Enviado por Miguel do Rosário
Quero crer que jornalismo é uma arte. Não uma arte no sentido estereotipado nas últimas décadas como exercício de dândis de gestos afetados e postura blasé. Refiro-me ao conceito antigo de arte, que os gregos chamavam de tecné, e que se referia a qualquer atividade que requer criatividade, de um lado, e transformação da natureza pelo trabalho, de outro.
O jornalismo precisa, naturalmente, de criatividade, e também transforma a realidade numa outra coisa. O que lemos em forma da notícia não é a realidade.
Mas não é só isso. Há um outro fator que, a meu ver, define o jornalismo, e que talvez seja o mais fundamental. Tentarei explicar com o máximo de simplicidade. O jornalismo é um processo que passa por três etapas para se tornar uma atividade social concreta.
1 – Apuração dos fatos pelo jornalista.
2 – Produção da notícia.
3 – Reconversão da notícia em fatos, na mente do leitor.
2 – Produção da notícia.
3 – Reconversão da notícia em fatos, na mente do leitor.
Podemos fazer um paralelo como os sinais de TV. A etapa 1 corresponde ao momento em que câmera capta as imagens de uma manifestação. A segunda etapa corresponde à transmissão das imagens pela televisão. A última parte do processo é a reconversão, no olho do espectador, das imagens na manifestação em si.
A distorção da notícia pode ser cometida em qualquer uma das três fases. O jornalista pode apurar mal o fato. A produção da notícia pode ser defeituosa ou tendenciosa. O consumidor da notícia pode fazer uma interpretação equivocada, mesmo que as duas etapas anteriores sejam produzidas corretamente.
Seja como for, a empresa jornalística jamais pode esquecer que o objetivo final da atividade é que o consumidor reconstrua, em seu próprio espírito, a representação mais próxima da verdade. Esse é um processo que, para ser bem sucedido, exige que todos os instrumentos semióticos ao redor da notícia sejam usados com imparcialidade ou transparência.
Por exemplo, acontece frequentemente que uma matéria seja escrita corretamente, com relato fidedigno dos fatos, mas as manchetes, os subtítulos, ou mesmo a posição que ocupa num jornal, acabam por distorcer o seu significado, e produzir, na mente do leitor, uma reconstrução equivocada da realidade.
Feito este preâmbulo, faço uma análise crítica do jornalismo econômico, e o exemplo que darei agora refere-se à cobertura sobre o comércio exterior. Nos últimos dois anos, o Brasil assistiu a um crescimento substancial de suas importações, o que afeta, naturalmente, a balança comercial. Esta deve fechar o ano no azul, mas durante o primeiro semestre se manteve negativa.
O destaque que os jornais dão ao déficit da balança comercial, contudo, produzem um sentimento negativo na cabeça do leitor, que corresponde a uma interpretação equivocada da realidade. O aumento da importação é uma consequência natural, necessária e inevitável do aumento do poder aquisitivo da população e das empresas. Não há sentido em pintar este fato com tintas negras de uma crise econômica, quando representa exatamente o contrário.
A busca de superávits, naturalmente, é salutar. No caso do Brasil, durante muitos anos, a busca de superávits na balança comercial era uma condição desesperada para o crescimento, em virtude do nosso enorme passivo externo. Endividado no exterior, sem acesso ao crédito internacional, o Brasil precisava produzir enormes superávits externos para assegurar ao mercado que tinha condição de quitar seus débitos.
Não é o caso agora.
Não temos mais dívida externa líquida. Ao contrário, o Brasil hoje dispõe de uma das maiores reservas mundiais de crédito externo. O gráfico acima mostra uma inversão total do quadro que vivíamos até alguns anos atrás.
Os déficits em nossa balança comercial são mínimos e sazonais; ainda mantemos superávits constantes nos acumulados de 12 meses. Nos últimos 12 meses até setembro, por exemplo, o superávit foi de 2 bilhões de dólares. É muito menor do que o registrado no ano anterior, mas não por queda nas exportações, e sim por causa do aumento das importações.
