sexta-feira, 4 de outubro de 2013

Amarildo: a morte pelas tropas da elite 04/10/2013


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3 de outubro de 2013 | 17:10
Esclarecido, e com detalhes, o assassinato do pedreiro Amarildo de Souza, brutalmente torturado numa -as aspas são indispensáveis – “Unidade de Polícia Pacificadora”, seria um primarismo imperdoável culpar apenas aqueles dez policiais militares.
Estes dez são culpados, devem responder por isso e gravemente, porque ao homicídio e a tortura soma-se o fato de estarem agindo, em tese, como representantes da Lei e do Estado.
Mas não se pode perder de vista que poderiam ter sido outros dez, outros cem ou mil outros policiais, porque todos sabem que  sobra material “humano” e tolerância – quando não incentivo – institucional para isso dentro das polícias, a Militar do Rio de Janeiro, sobretudo.
Porque aqui, talvez como em nenhuma outra grande metrópole, criou-se o culto do policialismo, da repressão aos pobres, do “bandido bom é bandido morto”.
Os mais velhos nos lembramos do “Esquadrão da Morte” do período da ditadura, que deixava seus macabros cartazes de caveira sobre corpos de presumidos bandidos na baixada e nos subúrbios.
A democracia trouxe um governo com coragem e humanidade suficientes para enfrentar esta monstruosidade, mas os interesses políticos, perversamente, quiseram mostrar este esforço civilizatório como leniência ou até cumplicidade com o crime.
“Bandido agora é cidadão”, “A polícia não pode subir o morro”, “Brizola não deixa a polícia trabalhar” foram os caminhos, da boca grande da  mídia e da “boca-pequena” da rua que isso gerou, para chegar à despudorada tentativa dos jornais de associá-lo ao tráfico, que teve seu maior exemplo na publicação, em O Globo, em manchete, de sua foto ao lado de um líder favelado tornado traficante apenas por ser pobre, por ser negro e porque assim teria dito um policial.
Os grandes casos de chacina, que chocaram o Brasil, durante o Governo Brizola – Candelária e Vigário Geral – foram promovidos por tropas policiais que sabiam que, politicamente, iriam contar com a cobertura da mídia, porque foram também atos políticos de desestabilização de um governo que “promovia os direitos humanos” e que, por isso, odiavam.
Moreira Franco, Marcelo Alencar e Sérgio Cabral foram governadores que jamais se pejaram de prometer, casa um a seu modo, a acabar com a violência a seu modo, o mesmo modo: mais violência.
As polícias se armaram, generalizadamente, de armas de guerra, armas que passam dali para os próprios criminosos. Depois, adotou-se a idolatria ao Bope, ao seu símbolo idêntico à caveira do Esquadrão da Morte, à “tropa de elite” de uma subintelectualidade sociológica e cinematográfica que, com ressalvas “cult” ganhou dinheiro e projeção com algo que sabia ser, na prática,  a apologia de ação brutal da polícia.
Por último, veio a ideia belicista da “libertação do território dominado pelo tráfico” expressa nas Unidades de Polícia Pacificadora, que justificava o presente de ocupação militar das comunidades com a promessa de dar-lhes a liberdade que o tráfico – e é verdade – lhes tirava.
Qualquer um que saia da Zona Sul do Rio sabe que os criminosos que as UPP desalojaram estão todos nas áreas, como Niterói e São Gonçalo, onde não chegaram tais “pacificadores”.
E quem convive com isso sabe, também, que dentro das comunidades “pacificadas” militarmente, como em pequenos Iraques favelados, a lei e o direito dos pobres é violado a toda hora.
Era inevitável – embora isso em nada releve a brutalidade do crime que cometeram aqueles dez policiais – que logo uma UPP se transformasse em centro de tortura e assassinato, porque tortura e assassinato seletivo não são problema para a mídia se forem feitos com “critério”, “discrição” e nos bairros pobres e distantes.
Só isso explica que este país tenha meio milhão de pessoas presas e toda a discussão seja sobre como prender e condenar mais gente e nunca sobre como parar a fábrica de produzir criminosos que aqui funciona.
Amarildo de Souza “deu sorte” de ser visto na UPP e desta UPP ser na Rocinha, onde atuam muitas organizações sociais de classe média. No Morro do Alemão ou em Parada de Lucas, distantes, talvez nem mesmo dessem por sua falta.
Amarildo também tinha uma família e não possuía uma larga folha criminal. Mas, pergunta-se, fosse Amarildo um traficante seria aceitável pendurá-lo, sová-lo, eletrocutá-lo, matá-lo?
Confere-se ao policial e a seu comandante o poder de julgar e de apenar, além da lei que não prevê tortura ou morte, segundo seus critérios?
Amarildo é apenas uma de centenas e milhares de mortes. É importantíssimo, porque uma vida é sagrada, mas não é, como virou moda dizer, “um ponto fora da curva”.
Amarildo é só um dos pobres, dos negros, dos favelados que o pensamento dominante e neste país – na mídia e até em círculos intelectuais que se dobram à ditadura da mídia – aceita e aplaude ver brutalizado em nome da “segurança pública”.
A barbárie deste crime ultrapassa em muito a tortura e a morte de Amarildo de Souza.
O crime é produto de um caldo social e cultural que envolve exclusão, perda de valores, de objetivos e de códigos de conduta respeitosos ao ser humano e à sua dignidade. O crime em nome da ordem e da lei, também é. E o pensamento dominante deste país, governado pela mídia udenista, é um de seus principais ingredientes.
Por: Fernando Brito

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