quarta-feira, 25 de setembro de 2013

Samuel Klein e a criação das Casas Bahia 25/09/2013

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Samuel Klein
É do código genético deste polonês desembarcado no Brasil aos 30 anos de idade que saiu o DNA capaz de assegurar aos Klein não só um patrimônio bilionário mas a condição de inigualáveis na arte de fazer negócios no varejo
Houvesse uma variação de método na escolha de cada colocado neste ranking, aqui se veria um dos casos cuja posição poderia inspirar não um nome, mas uma família. Ou uma empresa. A retumbante história de sucesso da gigante do varejo Casas Bahia, a especial qualidade da sucessão familiar e profissional nos negócios do clã dos Klein e a soma de virtudes que compõem o universo do criador, da criatura e de seus herdeiros justificariam a heresia proposta. Mas, por mais sedutora que seja a ideia de o todo representar a parte, por mais poderoso e reconhecido que seja o primogênito Michael Klein, e por maior que seja a mudança na composição acionária da empresa fundada pelo patriarca e hoje controlada pelo Grupo Pão de Açúcar, Samuel Klein ainda é o cara.  

  

É do código genético deste polonês desembarcado no Brasil aos 30 anos de idade que saiu o DNA capaz de assegurar aos Klein não só um patrimônio bilionário mas a condição de inigualáveis na arte de fazer negócios no varejo. Com esta arte Samuel construiu os alicerces de uma história que se tornou um dos mais bem acabados exemplos da mobilidade social de que o Brasil foi capaz de produzir. Ele, afinal, saiu do mascate à montagem de um império, um gigantesco salto rumo à eternidade das finanças, com a construção de um império cujo faturamento ultrapassa os R$ 12 bilhões anuais. Melhor: um dos homens mais ricos do País é também um bilionário de gestos e hábitos simples, por mais fantasioso que isso pareça.  

Sobrevivente do holocausto 

Mas nem só de superlativos e adjetivos forja-se um mito do empreendedorismo. A trajetória de Samuel Klein exibe uma pletora de substantivos. São gestos, feitos, fatos, voltas e reviravoltas com características de uma ficção. Terceiro de nove irmãos, filho de carpinteiro de família judaica, ele nasceu em Lublin, na Polônia. Aos 19 anos, foi preso pelos nazistas e mandado com o pai para o campo de concentração de Maidane. Sua mãe e cinco irmãos mais novos foram parar em um campo de extermínio, Treblinka, e Samuel nunca mais os viu. Eis a diferença que, no Holocausto, demarcava os tênues caminhos entre a vida e a morte: Samuel era jovem e forte, e isso fez com que os nazistas o mandassem para um campo de trabalhos forçados.  

Com o ofício que aprendera com o pai, conseguiu ultrapassar a primeira fase do inferno: sobreviver. A segunda fase, em 1944, elevou-o ao purgatório. Aproveitando-se de uma distração dos guardas, Samuel sumiu no mato. Fugiu e se escondeu ainda na Polônia até acabar a guerra, no ano seguinte. Com o fim do conflito, viajou a Munique, na Alemanha, com a irmã Sezia e o irmão Salomon, em busca do pai. Conseguiram reencontrá-lo vivo. Viveram em Munique de 1946 a 1951. Samuel ganhou a vida vendendo produtos para as tropas aliadas. Juntou algum dinheiro e casou-se com uma jovem alemã, Ana (ou, no alemão, Chana). Em 1951, decidiu dar uma nova guinada. Resolveu aventurar-se na América do Sul. Errou na primeira escolha – a Bolívia, para onde decidira ir, encontrava-se em plena guerra civil. Acertou no ano seguinte, quando aportou no Brasil, onde alcançaria o que se pode definir como algo próximo ao paraíso.  

Mascate com crediário 

Samuel, a mulher e o primeiro filho do casal – Michael, então com um ano de idade – instaram-se na pequena São Caetano do Sul, na região do ABC paulista. Comprou uma casa e uma charrete com as economias que tinha. E, com a ajuda de um conhecido que transitava bem pelo comércio do Bom Retiro – reduto dos imigrantes judeus e árabes –, comprou uma carteira de 200 clientes e mercadorias. De porta em porta, começou a mascatear pelas ruas de São Caetano do Sul, vendendo roupas de cama, mesa e banho. Criativo e incansável, não raro se deparava com alguém que dizia não ter condições de pagar pelo produto. A saída era engenhosa para aqueles tempos quase feudais na região: ficar com o produto e pagar em prestações. No crediário. Concebia-se ali a fórmula que sublinharia a notável ascensão de Samuel e seus negócios.   

