UM POUCO MAIS SOBRE OS MÉDICOS CUBANOS
Parece que o último argumento contra a contratação dos médicos cubanos é a remuneração que vão receber. Pois é ridículo, quando prevalecem fatos, indicadores internacionais e números, falar mal do sistema de saúde e da qualidade dos médicos de Cuba. A revalidação de diploma também não é argumento, pois os médicos estrangeiros trabalharão em atividades definidas e por tempo determinado, nos termos do programa do governo federal. Não tem o menor sentido, também, dizer que os cubanos não se entenderão com os brasileiros por causa da língua – primeiro, porque vários deles falam o português e o portunhol, segundo porque os médicos cubanos estão acostumados a trabalhar em países em que a lingua falada é o inglês, o francês, o português e dialetos africanos, e nunca isso foi entrave.
Resta, assim, a forma de 
contratação e, mais uma vez sem medo do ridículo, falam até de trabalho 
escravo. Essa restrição também não tem procedência, nem por argumentos 
morais ou éticos (e em boa parte hipócritas), nem com base na legislação
 brasileira e internacional. Vamos a duas situações hipotéticas, embora 
ocorram rotineiramente.
1 – Uma empreiteira brasileira é 
contratada por um governo de país europeu para uma obra. Essa 
empreiteira vai receber euros por esse trabalho e levar àquele país, por
 tempo determinado, alguns engenheiros, geólogos, operários 
especializados e funcionários administrativos, todos eles empregados na 
empreiteira no Brasil. Encerrado o contrato no país europeu, todos 
voltarão ao Brasil com seus empregos assegurados. Quem vai definir a 
remuneração desses empregados da empreiteira e pagá-los, ela ou o 
governo do país europeu? É óbvio que é a empreiteira.
2 – Os governos do Brasil e de um 
país africano assinam um acordo para que uma empresa estatal brasileira 
envie profissionais de seu quadro àquele país para dar assistência 
técnica a pequenos agricultores. O governo brasileiro será remunerado em
 dólares pelo governo africano. A estatal brasileira designará alguns de
 seus funcionários para residir e trabalhar temporariamente no país 
africano. Quem vai definir a remuneração dos servidores da empresa 
estatal brasileira e lhes fará o pagamento, a estatal brasileira ou o 
governo do país africano? É óbvio que é a empresa estatal brasileira.
Por que, então, tem de ser 
diferente com os médicos cubanos? Eles não estão vindo para o Brasil 
como pessoas físicas, nem estão desempregados. São servidores públicos 
do governo de Cuba, trabalham para o Estado e por ele são remunerados. 
Quando termina a missão no Brasil (ou em qualquer outros dos mais de 60 
países em que trabalham), voltam para Cuba e para seus empregos 
públicos.
Não teria o menor sentido, assim, 
que esses médicos, formados em Cuba e servidores públicos cubanos, 
fossem cedidos pelo governo de Cuba para trabalhar no Brasil como se 
fossem pessoas físicas sendo contratadas. Para isso, eles teriam de 
deixar seus postos no governo de Cuba. Como não faria sentido que os 
empregados da empreiteira contratada na Europa ou da estatal contratada 
na África assinassem contratos e fossem remunerados diretamente pelos 
governos desses países.  Trata-se de uma prestação de serviços por parte
 de Cuba, feita, como é natural, por profissionais dos quadros de saúde 
daquele país.
A outra crítica é quanto à 
remuneração dos médicos cubanos. Embora menor do que a que receberão os 
brasileiros e estrangeiros contratados como pessoas físicas, está dentro
 dos padrões de Cuba e não discrepa substancialmente do que recebem seus
 colegas que trabalham no arquipélago. É mais, mas não muito mais. Não 
tem o menor sentido, na realidade cubana, que um médico de seus serviços
 de saúde, trabalhando em outro país, receba R$ 10 mil mensais. E, 
embora os críticos não aceitem, há em Cuba uma clara aceitação, pela 
população, de que os recursos obtidos pela exportação de bens e serviços
 (entre os quais o turismo e os serviços de educação e saúde) sejam 
revertidos a todos, e não a uma minoria. O que Cuba ganha com suas 
exportações de bens e serviços, depois de pagar aos trabalhadores 
envolvidos, não vai para pessoas físicas, vai para o Estado.  
A possibilidade de ganhar bem mais
 é que faz com que alguns médicos cubanos prefiram deixar Cuba e 
trabalhar em outros países como pessoas físicas. É normal que isso 
aconteça, em Cuba ou em qualquer país (não estamos recebendo portugueses
 e espanhóis?) e em qualquer atividade (quantos latino-americanos buscam
 emigrar para países mais desenvolvidos?). Como é normal que muitos dos 
médicos cubanos aprovem o sistema socialista em que vivem e se disponham
 a cumprir as “missões internacionalistas” em qualquer parte do mundo, 
independentemente de qual é o salário. Para eles, a medicina se 
caracteriza pelo humanismo e pela solidariedade, e não pelo lucro.
É difícil entender isso pelos que 
aceitam passivamente, aprovam ou se beneficiam da privatização e da 
mercantilização da medicina e da assistência à saúde no Brasil. 
Nenhum comentário:
Postar um comentário