sexta-feira, 7 de março de 2014

Pensões a filhas de militares, custam R$ 5 bilhões por ano 07/03/2014

» ANTONIO TEMÓTEO

Sob pressão do mercado para cortar gastos e evitar que o país seja rebaixado pelas agências de classificação de risco em pleno ano eleitoral, o governo enfrenta um grande dilema: arcar com pensões para mais de 103 mil filhas de militares. O pagamento desses benefícios pelo Tesouro Nacional consome quase R$ 5 bilhões por ano. A benevolência com as herdeiras de integrantes das Forças Armadas é tamanha que 17 são descendentes de ex-combatentes do Exército que lutaram na Guerra do Paraguai, entre 1864 e 1870. No total, pelas contas do Ministério da Defesa, as pensões a beneficiários de militares, incluindo as filhas, praticamente dobraram em uma década, passando de R$ 5,4 bilhões, em 2004, para R$ 10,3 bilhões em 2013.

As filhas de militares ganharam o direito de receber pensão vitalícia com a aprovação da Lei nº 3.765, de 1960. Pelo texto, o benefício seria pago somente às solteiras, o que levou várias delas a manter casamentos sem sacramentar a união no civil. As 17 herdeiras daqueles que lutaram na Guerra do Paraguai, por sua vez, foram contempladas anteriormente, com a promulgação da Lei nº 488, de 1948. Procurado pelo Correio para fornecer nomes e contatos delas, o Exército informou que não tinha autorização para isso. Sem esses dados, a reportagem calculou, empiricamente, a idade de uma das beneficiárias que teria nascido em 1900, 30 anos após o fim do conflito. Ela teria hoje 113 anos.


A Medida Provisória 2.215-10, de 31 de agosto de 2001, depois transformada em lei, extinguiu a regra instituída 41 anos antes, que dava às herdeiras solteiras, ainda que maiores de idade, o direito de receber pensões vitalícias. Entretanto, a legislação não acabou completamente com os benefícios. Estabeleceu que, para garantir a pensão eterna à família, os militares teriam de contribuir com 1,5% do soldo. Foi um alívio às filhas dos funcionários das Forças Armadas, que sonhavam concretizar o casamento. Isso porque os pais que passaram a pagar tal contribuição as livraram da possibilidade de ficar sem o benefício a partir da união civil. Pelas regras em vigor, o direito à pensão depende da contribuição e não está condicionado ao estado civil dos familiares beneficiados.

Anualmente, o Exército gasta R$ 3,5 bilhões com as pensões de filhas de militares. Já a Aeronáutica desembolsa R$ 444 milhões. A Marinha, com R$ 1,1 bilhão, afirma que, em médio prazo, essas despesas tendem a diminuir e, a longo prazo, desaparecerão.

Rombo no caixa

Na opinião do especialista em Previdência Renato Follador, a política de concessão de pensões no Brasil precisa seguir o modelo europeu. No Velho Continente, diz ele, quando um membro de uma família de quatro pessoas morre, o benefício é reduzido em 25%. E quando um cônjugue de um casal sem filho perde a vida, a redução chega a 50% do valor recebido. “No Brasil, não há qualquer corte nos benefícios, independentemente de idade e grau de instrução nem sequer é necessário comprovar a necessidade de se receber a remuneração”, afirma.

Follador ainda considera uma aberração o fato de filhas de militares, casadas, independentes e empregadas receberam pensão. Para ele, esse mecanismo contribui para aumentar o rombo na Previdência do setor público, que chegou a mais de R$ 62 bilhões em 2013. “Esses privilégios são um absurdo. Assim como o sistema de benefícios do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) precisa de reformas, os pagamentos a herdeiras de militares deveriam ser abolidos”, completa.

O especialista em finanças públicas da Universidade de Brasília (UnB) José Matias-Pereira alerta que os direitos adquiridos pelas filhas de militares que tiveram acesso a pensão antes da Medida Provisória 2.215-10 não podem ser alterados. Ele tem como base estudos e cálculos das Forças Armadas para projetar que a queda nos gastos com benefícios vitalícios deve ocorrer com maior intensidade a partir de 2030, e isso deve aliviar o caixa do Tesouro Nacional.

Matias-Pereira também chama a atenção para o fato de essa discussão ser apenas um dos problemas do sistema de previdência pública brasileira. “O Brasil enfrenta uma situação preocupante, porque a população vive cada vez mais e se aposenta cada vez mais jovem em relação à expectativa de vida. Isso acaba com a viabilidade financeira e atuarial da Previdência Social e, consequentemente, das contas públicas”, destaca. O especialista ainda aponta que o governo deixou de lado a reforma da Previdência Social, algo com potencial danoso tanto para a economia brasileira quanto para o futuro da população.

Regalia custa caro

Na avaliação do professor da Universidade de São Paulo (USP) e especialista em previdência José Roberto Savoia, as regalias para as filhas de militares são parte da cultura de generosidade da sociedade brasileira que apoia a política de concessão de benefícios previdenciários. Conforme ele, há um ideal de que o idoso é merecedor de uma aposentadoria por ter cumprido o importante papel de trabalhador. Entretanto, Savoia alerta que não há qualquer preocupação com as fontes que custearão as pensões e isso gera uma distorção no sistema que precisa de equilíbrio entre pagamentos e arrecadação.

Para o especialista, parte desses problemas é atribuída ao Legislativo, que não é eficiente em fazer uma reforma no sistema de concessão de benefícios, garantido a sustentabilidade do sistema, principalmente em um país como o Brasil, em que o processo de envelhecimento da população será muito rápido daqui por diante. “Num passado recente, corrigiu-se algumas distorções relacionadas ao pagamento de pensões a filhas de militares, mas a concessão de outros benefícios, como o auxílio-doença, não para de crescer. Vivemos em um momento histórico diferente, em que o controle dos gastos públicos é necessário”, comenta.

Savoia sugere que os brasileiros precisam se conscientizar da necessidade de fazer uma poupança para não contar somente com uma aposentadoria concedida pelo governo. Ele também afirma que o Legislativo e o Executivo devem se empenhar em uma reforma do sistema previdenciário brasileiro a fim de que a população não fique desamparada nas próximas décadas. Dados do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) mostram que, em 2050, entre quatro e seis jovens de hoje não terão condições financeiras adequadas na velhice. “Esse assunto deve ser uma prioridade do próximo governante, que assumir em 2015. O futuro tem de ser de estabilidade, não de problemas”, completa.

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