do Viomundo
Armação para fraudar contratos de R$ 2,7 bi da CPTM começou dois anos antes; leia as mensagens
por Conceição Lemes
Em 26 de agosto do ano passado, o Viomundo denunciou, em primeira mão, o que o relatório da Superintendência-Geral do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), divulgado em 20 de março, confirma: o cartel envolvido na fraude e superfaturamento de licitações do Metrô e da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM) operou até 2013.
Entre os contratos suspeitos investigados pelo Cade estão seis destinados à reforma e manutenção de trens e dois que visavam à compra de trens para a CPTM. Eles somam R$ 2,7 bilhões. Assinados em 2013, lesaram os cofres públicos paulistas em cerca de R$ 810 milhões, dos quais R$ 216 milhões para pagamento de propina.
Atentem à tabela abaixo. É justamente sobre esses oito contratos da CPTM assinados em 2013.
Os dois últimos – somam R$ 1,8 bilhão — foram assinados no segundo semestre de 2013, ou seja, depois que as denúncias já eram públicas.
Os editais das licitações são de 2012.
Um ano antes, porém, — portanto 2011 –, as empresas do cartel já estavam se armando para fraudar as licitações. Documentos obtidos na busca e apreensão realizada por agentes da Polícia Federal (PF) e do Cade, comprovam o complô.
Um deles é o e-mail, de fevereiro de 2011 (abaixo), enviado por Manuel Carlos do Rios Filho a Telmo Giolito Porto, ambos diretores da Tejofran, uma das empresas denunciadas. Manuel diz que “estava pensando em acomodação imediata do mercado” e que já tinha conversado com o pessoal sobre uma proposta de divisão das licitações.
Entre 1995 e 1996, Telmo Porto foi diretor de Operações da CPTM. Atualmente, é professor da Escola Politécnica da USP.
Seu nome aparece na Junta Comercial do Estado de São Paulo como sócio ou representante da Tejofran ou da Trail Infraestrutura (pertence aos controladores da Tejofran) em 77 empresas ou consórcios. Telmo e Manuel Carlos estão denunciados no relatório do Cade.
As negociatas em jogo no e-mail de fevereiro de 2011 objetivavam as licitações de seis lotes para manutenção dos trens da CPTM em circulação e dois para compra de novos. As tentativas de acordo envolviam CAF, Tejofran, Temoinsa, MGE, Alston, MPE, entre outras do cartel.
O esquema era tão bem organizado que, segundo o relatório do Cade, tinham três versões para a divisão do mercado. As versões 1 e 2, datadas de 2011, demonstrando que a armação começou mesmo um ano antes da publicação dos editais, e a 3, sem data.
A nota 142, do relatório do Cade, fala das versões. A 143 exibe uma delas.
Em 4 de julho de 2012, nova troca de e-mails entre os funcionários da Tejofran revela o andamento das licitações. Aparentemente, dificuldades com a Bombardier (BB) e a CAF.
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ALCKMIN INSISTE EM MANTER RAPOSAS TOMANDO CONTA DO GALINHEIRO
Siemens, Alston, Bombardier (BB), CAF, Temoinsa, ABB, Mitsui, Trans, Tejofran, MGE, TCBR Tecnologia, Iesa e Serveng-Civilsan são delatadas como participantes do cartel metroferroviário.
Coincidentemente, só as que compunham o cartel participaram das licitações da CPTM ocorridas em 2012, cujos contratos foram assinados em 2013.
Atentem, de novo, à tabela que publicamos no início desta reportagem.
A CAF, dos “espanhóis”, foi a vitoriosa em três licitações da CPTM: duas para manutenção e uma para fabricação de trens, totalizando R$ 1,33 bilhão.
O consórcio Iesa-Hyundai-Rotem ficou com o outro lote de fabricação de trens. Valor: R$ 788 milhões. Foi assinado em agosto de 2013, quando as denúncias já estavam na mídia.
A Hyundai-Rotem foi incluída como participante do esquema no segundo relatório do Cade, publicado há 20 dias.
Junto com a Siemens, a Hyundai-Rotem tem um outro contrato com o Estado de São Paulo. Ela foi a responsável pela fabricação dos trens para a PPP da linha 4 do Metrô paulista.
Os consórcios TMT (Temoinsa, Trans Sistemas de Transportes e Trail Infraestrutura) ganharam as outras quatro licitações. A Trail Infraestrutura pertence aos controladores da Tejofran, cujos diretores aparecem nos e-mails, participando da organização da “divisão do mercado”.
A Tejofran ficou com dois lotes, através dos consórcios TMT e TMT 2000.
O seu dono, Antonio Dias Felipe, é fundador da Fundação Mário Covas. Ele esteve envolvido em diversas denúncias, entre as quais a máfia da Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano (CDHU), do Estado de São Paulo. Por muitos anos, a Tejofran financiou a campanha dos tucanos paulistas ao governo do Estado.
No e-mail de 4 de julho, Telmo Giolito Porto, da Tejofran, diz a outros dois diretores da empresa, que Bandeira, alarmado com a BB (Bombardier) e a CAF, decidiu cancelar a coordenação.