“O segredo é comprar bem comprado e vender bem vendido”


Apenas cinco anos depois de iniciar o mascate, Samuel compraria, em 1957, sua primeira loja, no centro da cidade. Batizou-a de “Casa Bahia”. O nome vinha da homenagem aos imigrantes nordestinos que haviam se deslocado para a região em busca de trabalho na indústria automobilística e formavam a principal carteira de clientes. Nas palavras que passou a repetir nas décadas seguintes, a missão que tomou para si naquela época foi realizar sonhos de quem acha que nem deve sonhar. Mesmo que, sob esse altruísmo edificante, encontre-se a meta implacável de todo negociante, parece difícil achar alguém que desabone tal propósito. Um de seus méritos foi perceber que existia uma fatia importante de brasileiros que desejava consumir, mas não conseguia porque não poupava. Samuel flexibilizou a concessão de crédito e ofereceu o pagamento em parcelas que cabia no bolso de um público ignorado pelo varejo.  

A máxima nasceu ali, nos anos 50, e vigeu por mais de meio século – até hoje. Como se sabe, muitas empresas de varejo se especializaram em viabilizar financeiramente os desejos de consumo das classes C, D e E, as mais populosas do Brasil. Mas nenhuma atuou com tamanho nível de ousadia como a rede de Samuel Klein. Enquanto os antigos concorrentes fracassaram, ele fez sucesso. Antigas cadeias, como Mesbla, Mappin e Coroa Brastel, investiam em lojas sofisticadas, Klein montava pontos de venda despojados de luxo. Aquelas ofereciam enorme variedade de produtos, com ênfase nos top de linha. Nas Casas Bahia, sempre imperaram as mercadorias simples, familiares a seu tipo de público. Os celulares, por exemplo, só entraram nas gôndolas das suas lojas em 1999, quando os preços se tornaram mais acessíveis. A simplicidade das instalações de suas lojas e a porta escancarada para a periferia deram o tom das Casas Bahia, enquanto os concorrentes perseguiam os clientes endinheirados. E o risco de inadimplência? Uma bobagem, como ensina a filosofia de Samuel Klein: “A riqueza do pobre é o nome”, informa uma de suas máximas.  

Simplicidade até certo ponto 

Foi assim que, da abertura da primeira loja para cá, diversas meias verdades se estabeleceram ao redor do mito com o mesmo vigor de suas máximas e de seus pré-requisitos para o sucesso. Uma delas era de que o segredo do negócio da rede Casas Bahia sempre foi a intuição e o carisma de seu fundador. Mais ou menos. Antes de tudo, os atributos de Samuel Klein constituíam a matéria-prima para um modelo de gestão razoavelmente sofisticado, sustentado por três pilares: enorme poder de compra, gestão financeira impecável e publicidade massiva e permanente.  

Frases curtas e certeiras, emitidas de maneira simples pelo dono, garantiam a condição singular do que hoje costuma ser acompanhado por rapapés estilísticos repetidos à exaustão pelos especialistas em varejo ou de qualquer outro setor do mundo corporativo. Nada de “otimizar o relacionamento junto à cadeia de fornecedores” ou “desenvolver uma proposta de valor que encante o cliente” – lugares comuns que hoje enxaguam as cartilhas. Samuel Klein sempre deu lições mais autênticas, verdadeiras e eficazes: “O segredo é comprar bem comprado e vender bem vendido”, repetia, demonstrando uma variação de uma de suas leis mais famosas: “Compro por 100 e vendo por 200”.  

“Comprar bem comprado”, para bom entendedor, significa um eufemismo para arrocho na negociação com fornecedores. Primeiro Samuel, depois seus filhos Michael e Saul, ou o neto Raphael, sabiam que grande parte da vantagem competitiva de uma grande rede do varejo era ancorar-se nos enormes volumes comprados e nos descontos decorrentes conseguidos com os fornecedores. Foi assim tanto nos Estados Unidos, com o exemplo do Wal-Mart de Sam Walton, quanto no Brasil das Casas Bahia e do Pão de Açúcar.  

