De O Globo
Companhias ficam em paraísos fiscais, como Panamá e Ilhas Virgens Britânicas, no Caribe
POR CHICO OTAVIO / CRISTINA TARDÁGUILA / RUBEN BERTA
Brasileiros que tinham depósitos milionários no HSBC da Suíça, em 2006/2007, usaram empresas conhecidas como offshores (expressão semelhante a “em alto mar”) para movimentar os seus recursos. Essas companhias ficam em paraísos fiscais, como Panamá e Ilhas Virgens Britânicas, no Caribe. São usadas principalmente por quem quer pagar menos impostos, e, desde que o envio e retorno dos valores ao país de origem seja declarado, não caracterizam ilegalidade. As offshores, porém, podem servir a propósitos ilícitos, como ajudar a camuflar dinheiro sem origem comprovada.
Levantamento feito pelo GLOBO, em parceria com o UOL, revela que havia 14 depósitos acima dos US$ 50 milhões nas planilhas vazadas pelo ex-funcionário do HSBC Hervé Falciani. Eles chegaram a um saldo de US$ 2 bilhões, mais de um quarto dos US$ 7 bilhões que brasileiros possuíam na filial suíça do banco. Para movimentar esses recursos — que devem ser um dos principais alvos de investigação da Receita Federal —, foram usadas 68 offshores.
A discrição é uma das principais características desse tipo de empresa. Na internet, é praticamente impossível localizar qualquer rastro consistente de informação. Nas planilhas do HSBC, as offshores se caracterizam por nomes curiosos como Spring Moonlight, Blue Green Pine, Demopolis e Coast to Coast.
As offshores servem, por exemplo, para que empresários protejam seu patrimônio pessoal de turbulências financeiras em seus países. Também dão aos investidores o benefício de pagar impostos mais baixos quando obtém lucros. A vantagem, porém, se dilui quando os recursos são devidamente declarados ao Fisco do país de origem, que cobra sobre os ganhos, não importando onde foram obtidos.(Com reportagem de Fernando Rodrigues e Bruno Lupion, do UOL; colaborou Thiago Herdy)
Steinbruch no topo
No topo do ranking dos milionários, aparecem integrantes da família Steinbruch. Sete deles(Eliezer, Dorothea, Mendel, Clarice, Ricardo, Benjamim e Elizabeth) chegaram a ter, ao todo, um saldo de US$ 543,8 milhões ao longo de 2006/2007, a maior parte em contas compartilhadas. Do empresário Jacks Rabinovitch, que foi sócio dos Steinbruch no Grupo Vicunha e na CSN, apurou-se um saldo de US$ 228 milhões em contas conjuntas com a família.
Ao todo, os Steinbruch tinham 15 empresas relacionadas às suas contas nas planilhas. Das dez que possuíam alguma referência de localização, cinco tinham o endereço principal em Tortola, nas Ilhas Virgens Britânicas.
Um caso resume o universo de offshores que gravita em torno das contas. Uma mesma pessoa, Aline Cortat, figura como responsável por pelo menos três empresas que atendiam à família: a Coast to Coast Corporation (com endereços na Suíça, em Nova York e Ilhas Virgens); a Codrington Holding, no Panamá, e a Vicunha International, que, além do Panamá, está associada a uma caixa postal no Aeroporto de Genebra.
Em segundo lugar na lista dos que tinham maiores saldos, aparece o empresário Elie Douer, com US$ 270 milhões. Parte desse valor era compartilhado com dois parentes. A ele, estavam associadas oito offshores, sendo três com nomes de fundação (Constantinopla, Darksky Foundation e Fastwind). Atualmente, ele só possui uma empresa em seu nome na Junta Comercial de São Paulo: a Safo Empreendimentos, que está registrada no mesmo endereço de sua residência, uma mansão no Morumbi. Porém, ele foi sócio de uma indústria têxtil, a Doutex.
Outro caso que chama a atenção é o do empresário de São Paulo Alberto Harari. Com saldo de US$ 113 milhões, ele tinha 24 offshores ligadas a seu nome. Ao todo, teve 64 contas, sendo que 44 continuavam abertas entre 2006 e 2007. Harari é ligado à indústria têxtil e de produtos químicos e também teve negócios com o banqueiro Edmundo Safdie.
Entre os que tinham saldo de mais de US$ 50 milhões no banco suíço, ainda aparece a família Waiswol, de indústria têxtil paranaense, e Habib Esses, da Adar Tecidos. O empresário e delegado aposentado de São Paulo Miguel Gonçalves Pacheco e Oliveira aparece com US$ 194 milhões.
Ainda há nessa lista do HSBC nomes do mercado financeiro, como Gilberto da Silva Sayão, André Santos Esteves e Eduardo Plass, ex-gestores do Banco Pactual, que dividiram contas. Renato Frischmann Bromfman, também ex-diretor do Pactual, aparece nas planilhas com US$ 140 milhões. André Roberto Jakurski, da gestora de recursos JGP, também aparece na lista das maiores fortunas .