A nota de rodapé 87 do relatório do Cade diz que Bandeira é provavelmente Mário Manuel Seabra Rodrigues Bandeira, atual diretor-presidente da CPTM:
Mário Manuel Bandeira é pessoa de confiança do governador Geraldo Alckmin (PSDB). Em depoimento na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo, em 11 de setembro de 2013, disse que no primeiro relatório do Cade, feito entre maio e junho de 2013, não havia não havia nenhum funcionário do governo paulista citado.
Ironicamente, no segundo relatório, o próprio presidente da CPTM é citado nas relações com o cartel: a mensagem de 4 de julho de 2013 de Telmo Giolito Porto, do grupo Tejofran, dizendo que Bandeira decidiu “cancelar a coordenação”.
Supõe-se que a coordenação do cartel era com vistas às licitações que ocorreriam em breve.
Àquela altura, os editais de licitação da CPTM já estavam publicados.
E o relatório do Cade indica que Bandeira tinha conhecimento do que estava se passando.
Os editais, vale relembrar, foram assinados por José Luis Lavorente e Milton Frasson, respectivamente diretor de operação/manutenção e diretor administrativo/financeiro da CPTM. O que indica que, além de Bandeira, pelo menos, outros dois membros da diretoria da CPTM sabiam dos detalhes do “projeto”.
Frasson não está mais na empresa. Juntamente com Nelson Scaglione, foi denunciado pela corregedoria do governo paulista por lavagem de dinheiro, via postos de gasolina.
Lavorente segue como diretor de Operação e Manutenção da CPTM.
É pessoa da estrita confiança de Alckmin. Foi o governador de São Paulo que o promoveu ao cargo de direção na estatal de trens, em 2003. Durante o governo Serra (2007-2008), Lavorente deixou a CPTM, mas permaneceu em cargos de comando da estrutura administrativa do governo como cota de Alckmin. Com o regresso de Alckmin ao Palácio dos Bandeirantes, em 2011, Lavorente reassume o posto de direção na CPTM.
Lavorente é simplesmente um dos homens que operaram o propinoduto do tucanato paulista.
Segundo a IstoÉ, com base em documentos em poder do Cade e Ministério Público, Lavorente é um dos cinco operadores do propinoduto do tucanato paulista.
Em um documento analisado pelo CADE, datado de 2008, Lavorente é descrito como o encarregado de receber em mãos a propina das empresas do cartel e distribuí-las aos políticos do PSDB e partidos aliados.
Além de ser apontado como o distribuidor da propina aos políticos, Lavorente responde uma ação movida pelo Ministério Público de São Paulo (MP-SP) que aponta superfaturamento e desrespeito à lei de licitações. O processo refere-se a um acordo fechado por meio de um aditivo, em 2005, que possibilitou a compra de 12 trens a mais do que os 30 licitados, em 1995 e só seria válido até 2000.
Baseada no e-mail de 2012 do diretor da Tejofran, a nota de rodapé 88 do relatório do Cade resgata um outro velho conhecido do esquema: José Roberto Zanibonni, ex-diretor da CPTM. Como Bandeira havia cancelado a coordenação, Reinaldo Andrade, da Tejofran, afirma que conversaria com “Zani”, sobre o assunto.
Na época das licitações, em 2012, Zaniboni era diretor Focco Engenharia. Foi ele que, em 2000, como diretor CPTM, assinou os contratos da fase I da linha 5 do Metrô e da reforma do trens, em 2002 .
Em 2008, ele se tornou sócio da Focco Engenharia, que segundo a PF seria usada para ajudar a execução do cartel. Os indícios contra Zaniboni eram tão fortes que a PF pediu o bloqueio dos seus bens. Zaniboni foi condenado pela Justiça suíça pelo recebimento de US$ 836 mil de propina. Em 2013, teve seus bens bloqueados pela Justiça brasileira.
Confirma-se, assim que Zaniboni, via a Focco Engenharia, fazia parte da engrenagem de fraudar licitações no Estado de São Paulo.
O segundo relatório do Cade aponta ainda para a atuação de outro lobista carimbado, que operou para os tucanos em diversas licitações de 2000 até 2013: Arthur Teixeira. Ele é dono da empresa de consultoria da Procint e da Constech, além de diversas outras e das off shore Gantown e Leraway Consulting, no Uruguai. Em 2008, representação do Partido dos Trabalhadores (PT) ao Ministério Público Federal e Ministério Público do Estado de São Paulo pediu a quebra de sigilo dessas empresas, para verificar quem recebeu a propina. Até hoje isso não feito.
Diz o relatório do Cade: “Nos três momentos (1998-2003, 2007-2008 e 2011-2013), os supostos ajustes teriam contado com a facilitação das empresas de consultoria Procint e Constech, que teriam auxiliado as empresas a implementar suas estratégias anticompetitivas”.
Conclusão: O cartel agiu na CPTM até 2013. E o que é pior. Com complacência do governador Geraldo Alckmin que, apesar de todos os sinais, insiste em manter as raposas tomando conta do galinheiro.
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