Da série “O que diz Israel, quando
fala prô seu próprio público”
30/8/2013, [*] Conflicts Forum, “Comentário semanal”
[excerto]
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
O Secretário de Estado John Kerry, à esquerda, e o Primeiro-Ministro israelense, Benjamin Netanyahu, antes de sua reunião de 23 de maio de 2013, em Jerusalém, Israel. Foto Uriel Sinai |
O
evento mais significativo dessa semana foi, talvez, a publicação de um artigo em
Israel. Foi escrito pelo principal analista militar israelense, Alex Fishman, e
publicado em hebraico no jornal Yedioth Ahronoth no domingo. Foi atentamente lido na região e nos EUA,
sobretudo porque Fishman, muito respeitado, é o veterano correspondente militar
desse jornal de grande circulação em Israel, conhecido pela qualidade de suas
fontes.
Fishman
diz, sem meias palavras, que Israel entrou numa situação de “emergência
diplomática”: do primeiro-ministro para baixo, Israel combate “batalha
diplomática desesperada” em Washington para desconstruir o antagonismo dos EUA
contra Sisi e “os generais”. Essa caracterização de quase pânico, vinda de
Fishman, não é metáfora nem “licença poética”.
Vê-se, de outras matérias na
imprensa israelense, que embaixadores israelenses em pontos chaves já foram
instruídos, com mensagens claras de que a situação no Egito pode ter “agudo”
[orig. dire] impacto em Israel.
A mensagem oficial alerta que Israel,
portanto, não pode manter-se omissa, em momento em que a fragilidade do governo
egípcio e a deterioração da economia exigem que o exército seja autorizado a
restaurar a segurança no Egito [i.e., que Europa e EUA devem ajudar o exército
nesse papel].
Alex Fishman |
Fishman
alerta que a reação antagonista dos EUA contra o golpe militar acabará por
explodir sobre Israel. O modo incompetente como os EUA lidaram com a situação,
diz Fishman, inflamou os dois lados na arena egípcia, gerando desejo vicioso de
“ferir qualquer coisa que simbolize os EUA – o que inclui Israel”. A oposição
liberal/secular, diz ele, já reúne assinaturas insistindo em que o Egito
abandone os acordos de Camp David.
Simultaneamente,
Fishman sugere, o Egito aproxima-se – ou, como ele especula, talvez até já tenha
ultrapassado – seu próprio “momento Síria” [o momento no qual protestos
inicialmente administráveis converteram-se em conflito armado]. “Ninguém está
falando sobre uma guerra civil no Egito. Os ganhos obtidos pelo exército egípcio
contra a Fraternidade Muçulmana foram apenas táticos. Nenhum lado obteve vitória
decisiva e hoje mal se seguram em suas posições”.
“A
previsão em Israel” – escreve Fishman – “é que o Egito está entrando em longo
conflito interno de baixa intensidade (tumultos, terrorismo) que anuncia período
de instabilidade continuada, durante o qual será impossível administrar
adequadamente o país, não haverá investimentos externos e a indústria do turismo
permanecerá paralisada. O resultado disso será uma situação de declínio
econômico que piorará gradualmente, e o Egito ficará dependente do bolso dos
regimes na Arábia Saudita e estados do Golfo Pérsico. Alimentar 85 milhões de
bocas com doações por muito tempo não é solução que reabilite a economia egípcia
e dê solidez ao atual regime”.
Num
segundo artigo, publicado dia 20 de agosto, sob o título “Eventualmente seremos
engolidos”, Fishman associa especificamente o “massacre de 25 soldados das
forças especiais do Egito, na véspera”, à decisão do Exército Egípcio de retirar
suas forças especiais antiterrorismo do Sinai – temendo a possibilidade de um
ataque no Canal de Suez. As Forças Especiais foram re-deslocadas para Port Said.
Mais
uma vez, Fishman lamenta o vácuo de segurança criado no Sinai, que foi
imediatamente preenchido por jihadistas. A menos que o comando egípcio
consiga conter rapidamente a situação, ele prevê que “o fogo se espalhará – não
só na direção do que resta do Exército Egípcio no Sinai – mas também em direção
da fronteira com Israel”.
Ephraim Halevy |
Outra
publicação importante essa semana em Israel foi uma entrevista com Ephraim
Halevy, ex-diretor do Mossad, por Yossi Melman, publicada em Sof
Hashavua. Ecoa o tema de Fishman, de que se está abrindo uma ravina entre
EUA e Israel: Dessa vez não é o Egito; diz respeito à possibilidade de uma
implosão da credibilidade de Israel nos EUA, mas tem a ver com o Irã.
Halevy,
ex-diretor do Mossad e ex-Conselheiro de Segurança Nacional, aponta abertamente
as contradições da política de Israel para o Irã: de um lado, Israel diz que as
sanções não estão funcionando; mas insiste em mais sanções (enquanto os EUA
supõem que as sanções ajudaram a modelar a agenda de Rowhani, como Halevy
destaca).
De modo semelhante, Israel diz agora que o presidente iraniano, que
obteve mais de 50% dos votos, não importa, e que só o Supremo Líder fala na
questão nuclear [posição contrária à de antes, quando Israel pintava o
presidente Ahmadinejad como causa de todos os problemas].