Neste grupo de correntistas, também estavam o médico Antônio Rahme Amaro e o advogado Roberto Saul Michaan. Ainda havia os empresários de mídia Aloysio de Andrade Faria, do Grupo Alfa, e quatro membros do Grupo Edson Queiroz, da TV Verdes Mares.
Donos de contas negam irregularidades
Os brasileiros que apareciam com saldos acima de US$ 50 milhões em contas ligadas a offshores localizados pelo GLOBO, em parceria com o UOL, não quiseram comentar a relação com essas empresas, nem dar detalhes sobre sua utilidade. A assessoria de imprensa da Família Steinbruch enviou apenas uma nota em que afirma: “Todos os ativos no exterior da família Steinbruch têm finalidades licitas e estão de acordo com a lei. Quanto às menções a pessoas de sobrenome Steinbruch constantes de dados que foram roubados do Banco HSBC e manipulados, reiteramos que não correspondem à verdade e, por sua origem criminosa, não merecem comentários". Não foram enviados documentos à reportagem.
Na quinta-feira, Jacks Rabinovich, que aparece dividindo contas com os Steinbruch, foi contatado por meio de seu filho Eduardo, mas não houve retorno. O empresário Elie Douer foi procurado em sua residência (o mesmo de sua empresa, a Safo) desde a última quarta-feira, mas não retornou as ligações. Sion Elie Douer, que também aparece nas planilhas vazadas do HSBC, foi procurado, mas não houve retorno.
Na semana retrasada, o delegado aposentado e empresário Miguel Gonçalves Pacheco e Oliveira já havia sido procurado, através de seus advogados, mas não retornou aos pedidos de entrevista. Gilberto da Silva Sayão, atualmente um dos diretores da Vinci Partners, afirmou, através de sua assessoria de imprensa, que “suas declarações de bens e de renda às autoridades brasileiras e internacionais, incluindo-se Banco Central do Brasil e Receita Federal, sempre estiveram em plena conformidade com as legislações vigentes”. André Esteves, atual CEO do BTG Pactual disse, também através de sua assessoria: “Todos os meus bens estão devidamente declarados à Receita Federal e ao Banco Central”. Não foram mostrados documentos.
Alberto Harari, por meio de seu advogado, Rodrigo Dall´Acqua, enviou ao GLOBO a seguinte mensagem: “Sou administrador de empresas e empresário há 45 anos. Esclareço que já mantive recursos no banco HSBC na Suíça, devidamente declarados perante a Receita Federal e informados ao Banco Central. Os valores possuem origem absolutamente lícita e foram remetidos ao exterior sempre pelas vias legais, conforme registram os arquivos das autoridades fiscais e bancárias competentes. Tais recursos não estão relacionados, direta ou indiretamente, com nenhuma espécie de negócio com o Poder Público ou atividades políticas”. Os documentos não foram mostrados ao GLOBO.
A assessoria de Antônio Rahme Amaro enviou nota: “A família desconhece a existência das contas citadas e está à disposição das autoridades competentes para qualquer esclarecimento”. O Grupo Alfa, de Aloysio de Andrade Faria, afirmou que não tinha “nada a declarar sobre o assunto”. Lenise de Queiroz Filho, do Grupo Queiroz Filho, disse que desconhece contas na Suíça.
Renato Frischmann Bronfman e seu advogado foram procurados, mas não retornaram. Habib Esses foi procurado por meio da Adar Tecidos, empresa sob sua direção, mas não respondeu. A família de Salomão Waiswol (já falecido) foi contatada através de sua empresa, a Salotex, mas não retornou. André Jakurski foi procurado através da JGP, mas também não se manifestou.
Interesse público pauta série de reportagens
A agência de “private bank” do HSBC em Genebra, na Suíça, tinha 8.667 clientes relacionados ao Brasil nos anos de 2006 e 2007. A apuração e divulgação dos casos do SwissLeaks, feitas pelo GLOBO e pelo UOL, seguem os critérios de relevância jornalística e interesse público.
Não é crime ter conta no exterior, desde que seja declarada à Receita Federal. Até agora, entre os cerca de 200 nomes já analisados e divulgados na série, só sete mostraram documentos comprovando a legalidade de suas contas.
O grupo de correntistas com maiores saldos, foco da reportagem de hoje, será um dos principais alvos da investigação da Receita, cujo objetivo prioritário é descobrir se houve sonegação de impostos e, em caso positivo, recuperar esses valores.
Chama a atenção do Fisco e da CPI o fato de as contas do HSBC serem numeradas, isto é, seus titulares são identificados apenas por números. O uso de offshores reforça o caráter sigiloso da movimentação desses recursos.
http://jornalggn.com.br/noticia/swissleaks-offshores-no-panama-e-ilhas-virgens-britanicas-entre-as-usadas-por-brasileiros
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