Uma das confusões que a imprensa de oposição faz na cabeça do leitor, quando confere tanto destaque aos déficits na balança comercial, é passar a impressão de que as exportações brasileiras caíram. Ele vê o número negativo, em vermelho, e pensa assim. E pensa assim porque era o objetivo da imprensa distorcer a verdade.
Entretanto, nos últimos dois anos, o Brasil exportou um total de 369 bilhões de dólares. Foram os melhores dois anos da história do comércio exterior brasileiro, mesmo (e principalmente!) se fizermos a correção monetária e cambial.
A participação das vendas externas do Brasil na exportação mundial vem crescendo sistematicamente nos últimos 10 anos. Em 2003, as exportações brasileiras correspondiam a somente 0,99% das exportações globais; este valor saltou para 1,36% em 2013, segunda melhor performance em mais de dez anos, só abaixo do registrado em 2012, quando chegou a 1,43%.
Entretanto, não podemos nos deixar enganar. Importar é bom. Os mais países mais desenvolvidos do mundo também são os maiores importadores.
Se o Brasil está importando mais é sinal de vitalidade econômica e maior poder aquisitivo da população. Desde que o aumento da importação não se dê paralelamente a um processo de concentração de renda, é uma tendência saudável. Já houve países, como a Venezuela, no período pré-Chávez, em que a importação aumentou durante um período porque sua elite estava consumindo grandes quantidades de uísque importado. Não tenho nada contra uísque importado, muito pelo contrário, mas não é isso que está acontecendo ao Brasil. O principal item na pauta das importações brasileiras é “Bens de Capital”, ou seja, maquinários industriais, o que sugere, mais uma vez, vitalidade econômica. No acumulado do ano (Jan/Set 13), o Brasil importou US$ 38,55 bilhões em bens de capital, aumento de 6,5% sobre o ano anterior.
Outro fator que tem pesado muito em nossa pauta das importações são os derivados de petróleo, o que igualmente corresponde à intensidade da atividade econômica; com a entrada em produção de novos poços, inclusive do pré-sal, já a partir de 2014, o petróleo tende a se tornar cada vez mais um item em favor de nossa balança comercial.
Outro mito que tem sido largamente propagado, inclusive no campo da esquerda, é que o Brasil estaria caminhando para se tornar novamente um exportador de produtos primários. Não é verdade.
É verdade, sim, que temos as maiores jazidas de ferro do mundo, e que a produção nacional de grãos, sobretudo soja, explodiu nos últimos anos. Esses dois itens passaram a “pesar” mais na pauta das exportações, inflando a participação dos produtos básicos.
Mas o Brasil jamais deixou de exportar produtos industrializados, e as exportações destes não parou de crescer. Registraram um baque em 2009, por causa da profunda crise financeira vivida no mundo em 2008, mas já se recuperaram. E triplicaram nos últimos 12 anos. Em 2001, o Brasil exportou US$ 32,9 bilhões em produtos manufaturados e US$ 8,23 bilhões em semimanufaturados. Em 2012, exportamos US$ 90,7 bilhões em manufaturados e US$ 30,0 bilhões em semimanufaturados.
Tão importante quanto, o Brasil diversificou suas vendas de manufaturados para um leque muito maior de compradores, com ênfase na América Latina, que paga os melhores preços.
Outra estatística a qual devemos prestar atenção é a evolução da corrente de comércio, que soma exportação e importação. Ela é o principal indicador da vitalidade do comércio exterior de um país. Neste quesito, o primeiro semestre de 2013 foi o melhor da nossa história, totalizando US$ 231,94 bilhões. E as importações propriamente ditas também foram recordes em Jan/Jun 2013, atingindo US$ 117,5 bilhões.
Não podemos esquecer uma coisa fundamental. Considerando apenas o comércio exterior em si, e não as atividades produtivas que o antecedem, a importação gera bem mais impostos que a exportação. Quando um rico compra o seu uísque importado, portanto, está bancando educação, saúde, construção de pontes e sistemas de esgoto.
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