operações da CPTM; além de Nelson Scaglioni, ex-gerente de
manutenção do Metrô paulista. Scaglioni, por exemplo, seria o
responsável por controlar “várias licitações como os lucrativos
contratos de reforma dos motores de tração do metrô, em que a MGE teria
total controle” diz trecho do documento da delação.
No mais, outro ponto do depoimento do executivo da Siemens que vazou à
imprensa cita Lavorente como o responsável por receber o dinheiro da
propina e fazer o repasse aos políticos do PSDB e partidos aliados.
Silêncio no Tribunal
Se as provas estão às claras, a pergunta que paira no ar é por que a
justiça brasileira, sendo previamente avisada por órgãos da justiça
internacional europeia sobre casos parecidos que pipocavam, em outros
lugares do mundo, envolvendo a Alstom, por exemplo, não tomou as devidas
providências e permitiu que novos contratos fossem realizados com o
governo paulista.
Em 2010, dois anos após as investigações terem se iniciado também no
Brasil, José Serra estabeleceu um contrato de R$ 800 milhões com a
Alstom para supostamente resolver o problema da superlotação dos trens
do metrô. A alternativa era aumentar a malha ferroviária e modernizar o
sistema do metrô nas linhas 1, 2 e 3.
Uma das exigências da Alstom, entretanto, era que os trens da
composição fossem reformados pela mesma para que se adequassem ao novo
sistema. “O orçamento apresentado pela transnacional francesa ficou mais
caro do que se fossem comprar novos trens, mesmo assim Alckmin aceitou e
bancou”, diz Paulo Pasim, secretário-geral do Sindicato dos
Metroviários de São Paulo.
Com o término da implantação do sistema previsto para 2011, até o
momento a empresa não viabilizou o prometido. “A Alstom não tinha as
mínimas condições técnicas para realizar o projeto e ganhar a licitação,
tanto é que estamos em 2013 e a empresa não conseguiu fazer o que foi
prometido”, afirma Pasim.
Diante dos fatos, a reportagem do Brasil de Fato tentou contato com
diversos promotores de Justiça para apurar sobre o andamento das
investigações já instauradas contra a Alstom. O responsável pela
investigação sobre a empresa francesa, o promotor Silvio Marques do
Ministério Público Estadual, não quis prestar declarações.
Outros dois promotores foram procurados pela reportagem, Marcelo
Mendroni, que investiga as irregularidades da linha 5 do Metrô, e
Roberto Bordini. Ambos também preferiram não comentar sobre o assunto.
Por fim, o promotor Saad Mazum, que investiga a improbidade
administrativa do caso não foi encontrado até o fechamento da edição do BdF.
– O único lugar que o processo de investigação não foi levado adiante
foi no Brasil. Nos outros países o desfecho foi mais rápido – lamenta
Pasim. Na Inglaterra, França e Suíça, as investigações concluíram que a
Alstom realizava pagamento de propina para ganhar licitações.
Também foi confirmado que os executivos da transnacional francesa
estavam envolvidos em lavagem de dinheiro e fraude na contabilidade da
empresa. O deputado federal Ivan Valente (PSOL) também reclama da demora
e do silêncio da justiça brasileira frente aos crimes. Ele aponta que
desde 2009 vem realizando uma série de denúncias contra as relações de
irregularidades envolvendo o PSDB, a Alstom e a Siemens em licitações de
obras públicas.
– Até agora esperamos resposta do promotor do processo Silvio Marques, mas sem sucesso – reclama.
Para Valente, é necessário, diante dessas novas denúncias, cobrar com
rigor a Justiça para que todos os envolvidos sejam punidos
verdadeiramente.
– Não cabe ao Cade ou ao Ministério Público conceder delação premiada
a Siemens ou fazer acordo e aplicar multa às transnacionais envolvidas
num caso de corrupção milionário como esse. Todos têm que pagar,
inclusive Serra e Alckmin – cobra.
Siemens delatou
Ao expor à Justiça os detalhes do cartel formado por diversas
transnacionais para avançar sobre licitações públicas envolvendo o metrô
de São Paulo e os trens da Companhia Paulista de Transportes
Metropolitano (CPTM), a alemã Siemens ficará livre de possíveis
processos referentes ao caso.
Para o deputado federal Ivan Valente, não resta dúvida de que a
Siemens agiu muito mais em busca de uma situação favorável a ela do que
por um sentimento de honestidade ou arrependimento por fazer parte das
irregularidades.
– A atitude da Siemens é a tentativa de limpar a barra dela
caso a situação viesse a público de outra forma, ainda mais nesse clima
anticorrupção que vivemos nas ruas – imagina o deputado.
Ademais, a Siemens teria a intenção de formar um clima favorável para
ganhar futuras licitações públicas no âmbito do transporte público na
esteira dos grandes eventos esportivos, Copa do Mundo e Olimpíadas. Não
por acaso, as empresas denunciadas pela Siemens: Alstom, Bombardier, CAF
e a Mitsu apresentaram projeto para as obras do trem-bala entre São
Paulo e Rio de Janeiro, que será licitado em agosto.
– Por isso, de olho nos diversos negócios futuros no Brasil, a Siemens não queria se comprometer – conclui Valente.
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