Hassan Rouhani |
“Mas”,
pergunta Halevy, se Rouhani “é tão pouco importante”, como se diz agora em
Israel, por que Israel tanto se empenha em demonizá-lo como “lobo em pele de
cordeiro”? Na opinião de Halevy, ao adotar essa abordagem Israel se torna
redundante nas negociações entre o Irã e o ocidente: “Israel basicamente diz,
desde o início, que as negociações não são importantes e que os iranianos, não
importa o que aconteça, não desistirão do programa nuclear, porque o programa
nuclear sempre esteve nos interesses nacionais do Irã – já no tempo do Xá – e,
portanto, não faz diferença quem esteja no poder em Teerã”. E continua:
“Portanto, negociações não fazem sentido, porque fracassarão sempre”. Halevy diz
aqui, porém, que não é o que pensam os EUA – que não faz sentido negociar com
Rouhani. E que Israel corre o risco de divergir e “perder os EUA nessa questão”:
“Interessaria a Israel expor, nesse estágio inicial, antes mesmo do início de
qualquer negociação, que há divergência entre nós e os EUA nosso aliado?” –
pergunta Halevy, só retoricamente.
Os
dois artigos, duas manifestações de preocupação que se constata entre os
israelenses, parecem relacionados a um certo ressentimento muito visível na
imprensa em hebraico.
O primeiro sinal de apreensão e ansiedade surgiu da
declarada intenção da União Europeia de formalizar decisões anteriores sobre
comércio com os Territórios Ocupados da Palestina.
Benjamin Netanyahu |
A imprensa israelense sugere
que Netanyahu preocupa-se menos com a des-legitimação em si, que não ferirá
tanto Israel, e, mais, porque qualquer deslegitimação enfraquecerá a posição de
Netanyahu para mobilizar a União Europeia e os EUA em sua “cruzada” a favor de
ação militar contra o Irã.
Outros
israelenses têm preocupação diferente: o chamado “processo de paz” visava
precisamente a “vacinar” Israel contra movimentos do tipo
“Boicote-Desinvestimento-Sanções” (BDS) (com o “processo” apresentado como
sacrossanto). Mas ali estava a União Europeia a agir na direção oposta, e no
mesmo momento em que Kerry lançava sua iniciativa. O episódio parece sugerir,
segundo outros israelenses, que o sistema imunológico israelense estaria
enfraquecendo – e que já não estava operando com a eficácia de antes. E esse, de
fato, é o tema, também, de Halevy.
Vários
jornais israelenses têm sugerido que o principal objetivo de Netanyahu – talvez
o único – para engajar-se no “processo de paz” de Kerry é, precisamente,
fortalecer a posição de Israel, para influir mais decisivamente no lobby
contra o Irã – especialmente durante a fase de “pato manco” de Obama, depois das
eleições de meio de mandato de senadores e deputados, quando Netanyahu pode
girar o “porrete” de um “ataque israelense independente” com um pouco mais de
credibilidade operacional.
Jeffrey Goldberg |
Mas
Halevy diz que isso tampouco funcionará – pressupor, simploriamente, que
bastaria Israel engajar-se num ‘'processo de paz'’, para adquirir legitimidade
‘'imediata'’ para ameaçar o Irã –, sobretudo porque os EUA, hoje, estão pensando
de outro modo. A velha (inconsistente) retórica já não basta.
Na entrevista que Kerry deu a Jeffrey
Goldberg, Kerry absolutamente não confirmou a eficácia da
estratégia de “processo de paz” de Netanyahu. Em vez de o “processo” valer a
Israel alguma recompensa e “licença” mais ampla, Kerry disse o contrário – que
se Israel não se entender com os palestinos terá de enfrentar a deslegitimação –
e ainda acrescentou, para enfatizar, “deslegitimação reforçada com esteroides”.
John Kerry |
O
que mais chocou o comentarista israelense é que Kerry omitiu todos os
comentários considerados obrigatórios sobre os EUA manterem-se fiéis aos
compromissos assumidos com a segurança de Israel etc., etc.. Em resumo, Fishman
fez, sutilmente, soar o alarme: a maioria dos israelenses pode estar maravilhada
com a ascensão ao poder no Egito do “machado matador de Irmãos” (o general
Sisi). Mas ninguém pode esquecer o quanto os amigos de Israel (Arábia Saudita,
Egito e Jordânia) estão fragilizados nesse momento. E amigos fragilizados são
amigos que rapidamente se tornam pouco confiáveis e até infiéis – sobretudo
contra Israel – e num momento em que também se abrem ravinas profundas a separar
aqueles mesmos amigos e os EUA.
Kerry
e a União Europeia parecem estar dizendo, isso sim, que Israel não pode
continuar a contar com favores especiais – simplesmente por aceitar participar
do “processo”. Alguma coisa está mudando.
[*] Conflicts Forum visa mudar a opinião ocidental em direção a uma
compreensão mais profunda, menos rígida, linear e compartimentada do Islã e do
Oriente Médio. Faz isso por olhar para as causas por trás narrativas
contrastantes: observando como as estruturas de linguagem e interpretações que
são projetadas para eventos de um modelo de expectativas anteriores
discretamente determinam a forma como pensamos - atravessando as pré-suposições,
premissas ocultas e até mesmo metafísicas enterradas que se escondem por trás de
certas narrativas, desafiando interpretações ocidentais de “extremismo” e as
políticas resultantes; e por trabalhar com grupos políticos, movimentos e
estados para abrir um novo pensamento sobre os potenciais políticos no
mundo.
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