A estratégia exibia requintes duríssimos. Muitas negociações ocorriam invariavelmente no fim do mês, quando a indústria precisa cumprir metas de vendas e se desfazer dos estoques. Pressionados, os fornecedores ofereciam grandes descontos. Outras vezes, as Casas Bahia ajudaram uma indústria a vender o incômodo estoque que abarrotava seus almoxarifados. “Damos com uma mão, tiramos com outra”, explicou Michael certa vez. Houve ocasiões em que os Klein anteciparam dinheiro para que o fornecedor pudesse colocar a fábrica em funcionamento – ocorreu com a Gradiente em momento de grave crise.  

Sucessão e profissionalismo, fusão e arrependimento  

Samuel Klein soube preparar com antecedência e sabedoria a sucessão na empresa. Herdeiro de um mito, Michael soube fazer o império crescer. Juntamente com o irmão, Saul, de um toque de modernidade ao jeitão popular da rede: passou a investir em publicidade e na expansão da empresa. Seguia uma das máximas do pai, a de que o importante é trazer o cliente para a loja e fazê-lo comprar. Daí porque ninguém investiu tanto em publicidade quanto as Casas Bahia investiram nos últimos 10 anos – deixando Unilever, Nestlé, Coca-Cola e General Motors para trás.  

“Quem tem sócio tem patrão”


Quando a empresa atingiu um faturamento de R$ 14 bilhões, o jogo mudou de patamar. A partir daí era necessário obter mais investimentos para ficar no nível dos grandes. Até então vista por muitos como uma caixa-preta, a empresa parecia ser gerida com a informalidade de uma padaria. A trilha escolhida foi vender 53% das Casas Bahia para Abilio Diniz, então no comando do Grupo Pão de Açúcar. Com o poder nas mãos de Michael desde 2009, coube a ele liderar, no ano seguinte, a fusão das Casas Bahia com o Ponto Frio. Havia dois desafios para o filho mais velho de Samuel: transformar a cultura do Ponto Frio e mudar a cultura da Casas Bahia, a fim de adequá-la às características de uma empresa de capital aberto.  

A família Klein não tardaria a se arrepender do negócio. E não foi tanto porque o império construído por eles tinha virado num estalar de dedos, uma empresa de capital aberto – de pouca transparência financeira teria de se adaptar a um novo cenário de cobranças, prestando contas não apenas às famílias controladoras mas também a um conselho administrativo e a milhares de acionistas. Antes cortejado por Abilio Diniz, Michael Klein logo se viu jogado para escanteio – ou pelo assim o cabeça do Grupo Pão de Açúcar demonstrava. Abilio estava amparado no contrato assinado à pressas no fim de 2009, nada favorável à família Klein.  

Em poucos meses de sociedade, Michael enxergou em si um colorido especial a um velho ditado – mais um deles – do pai: “Quem tem sócio tem patrão”. Ele se enfezou. Foi atrás de advogados e reviu uma série de termos do contrato que assinara. Saiu por cima, com direito a presidir o conselho de administração por seis anos e, nesse período, indicar o CEO da empresa – seu filho Raphael, que durante muito tempo fora o diretor de marketing da Casas Bahia, o nome por trás das eloquentes cifras publicitárias.  


Símbolo da família 

Sim, mesmo com tantos nomes, Samuel Klein ainda é o cara. Mesmo às vésperas de completar 90 anos de idade, comemorados no dia 15 de novembro. Mesmo que há mais de uma década tenha saído da comissão de frente da gestão do império que criou. Mesmo depois de anunciar a distribuição de suas ações da Viavarejo, holding que administra Nova Pontocom, Ponto Frio e Casas Bahia. O fundador da Casas Bahia distribuiu todas as suas ações para filhos e netos.  

Apesar da reestruturação, as fatias distribuídas em empresas que concentram os negócios da família continuam a somar 47% do capital da Viavarejo. O Grupo Pão de Açúcar, hoje nas mãos dos franceses do grupo Casino, detém 52% do capital social da empresa. O resto está em circulação no mercado. Mesmo com a saída de Abilio Diniz do comando do Grupo Pão de Açúcar, a família Klein mantém intenção de vender parte de suas ações. O gesto destoa dos gestos exibidos pela família até então – os Klein chegaram a conversar com os franceses do Casino para comprar parte que hoje está sob controle do Grupo Pão de Açúcar e, assim, voltar a ter poder de decisão e influência na empresa.

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